6.12.08

NATAL: O SALVADOR ENTRA NA HISTÓRIA

De fato é uma festa, uma celebração. O Sagrado é materializado na carne quente e mortal de Jesus de Nazaré. Seu começo deveria ter um início, e a Comunidade Primitiva não deixou de refletir e fazer teologia em cima disso. É claro que o tema da “encarnação” não é o ponto de partida, mas de chegada, pois as comunidades refletiram o processo cristológico até chegar ao berço.

É claro que o espírito natalino que invade as lojas, o comércio, não tem nada a ver com o espírito apresentado pelos evangelhos de Mateus e Lucas. O que conta nesses dias de “festa” é o mercado de consumo e a preocupação se as vendas serão ou não prejudicadas pela crise financeira global.

A estória do Natal narrada nos evangelhos quer nos assegurar que Deus habitou entre nós; se tornou como nós, gente simples e ignorante. Ele não veio como um césar, mas como um camponês; seu anúncio não se deu no templo de Jerusalém, mas junto aos pastores de Belém; não nasceu em um hotel luxuoso, mas numa estrebaria; não estava cercado de autoridades, mas de animais. Tudo isso para ficar mais próximo de todos.

As duas narrativas natalinas, Mateus e Lucas, são diferentes. Não queremos levantar historicidade de fatos, se foi ou não em Belém, se Herodes matou ou não as crianças, nada disso. Se não for assim teremos dificuldades com um Paulo que nada diz sobre o assunto; Marcos que começa no batismo, e não conhece nenhuma estória de nascimento virginal e coisa e tal; João que se remete a criação fazendo uma dialética com o Logos grego. Depois a fé cristã tem sua raiz no acontecimento da cruz-ressurreição de Jesus e não na estória do nascimento – embora os Concílios (Nicéia, 325; Éfeso, 431; Calcedônia, 451) na história da Igreja sempre penderam para uma cristologia encarnacionista.

É interessante comparar as duas narrativas. Mt se interessa por José, Lc por Maria; em Mt José e Maria moram em Belém, para Lc José foi para Belém por causa de um recenseamento; Mt faz Jesus ir para o Egito, em Lc Jesus volta para Nazaré; Mt coloca os “magos” como coadjuvantes, em Lc são os pastores. Isso mostra a particularidade de cada autor/comunidade e seu objetivo com a narrativa, cada um tentando buscar seu referencial teológico e comunitário – Mt quer apresentar Jesus como o novo Moisés, e por isso ele vai para o Egito, assim como Moisés, e Herodes manda matar criancinhas recém-nascidas assim como o Faraó; Lc quer mostrar a entrada da salvação na história – “Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor”. Lc não está preocupado em verificar fatos históricos e exatos. É mais um estilo literário, uma linguagem artística, uma narração livre com o fim de edificar e iluminar as vidas de seus leitores/ouvintes.

Com sua narrativa, Lc quer dizer para todos que o Salvador entrou na história da humanidade. Este tema é tão forte no texto, que as palavras “Salvador, salvação, salvar” aparecem 17x. Para Lc o Salvador é o portador de libertação no sentido universal. Jesus é um hóspede pelo qual Deus visita os homens.

O tema da salvação é muito presente na narrativa lucana, por isso sua preocupação constante em ajudar o pobre, o pecador. Não poderia ter magos presenteando o menino com especiarias finas; é os pastores, em geral pobres, renegados, considerados sujos e ignorantes, gente que não tinha reputação nenhuma. A estes Jesus veio salvar. Em Lc os perdidos se salvam e os “salvos” se perdem em seu orgulho, preconceito e discriminação.

O Natal é gratuidade de Deus, doação de amor, singeleza de perdão, convivência com o irmão. Tudo isso é Jesus. Entrou em nossas vidas para nunca mais sair.

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