17.6.20

IGREJA BATISTA E RACISMO

Os batistas surgiram no Brasil a partir de missionários estadunidenses que deixaram o seu país de origem por conta da Guerra da Secessão. Um dos principais pontos da guerra foi a questão da abolição da escravidão. Algo que o Sul jamais tolerou foi a possibilidade de se ver livre da mão de obra escrava nas suas fazendas de algodão.  Os missionários racistas deram origem a uma das maiores denominações do Brasil, ramo do protestantismo de missão com maior capilaridade na sociedade brasileira depois dos pentecostais. Ainda assim, o racismo que trouxeram na bagagem foi patente no relacionamento dos missionários com os chamados “nativos” brasileiros. Sobre o racismo dos missionários estadunidenses, o pesquisador Dr. João B. Chaves publicará um livro onde recolhe documentos e correspondências dos missionários com a Junta de Richmond. No livro, Chaves demonstra a maneira como os missionários tratavam a questão dos negros no país e o racismo explícito de muitos deles. O livro está para ser lançado com o seguinte título “O racismo na história batista brasileira: uma memória inconveniente do legado missionário” (Brasília: Novos Diálogos, 2020, no prelo). 

O racismo faz parte da estrutura social brasileira. Isso quer dizer que não está meramente nas piadas com pretos, antes domina as relações sociais e determina as condições que favorece a desigualdade em termos políticos, sociais e econômicos. As falas racistas e o comportamento preconceituoso que corriqueiramente ganha notoriedade na impressa e redes sociais, é mais uma mera manifestação de um fenômeno que é sistêmico e se faz presente em todas as facetas do país, sendo que a violência policial e a quantidade de presos pretos no sistema penitenciário brasileiro é a face mais visível desse racismo sistêmico.

O caso dos protestantismos no Brasil, não obstante apenas os batistas, infelizmente reforçou o racismo sistêmico, sendo, portanto, um dos pilares da estrutura racista que permeia o Estado brasileiro. O protestantismo de cunho étnico tinha um claro objetivo: o branqueamento da raça. O protestantismo se configurou no país a partir da “guerra cultural”, demonizando as religiões de matriz africana. Por essa razão, que o “samba, originalmente, era música do morro, de negro e pobre, e foi rejeitada pelas igrejas protestantes, muito mais por racismo que por razões teológicas” (ALENCAR, 2007, p. 79).

A Igreja Batista, em específico, é resistente quanto ao enfrentamento do racismo como tema inevitável quando da origem e formação da denominação no país. Sempre foi um tema escamoteado e negligenciado por lideranças denominacionais e pastores de igrejas locais. Um tema comumente ausente dos púlpitos das igrejas e inexistente na literatura das conhecidas “Escolas Bíblicas Dominicais”. Por conta disso, sabemos da dificuldade que há quando o assunto surge em igrejas Batistas. Algum tempo atrás, um colega de ministério testemunhou da sua dificuldade quando em Assembleia Geral a igreja elegeu membros negros para cargos da Diretoria Administrativa da igreja. Houve séria resistência quanto a esse ocorrido, mas o pastor permaneceu firme no seu propósito de integrar essas pessoas na liderança da comunidade.

Em 2019, ocorreu algo ainda mais grave enquanto denominação Batista no Brasil. A Juventude Batista Brasileira da CBB, no seu congresso anual “Despertar”, organizou mesas de debates e falas sobre diferentes assuntos. Dentre essas mesas estava uma em especial: “Descolonizando o olhar: o racismo atinge a igreja?”. Os convidados foram Fabíola Oliveira e o pastor batista Marco Davi Oliveira. Após o movimento contrário de um determinado grupo ultraconservador que alegou “desvio doutrinário” na formação da mesa, manifestando que eram desfavoráveis quanto a presença de Fabíola e Marco no congresso da JBB, a direção da JBB decidiu desconvidá-los. Decisão que contou com a participação da Diretoria da CBB. O caso ganhou repercussão e a Igreja Batista passou a ser qualificada como “racista”. Um episódio lamentável e inconcebível quando se trata do ethos dos Batistas e seu apreço pela democracia e o lugar de fala dos seus membros.

Essa semana mais um episódio execrável envolvendo uma live do senhor Rodrigo Santos e sua esposa Jéssica Maciel e a citação de uma Igreja Batista.

