23.5.09

DEUS ABSOLVIDO

A contribuição de Andrés Torres Queiruga para o problema do mal

O mal sempre foi (e é) um grande problema tanto para a filosofia quanto para a teologia. Epicuro já alertava para o grande dilema: “ou Deus quer tirar o mal do mundo, mas não pode; ou pode, mas não quer tirá-lo; ou não pode nem quer; ou pode e quer. Se quer e não pode, é impotente; se pode e não quer, não nos ama; se não quer nem pode, não é o Deus bom, e, além do mais, é impotente; se pode e quer – e esta é a única alternativa que, como Deus, lhe diz respeito – de onde vem, então, o mal real e por que não o elimina de uma vez por todas?”

Com uma teologia comprometida com os paradigmas da modernidade (subjetividade, autonomia, racionalismo), Torres Queiruga traça uma trilha teológica que passa por uma nova imagem de Deus, desvencilhando aquela velha maneira de ver um Deus rival do ser humano, daí a sua tese de que Deus se revela na realização humana e a verdadeira imagem de Deus é aquela que Jesus de Nazaré apresenta como o Abbá; uma profunda compreensão da criação, onde Deus não tem que vir ao mundo, porque já está desde sempre em sua raiz mais profunda e originária; não tem de intervir, pois é sua própria ação que está sustentando e promovendo tudo; não acode e intervém quando é chamado, porque é ele quem, desde sempre, está convocando e solicitando nossa colaboração; além disso a postura respeitosa e teológica frente as diversas tradições religiosas.

Em todas essas vertentes, Torres Queiruga trabalha com o problema do mal. Reexaminando a obra do filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (o mal como metafísica, moral e físico), Queiruga trabalha com o conceito de ponerologia – do grego ponerós, mal – na tentativa de tirar o foco de Deus e tratar do mal como mal mesmo, como algo em si mesmo e não dedutivo de algo ou causado por Deus. Tarefa difícil.

Colocar o problema em Deus, alegando sua onipotência em contraste com sua bondade, trabalho que a teodicéia intentou, não é mais possível em um mundo secularizado. A proposta é tratar o tema como um fim em si mesmo, sem conotações religiosas, pois afinal de contas o mal é um problema de todos e não apenas religioso. Ele nos afeta desde o nascimento, como dor física, opressão social, tragédias, guerras, catástrofes e desgraças. Portanto, Deus é absolvido disso. O interesse é buscar outros pressupostos para teorizar o assunto.

Para Torres Queiruga, o mal encontra sua origem não numa realidade exterior ao mundo, mas na limitação e na finitude do mundo. Devido a sua limitação, o mundo se apresenta como condição de possibilidade que torna inevitável a existência do mal. A finitude implica em imperfeição, e o que sofre de imperfeição é passível do mal, pois esta em processo de construção. O mundo é em si bom, mas como não é perfeito e acabado, acaba sendo afetado pelo mal. O mal aparece então como uma realidade inevitável. Se existe mundo, a presença do mal é possível, pois em qualquer realidade finita e limitada o mal é uma possibilidade. Somente no ser que é Infinito e sem limitação, no caso Deus, é pensável a total ausência de mal.

Em pormenores, Deus esta conosco contra o mal. Essa verdade é revelada em Jesus de Nazaré, que passou pelas consequências do mal na cruz. Em Jesus Deus nos ajuda a suportar, superar o peso inevitável da existência. Em Jesus Deus esta do nosso lado, sofrendo conosco. Por ser amor infinito, se compadece, não abandona, mas coloca-se ao lado do humano dando esperança e alento em meio à dor. Em Jesus, Deus se coloca ao nosso lado contra o mal, sofre o mal e vence o mal. Daí que em Jesus Deus de forma alguma pode ser considerado “impotente” ou “apático” diante da realidade do mal. Pelo contrário, Deus está absolutamente conosco contra o mal.

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