5.4.09

DESCER DA CRUZ OS CRUCIFICADOS

Em abril comemoramos a Páscoa. A maior festa cristã. Só entristeço-me em ver que o Natal continua sendo a data mais propagada e falada. É uma pena, porque o cristianismo não vive do nascimento de Jesus, mas sim de sua ressurreição. A base da nossa fé, o sentido da nossa esperança está na ressurreição. Embora o Novo Testamento apresente diversos relatos sobre a ressurreição de Jesus – os Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) interpretam a ressurreição de uma maneira diferente que o apóstolo Paulo, este desconhece túmulo vazio e aparições relatadas pelos evangelhos, para ele a manifestação do Ressuscitado foi espiritual e revelacional para algumas testemunhas (1Co 15) – o fato é que a ressurreição de Jesus deu fôlego aos discípulos e dá fôlego à Igreja hoje.

Em que a ressurreição de Jesus tem contribuído para a visão da Igreja? Nós a reduzimos a conquista da salvação, algo que já estava determinado por Deus. A morte-ressurreição é a coroação dos planos de Deus para Jesus, seu Filho. A teologia calvinista vai mais além, a morte-ressurreição foi limitada apenas para os eleitos e predestinados. Daí a teologia do sacrifício expiatório. Jesus morreu para recompensar a justiça divina. O Filho nada mais é do que uma oblação ao Pai.

A teologia bíblica nos mostrou outro quadro de Jesus. Não aquele pintado pelos concílios recheados de filosofia grega. Mas um Jesus que foi vítima de sua própria mensagem: o Reino de Deus. É difícil, como atesta Rudolf Bultmann, tentar adivinhar a consciência messiânica de Jesus, se ele se via ou não como enviado predestinado de Deus, como o Messias esperado etc. O fato é que Jesus iniciou seu ministério anunciando o Reino de Deus, e não a si mesmo. Foi vítima de um sistema religioso que combinava poder, dinheiro e Sagrado. Por não concordar com a maneira que o povo era tratado pelo poder religioso instituído, ele ousou bater de frente e sua condenação teve seus dias contados com o incidente do templo revirando mesas e expulsando cambistas. Vítima de seu discurso, ele foi torturado, maltratado e crucificado. Mas ressuscitou.

A ressurreição de Jesus é uma ponte de esperança. Assim como ele enfrentou os opositores do Reino, hoje enfrentamos também. O poder econômico que marginaliza todos os dias centenas de pessoas, principalmente em tempos de crise, quando os grandes executivos de multinacionais têm seus fundos preservados, os trabalhadores pagam com o desemprego as bobagens que são feitas no universo capitalista; a política feita no país de forma desavergonhada, com super favorecimento de obras, castelos medievais no interior de Minas Gerais; a violência que ceifa todos os dias vidas de adolescentes e jovens; a impotência do cidadão para mudar a maneira abusiva em que são cobrados os impostos, constatando ainda a ineficiência do Estado para sanar as necessidades básicas da população como transporte, educação, saúde, estradas, infra-estruturas, segurança. Diante disso, a ressurreição de Jesus é uma saída, uma luz no fim do túnel.

A Bíblia é bem clara quanto à predileção de Deus para com os fracos, pobres e marginalizados da sociedade. Jesus foi vítima de sua mensagem, o Reino de Deus, mas Deus ressuscitou um crucificado. Com isso Deus não somente expressa seu poder sobre a morte, mas também sobre a injustiça, a marginalidade. A ressurreição é o aval divino para a mensagem de Jesus. Nos mostra ainda, que a esperança não morreu com o crucificado, ela ressuscitou com o ressuscitado, por isso há esperança para os crucificados de hoje.

Esta aí a tarefa da Igreja. Como lugar-presença do Ressuscitado, a Igreja é a manifestação real dessa cristologia. A ela é dada a tarefa de denunciar os valores do anti-reino, do discurso egoísta, do charlatanismo religioso vigente, da desumanização. Cabe a Igreja a tarefa de presenciar a misericórdia de Deus e o amor de Jesus para com o que sofre; proporcionar meios de convivência e comunhão na comunidade de fé e, principalmente, atualizar a mensagem do Reino de Deus e, assim como Jesus Cristo, descer da cruz os crucificados de hoje.

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