Na referida live, Rodrigo (que se apresenta como pastor) narra como conheceu a sua esposa, Jéssica (também pastora) na cidade de Toledo/PR quando ambos frequentavam a Igreja Batista do Calvário. Ele pontua que a igreja estava no lado pobre da cidade e afirma que ficou surpreso em encontrar Jéssica ali. O que vem depois disso é repugnante e demonstra mais uma vez o racismo estrutural e desumano que permeia a sociedade brasileira e a igreja segue sendo um recorte disso. Rodrigo diz que na igreja a maioria dos irmãos eram “encardidos”, “mais moreninho” e “meio sujo” e que sua esposa, por ser loira, causou um certo destaque, além de ser ela da “Zona Norte, zona mais nobre da cidade”.

A Igreja Batista do Calvário reagiu e divulgou uma Nota de Esclarecimento pela fala do então Pr. Rodrigo Santos. Segue:

A Primeira Igreja Batista do Calvário em Toledo, tem uma história de quase quatro décadas desenvolvendo suas atividades religiosas e sociais em Toledo, localizada sua Sede na Grande Pioneira.

Por meio desta nota manifestamos publicamente que não compartilhamos de forma alguma com quaisquer atitudes preconceituosas, manifestação de racismo, desrespeito a individualidade ou manifestações de ódio.

À luz da Lei 7.716/1989 e do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) definem o Racismo como crime inafiançável, inaceitável e indefensável.

A igreja, diante das repercussões geradas pela “live do pastor Rodrigo dos Santos”, reafirma seu compromisso institucional com a promoção da igualdade étnico-racial, sexual, religiosa, repudiando toda e qualquer manifestação de preconceito, contra quem quer que seja. Sendo que reconhecemos que todas as pessoas são iguais perante a Lei e o Criador.

Também informamos que o Sr. Rodrigo dos Santos, foi membro de nossa igreja há tempos atrás, mas que atualmente (8 anos) reside fora do país e congrega em outro ministério onde atua como pastor.

A nota de retratação foi postada em nossa página em função de nossa igreja ter sido citada na live.


O racismo estrutural precisa ser combatido e denunciado.


O racismo é pecado e mata! Ainda estamos todos consternados por um João Pedro, morto pela polícia na sua casa em Niterói; por um George Floyd asfixiado por um policial branco em Minneapolis (EUA); e Miguel, menino negro, que caiu do nono andar de um prédio em Pernambuco porque a patroa da sua mãe permitiu que a criança de cinco anos de idade entrasse sozinho no elevador e subisse para a morte. Por essa razão que quando se levanta o grito de que “VIDAS NEGRAS IMPORTAM” não é apenas um discurso retórico. É a constatação de que algumas vidas não importam tanto e que qualquer tentativa de querer igualar as classes sociais como se as mesmas fossem homogêneas é falaciosa.

 

As igrejas Batistas precisam enfrentar esse dilema social com honestidade e a partir de uma perspectiva bíblico-teológica, denunciando o racismo como pecado! A atitude da Igreja Batista do Calvário em Toledo com sua Nota de Esclarecimento é louvável, porque reafirma a luta constante contra o racismo. É de se lamentar que o senhor Rodrigo passou pela comunidade e não encontrou a glória de Deus no rosto daqueles irmãos. A igreja segue seguindo Jesus de Nazaré que se sentou à mesa e andou com pessoas que não eram bem vistas dentro de uma sociedade classista e preconceituosa, muito parecida com a nossa. E foi para essas pessoas que ele disse: “Bem aventurados vocês, os pobres [e pretos], pois a vocês pertence o Reino de Deus” (Lc 6,20).

Referência
ALENCAR, Gedeon. Protestantismo tupiniquim: hipóteses sobre a (não) contribuição evangélica à cultura brasileira. 2. ed. São Paulo: Arte Editorial, 2007. 

2 comentários:

filhodamusa disse...

Ola amigo...gostaria de conhecer mais sobre este assunto. Você poderia indicar referências bibliográficas sobre esta origem racista dos missionários batistas?
Ah...no seu perfil do blog não diz. nada sobre quem vc é, sua formação...Fiquei curioso? Aguardo seu retorno!
Abs

Alonso S. Gonçalves disse...

O livro citado ainda não foi publicado. Deverá ser publicado até o final de Julho pelo Editora Novos Diálogos.