6.5.09

POR UMA NOVA LEITURA DA BÍBLIA

Um Diálogo com Andrés Torres Queiruga

Alguns anos atrás eu estava num Concílio Examinatório (uma reunião de pastores com o propósito de sabatinar o candidato para ver se ele serve ou não para o pastorado, as vezes funciona, outras não). Bem. Estava lá e era examinador na área de teologia. Minha pergunta, a meu ver, foi simples e sem nenhuma pretensão de constranger o candidato. Perguntei: “a Bíblia é um registro da revelação ou a própria revelação?” Bastou isso para ser acusado de “neo-ortodoxo”. Um dos presentes solicitou a leitura de um teólogo norte-americano, Wayne Grudem e sua exaustiva e atual Teologia Sistemática, para ratificar que a Bíblia é a revelação e não registro de uma. É claro que estou mexendo num ponto da teologia que teve (e tem) uma intensa discussão. Mas o intuito mesmo é apresentar algumas concepções do teólogo católico espanhol Andrés Torres Queiruga.

Citei o caso para demonstrar como a teologia protestante encerrou no texto a revelação. É claro que com a Reforma Protestante e sua centralização no texto bíblico, os olhos se voltaram para a Bíblia na tentativa de compreender o que era. Não faltou ideias. Rudolf Bultmann deixa sua contribuição: demitologização. É uma maneira de ver Deus no texto bíblico, mas não ficar espantado com o vocabulário mitológico e pré-científico. A Crítica da Forma coloca dúvidas que até então eram sacralizadas, como a autoria do Pentateuco, Evangelhos Sinóticos e suas fontes, as Cartas de Paulo, e o texto é desqualificado como produto final de Deus para o Homem.

Essas novas maneiras de ver o texto ganharam proporções e logo surgiu o fundamentalismo norte-americano como paladinos da ortodoxia e apologistas da fé, asseverando a inspiração das Escrituras como revelação literal da Palavra de Deus, retomando posturas da Patrística como as de Jerônimo e sua posição de que as Escrituras, em cada palavra, sílaba, acento e ponto há revelação. O protestantismo de missão, inevitavelmente, é herdeiro dessa perspectiva.

O espanhol Andrés Torres Queiruga, em sua tese doutoral, escreveu uma obra considerada magistral: A Revelação de Deus na Realização Humana (Trad. Afonso Maria Ligorio Soares. São Paulo: Paulus, 1995). Neste trabalho Torres Queiruga expõe seu método teológico “maiêutica histórica”. O velho método dialético socrático toma forma teológica. A proposta é buscar uma síntese entre transcendência e imanência. A revelação vem de fora, mas encontra ressonância na pessoa.

Partindo de eixos condutores como a exegese contemporânea e a teologia das religiões, ou seja, a contribuição da exegese na solução de questões bíblicas que até então eram inquestionáveis e a teologia das religiões como formas revelacionais, Torres Queiruga quer mostrar que aquela ingenuidade de pensar que os homens e mulheres da Bíblia viviam sua ética, culto e religiosidade como algo expressamente revelado não é mais concebível. O povo de Israel viveu sua fé que incluiu, naturalmente, vicissitudes como tramas, conquistas, derrotas, alegrias, tristezas. Sua história foi ganhando corpo escrito depois do exílio babilônico. E se há revelação no texto, como há de fato, ela surgiu como consequência de um processo de fé que modelou seu pensamento e experiência. O texto não surgiu como palavra feita e dada no nada e no vazio, pelo contrário, o texto recolhe sagas, mitos, festas, lendas, folclore para dar claridade ao passado de Israel e sua experiência originária com o conhecido Iahweh. O mesmo com os escritos neotestamentários: a experiência com o Deus de Israel e sua manifestação no Jesus de Nazaré e a ressurreição como confirmação de que ele era o Filho de Deus; dentro do imaginário religioso e cultural, a comunidade vivencia a sua fé sem pretensão alguma de construir dogmas e fazer doutrinas.

Para Queiruga a Bíblia nasceu do descobrimento de Deus na vida de um povo. Antes mesmo de passar pela pena de um redator, ele é (era) fruto de uma experiência revelacional. O texto já é um produto revelacional e não, propriamente, revelação. A revelação não apareceu como palavra feita, como oráculo de uma divindade escutado por um vidente, mas como experiência viva.

O texto não pode ganhar status revelacional cabalmente. Ele possui fragilidades, e está aí a graça. As contradições, as ambivalências, o caráter histórico, vem corroborar de que o texto é humano, demasiadamente humano-divino.

4 comentários:

Blog da IBBG disse...

Parece simples a concepção de que para um texto fazer sentido, deve de algum modo fazer parte da existência com o interlocutor. Quer por sua vez, reelebora o próprio texto pela hermenêutica do lugar de sua existência. Contudo, concepção mágica de que há uma imposição de sentido objetivado numa escrita, se aproxima mais do misticismo, que da Revelação. Parabéns pelo seu texto, especialmente no contexto em que é escrito. Dr. Natanael

Pedro disse...

A Bíblia é a própria revelação e não um registro de revelação. Os relacionistas ou relativistas defendem idéias contrárias do poder de Deus, como o "Dr" Natanael, que seguindo Kivitz, Godim e outros, dizem que Deus não é tão Deus, que Mateus é uma alegoria de Moisés, a passagem do mar vermelho uma alegoria. Tudo é relativo. Infelizmente enquanto pregam palavras vazias, longe do povo, Jesus utilizava do grego Koiné para conversar com os gregos, Jesus estava com o povo. E hoje os sacerdotes distanciam do povo por meio de discursos vazios que não trazem e nem demonstram o poder de Deus. Hoje precisamos do Poder de Deus, mostrado pelo Espírito de revelação e sabedoria (Oração de Paulo aos efésios), ou seja,a teoria prática para evangelizar com poder e observar os sinais que acompanham os que crêem. Em vez de Bultmann, Boff, Godim, é necessário citar os grandes cruzadistas Osborn, Hagin, Kenyon, homens que cruzaram o mundo pregando o evangelho de Poder, utilizando apenas a Teologia Prática.

Alonso S. Gonçalves disse...

Pedro, sinceramente, acredito que estes textos não servem para você que vive no mundo do "poder". Pelo visto você insiste em acompanhar este blog, mesmo que não concorde. Peço a você, não substime ou julgue quem você não conhece. O Pr. Natanael é de fato DOUTOR sem ".
Insisto, leia outros blog que enfoque mais a sua realidade religiosa.

Pedro disse...

Graça e Paz,
Peço perdão, porém não fui compreendido em minha declaração anterior, não quis em momento nenhum Substimar o Doutor Natanael, não o conheço, porém o debate é no campo das concepções, das idéias e não no pessoal. Discordo de idéias deistas e relativistas e as comento. Leio os textos do Dr Natanael e essa impressão que nos passa os seus textos "Um Deus que não é tão Deus, impregnado de alegorias judaicas. Gosto de ler seus textos, destaco que comento somente no campo das idéias e não do pessoal. São textos bons para ampliar o conhecimento filosófico e ampliação vocabular. Como também não concordo com a primeira frase de seu texto quando diz "uma reunião de pastores com o propósito... de ver se serve ou não para o pastorad". Quem chama não é Deus, quem escolhe desde o ventre materno não é Deus? Se o exame fosse servisse em seu propósito por que existe tantos pastores problemáticos? O debate é apenas no campo conceitual? É gostoso debater temas teológicos e não devemos ter repulsa por pensamentos diferentes, pois além dos pensamentos temos Jesus Cristo e a ele pregamos o tempo todo.
Um abração fraternal.