O Novo Testamento, antes de ser uma construção
teológica (que também não deixa de ser), se constitui em testemunho. Um testemunho de fé dos primeiros discípulos de Jesus. Antes
de ser historiografia (que não tem
esse objetivo), o Novo Testamento (aqui principalmente os evangelhos) se dá em narrativas
que compõem um testemunho de como os
seguidores de um galileu abraçaram a mensagem deste e espalharam esta mensagem
ao mundo conhecido do primeiro e
segundo século (Paulo).
Uma das principais razões do Novo Testamento
subsistir está na ideia, que hoje atribuímos por falta de uma palavra melhor, da missão. Aqui assumo a palavra
testemunho.
Por razões dispensáveis aqui, mas
importantes para uma discussão, missão ganhou contornos insuperáveis do
ponto de vista colonizador.
“Os evangelhos
entendidos como testemunhos são meios inteiramente apropriados de acesso à
realidade histórica de Jesus” (1). Se entendemos assim como Richard Bauckham,
os evangelhos dão testemunho de uma realidade que os
discípulos tiveram com Jesus, mesmo com a construção literária que sabemos que
há, que, per si, se constitui em testemunho.
O testemunho,
no evangelho de João, segue uma
trajetória muito clara: o Espírito que procede do Pai, dará testemunho de Jesus; os discípulos darão
testemunho de Jesus porque estavam com
ele (Jo 15,26-27). Assim, aquilo que chamamos comumente de missão, e aqui estamos chamando de testemunho, é dado aos discípulos como memória. Nesse sentido, “os discípulos são aqueles que são enviados
ao mundo como presença ativa de Jesus. Por meio deles, Jesus realiza a sua missão” (2). O realizar (testemunho), se dá através da memória sobre Jesus.
O
testemunho se dá a partir de uma memória
construída sobre Jesus e não de Jesus. O testemunho é possível por conta da memória que se tem da pessoa de Jesus. Sentido maior dessa memória é a celebração da comunhão
(ceia). É uma memória coletiva (Maurice Halbwachs), que nos evangelhos se dá em memória comunitária. Na celebração da memória, as escrituras e o partir o pão,
eram essenciais para continuar
alimentando o testemunho e a memória dos discípulos de Jesus.
O testemunhar
sobre Jesus será a primeira incumbência dos discípulos em Atos 1,8 – “e
sereis minhas testemunhas”. Mesmo
com a diversidade semântica da palavra no Novo Testamento, principalmente no
sentido jurídico, ser testemunha implica falar sobre Jesus – “Sê
corajoso! Como deste testemunho de
mim em Jerusalém, assim é necessário que o dês também em Roma" (At 23,11). Seguindo
a teologia de Lucas-Atos, “os
discípulos, que foram comissionados por Jesus com a proclamação da mensagem do reino, que são testemunhas” (3).
A partir disso, visualizamos a realidade
dos “discípulos” de Jesus e o grau de memória
e o teor do testemunho. Constatamos,
sem muita dificuldade, uma equidistância entre as duas realidades. De um lado o
testemunho no Novo Testamento que
geralmente se traduz por martys, de
onde vem nossa palavra para mártir. Do
outro, uma busca incansável por glória
que necessita de troféu para os melhores “apóstolos e pastores”. Um “evangelho”
(e leve em consideração as aspas”) com ausência de memória, de gente que aprendeu sobre Jesus por meio de canções, que
levam o codinome de gospel, mas não
agregam o testemunho altruísta de Jesus.
São “discípulos” com amnesia. Esqueceram
o sentido do evangelho e julgam seus
cultos, recitais e músicas, como expressão máxima do testemunho sobre Jesus. Não entendem que Jesus, em lugar do culto, lavou
os pés dos discípulos; esquecem que no lugar do culto, ele pede misericórdia (4).
Notas
(1) BAUCKHAM, Richard. Jesus e as testemunhas oculares: os evangelhos como testemunhos de
testemunhas oculares. São Paulo: Paulus, 2011, p. 18.
(2) COMBLIN, José. Teologia da missão. Disponível em: www.missiologia.org.br.
Acesso em: 15 abr. 2010.
(3)
TRITES, A. A. Testemunha. In:
BROWN, Colin (ed.). Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1983,
vol. IV, p. 616.
(4) COMBLIN, Teologia da missão.
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