15.10.09

E POR FALAR EM INFERNO...

Um dia desses uma adolescente da igreja perguntou-me sobre o inferno. Talvez porque não me ouve pregar sobre o assunto ou dizer que fulano ou cicrano vai para o inferno senão aceitar Jesus... Na conversa ela quis saber se acredito ou não no inferno e depois qual era minha opinião sobre o tal “lago de fogo”. Quem vai para o inferno? Como saber se alguém vai para o inferno? Perguntas como essas atormentam algumas pessoas, ainda mais quando encontram aqueles pregadores que só sabem falar do inferno e a graça de Deus e seu amor não são enfatizados.

O tema é complexo. Na Idade Média foi muito enfatizado. Terrorismo era feito com as pessoas que não aceitavam o cristianismo como religião. Hoje há muitos ainda que apelam para o inferno como instrumento de convencimento. Sem levar em consideração aqueles que mandam outros para o inferno.

Apesar de hoje poucas pessoas acreditarem que irá para o inferno (pesquisa Vox Populi demonstrou que 83% das pessoas acreditam que passarão a eternidade no Paraíso), o fato é que no imaginário religioso as pessoas ainda carregam a teologia da recompensa: se fez coisas erradas aqui vai para o inferno, se fez coisas boas vai para o céu. Isso é ensinado para os infantis que quando fazem alguma coisa errada logo ouve: “olha, Papai do céu castiga”. O nosso senso de justiça é meritório e compensatório.

A tradição bíblica estar inserida em uma cultura grega, no caso do Novo Testamento. É importante pensar na palavra e seu contexto. Num primeiro momento a palavra hebraica sheol designava morada de todos os seres humanos, independentes se bons ou maus. Na tradução dos Setenta (hebraico-grego), a cultura grega imperou no texto traduzindo sheol para hades. Ambos os conceitos não tinham nenhuma intenção de apontar como um lugar de castigo aonde iria os maus. Com a predominância da cultura grega no texto sagrado, cultura essa que separava alma-corpo, ideia que o Antigo Testamento não conhece, compreendeu que para a alma haveria de ter um lugar especifico, tanto para bons quanto para maus. Assim alguns textos do Novo Testamento trazem essa concepção, por exemplo, Mt 11,20-24.

Dentro da tradição religiosa do Novo Testamento, os autores liam a transcendência com meios disponíveis para a época, no caso a concepção e o conceito de inferno. Daí as conhecidas imagens como: fogo inextinguível (algo dolorido); choro e ranger de dentes (vivencia de uma situação que não pode ser alterada); verme que não morre (ausência de paz interior). Essas imagens são tiradas da experiência humana, da dor, do desespero, da frustração, de amputação da liberdade e vivencia de cárcere; alguém chamado à luz, mas vive em trevas. O inferno é o endurecimento de uma pessoa no mal, portanto não é um lugar para aonde ir, mas um estado em que se encontra. O homem criou o inferno (ausência de Deus) quando odiou o próximo, explorou o irmão, quando matou, quando se amou a si mesmo mais que o próximo. Inferno nunca pode ser considerado uma ação positiva de Deus. Quando se entende o inferno como um meio que Deus encontrou para castigar aqueles que disseram um não a ele, fica patenteada a completa ignorância do amor, da graça e misericórdia de Deus. Inferno, neste sentido, é a culminância do mal. É a petrificação na maldade, é a interrogação de Ivan, um dos personagens de Dostoievski em Os irmãos Karamazovi: “com um tal inferno no peito, como é possível viver?”

O inferno não tem mais sentido depois da morte-ressurreição de Jesus Cristo. Como bem lembra Jürgen Moltmann, “se ainda houvesse perdidos no inferno, isso seria uma tragédia para Cristo”.

Assim como as parábolas são metáforas, as imagens que o Novo Testamento apresenta sobre inferno também o são. As passagens que tratam do assunto estão sempre ligadas a problemáticas e vivencias na vida cristã, não têm intenção nenhuma de provar se o inferno existe ou não. O evangelho de Marcos 9,42-47 é um exemplo disso, em que o tropeçar um dos pequeninos crentes da comunidade é sinônimo de inferno.

Inferno é criado quando alguém diz um não decisivo a Deus e isso é perpetuado depois da morte, agora não me pergunte como isso será que eu não faço nem ideia.

Textos de apoio
BOFF, Leonardo. A vida para além da morte. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1973.
MOLTMANN, Jürgen. No fim, o início: breve tratado sobre a esperança. Trad. Irineu J. Rabuske. São Paulo: Loyola, 2007.
SEGUNDO, Juan Luis. “A presença ou ausência do imaginário infernal”. Ciberteologia, Ano II, n.º 11.
QUEIRUGA, Andrés Torres. O que queremos dizer quando dizemos “inferno”? Trad. Paulo Bazaglia. São Paulo: Paulus, 1996 (Col. Teologia Hoje).

Pr. Alonso Gonçalves

4 comentários:

Claudinei Paulino disse...

Belo texto!
Infelizmente a compreensão teológica sobre o Inferno é muito mais de 'Dante', portanto, da Idade Média, do que uma compreensão bíblica. Talvez pela facilidade de culpar ou até mesmo julgar pessoas. Muitos temem um inferno escatológico e nem se dão conta que vivem um inferno existencial. Parabéns pela citação de Dostoievski, rs.
Abraço

Alonso S. Gonçalves disse...

Eu sabia que você iria gostar da citação de Dostoievski. É interessante observar que o medo de muitos ainda é do inferno e servir a Deus para alguns é a garantia de não ir pra lá (se é que tem um lugar a ir, rs).

Valeu.

Joel Jr. disse...

Isso é uma verdadeira heresia!! Pastores batistas que não acreditam na existência do inferno! Onde vamos chegar?! Confabulando através de textos subversivos, tendenciosos e sem embasamento empírico! É o caos! (risos.. gargalhada solta..)

Para dar embasamento empírico seria necessária uma expedição ao inferno, não é mesmo? Quem se arrisca?

Excelente texto, Alonso. Dá o que pensar. Parabéns.

Obs. Coloca o meu blog no seu blogroll. Também quero participar dessa ação entre amigos. Mas, no meu caso, você tem que criar uma outra categoria: Não vale à pena ler. Só indico por que o blog é de um amigo meu. rsrs

Alonso S. Gonçalves disse...

Cara, você quase me assustou!!! Valeu pelo comentário, como certeza iriei colocar o seu blog por aqui.

Valeu...