12.12.08

A BÍBLIA NA VIDA E A VIDA NA BÍBLIA

Não adianta, o texto bíblico terá sempre sua centralidade no protestantismo. Enquanto os católicos têm sua autoridade na Tradição, na infalibilidade do Papa e no Magistério, o protestantismo se constrói no texto. O que restou foi o texto e sem o texto não têm protestantismo. Com isso a infinita discussão sobre a validade, a dimensão e o significado do texto para a Igreja.

Com a Reforma Protestante e sua centralização no texto bíblico, os teólogos se voltam para a Bíblia – o que é isto? É revelação de Deus? É Palavra de Deus? Em que sentido? Como interpretá-la? Como aplicá-la? As teorias surgem, as idéias borbulham em cima do texto.

Não quero aqui entrar em pormenores se a Bíblia é, contém ou torna-se Palavra de Deus. Quero ir por outro caminho e torcer para que você me compreenda. São esboços de algumas leituras que eu as chamo aqui de hermenêutica da vida, ou seja, alguns teólogos/teologias que procuraram fazer uma leitura da Bíblia a partir da perspectiva da vida, procurando no texto aquela cola que grude gente-texto, passado-presente.

Começo com Karl Barth. Quando assumiu o pastorado em 1911, Barth teve uma experiência marcante: o conflito entre a academia e o trabalho pastoral. Percebeu que havia discrepâncias entre os estudos teológicos e a real necessidade do povo que precisava ouvir a Palavra de Deus. Barth entende que a revelação se dá em três vertentes: Cristo, como automanifestação de Deus (sem o texto), o texto como registro desta revelação e a pregação que atualiza a revelação. A Bíblia em suas mãos se torna um instrumento no qual a Igreja recorda a revelação de Deus, e a pregação como atualização da revelação. Seus sermões tinham objetivos muito claros, dar ao seu povo a condição de refrigério, serenidade, coragem, descanso e fé num Deus amoroso, sempre se apercebendo do contexto imediato. Suas reflexões passavam pela epístola de Romanos procurando sempre uma abertura para os problemas do homem.

Rudolf Bultmann deixa sua contribuição com a sua demitologização. É uma maneira de ver Deus no texto bíblico, mas não ficar espantado com o vocabulário mitológico e pré-científico. Como alguém que bebe na filosofia existencialista, Bultmann compreende o texto como um encontro existencial texto-eu. O texto, fundamentalmente, é algo pessoal. A mensagem provoca, interpela e instiga a existência a fazer uma decisão por Cristo. Com Bultmann, e sua hermenêutica da vida, a realização do ser só é possível através do encontro com a Palavra. A inquietude humana só poderá ser sarada com este encontro.

Dentro da perspectiva latino-americana, a Bíblia é um poço de onde se tira água fresca e saudável; é uma fonte que não secou e nunca irá secar. Ela continua sendo atual para as situações históricas da América Latina quando relata a opressão do pobre, o suborno nos julgamentos, a violação dos direitos humanos, a banalidade da vida. A hermenêutica se dá em uma profunda dialética entre Palavra de Deus e contexto histórico e o fator determinante dessa hermenêutica é Jesus Cristo e sua prática libertadora que desconcertava os fariseus e escribas. A Bíblia ganha concretude quando solidifica no meio do povo a solidariedade, o amor ao outro, o perdão, a partilha, a vida.

Em nossos cultos o texto tem peso. O momento do sermão é o ápice do culto; as orações ao decorrer do culto são, inevitavelmente, dirigidas ao pregador para que ele fale o que vem “de Deus” e não dele mesmo. Parece que o pregador quando sobe ao púlpito e abre a Bíblia ele é tomado naquele momento pelo Espírito Santo e a partir disso ele fala “as palavras de Deus”. É em cima desse pressuposto que muitos subjugam igrejas usando seus sermões para legitimar certas posturas autoritárias.

Nesta relação culto-texto, os sermões devem ter na sua maioria a temática do pecado e a salvação do pecador, daí a expressão “culto evangelístico”. A conversão é o termômetro do fracasso ou sucesso do pregador com o seu sermão.

Mensagens autoritárias e esmagadoras não levam o povo a pensar em suas vidas e a ver o texto como fonte de espiritualidade a partir da identificação com situações bíblicas. Essa postura maniqueísta de usar o texto para proibir ou liberar não contribui em nada com a formação da vida cristã. O comportamento como evidência da salvação e a leitura bíblica como penitência não irão possibilitar uma hermenêutica para a vida. O texto continuará sendo um amuleto obsoleto de sorte e proteção residencial.

Não somente os cristãos querem respostas para os problemas da vida. As pessoas querem entender o que está acontecendo com este mundo que vê a violência como algo normal; querem refletir sobre o sofrimento humano; querem entender o que Deus tem a haver com suas vidas.

É urgente o resgatar a Bíblia na vida das pessoas e procurar mostrar que a vida delas também esta na Bíblia, basta querer fazer uma hermenêutica que contemple a vida.

Um comentário:

Blog da IBBG disse...

Alonso, muito legal o seu texto. A possibilidade hermenêutica do encontro com as Escrituas, não exige mais a sua objetividade, e o próprio sentido de Bíblia como Palavra de Deus tem um significado simbólico, e por si só tem um exagero de sentido, e como poderia ter dito Tillich sobre o texto, revela o drama das ameaças da existência humana, ser e não-ser, e se traduz na pergunta pela preocupação última. Poderia, mas não disse, e perdeu o texto.
Dr. Natanael