13.4.12

UNIDADE E NÃO UNIFORMIDADE

Mais uma vez a Convenção Batista do Estado de São Paulo (CBESP) promove um dia, 15/04, para Celebrar a Unidade Batista no Estado. A meu ver é uma ótima iniciativa a campanha dado o fato de que os Batistas, por conta do seu sistema de governo, são independentes e faz bem se sentir parte de um todo, mesmo que seja por uma noite de domingo.

Considero importante esse momento – relembrar a história e reafirmar os Princípios – pela oportunidade de lembrar de que os Batistas não surgiram na história do Cristianismo no século passado, nossa história é datada desde 1609, portanto são mais de 400 anos de história. A oportunidade é salutar devido ao número imenso de pessoas que são membros de Igrejas Batistas que desconsideram a origem, os princípios e as bandeiras distintivas dos Batistas ao longo dos anos.

Mas por outro lado é bom ressaltarmos alguns pontos que em tempos são esquecidos ou, na melhor das hipóteses, não são lembrados. Considero alguns aqui.

Uma das características dos Batistas foi à luta por liberdade religiosa e de opinião (Thomas Helwys). Os Batistas nasceram dentro do sistema filosófico inglês – o liberalismo – e um de seus expoentes mais proeminentes foi John Locke. O clamor por liberdade foi um marco na história do Cristianismo inglês que lutou, até a morte, principalmente Helwys, para ter a liberdade de cultuar e vivenciar a religião da melhor maneira possível sem a tutela do Estado (rei). Os Batistas não nascem a partir de uma revelação miraculosa de alguém dotado de algum dom sobrenatural. Surgem a partir de questões políticas e teológicas. Portanto os Batistas, num primeiro momento, não têm tendência ao fundamentalismo e nem mesmo reivindica serem paladinos de um discurso “verdadeiro”. Pelo contrário, o movimento das igrejas livres na Inglaterra procurou o caminho do ecumenismo (Zaqueu Moreira de Oliveira, Liberdade e exclusivismo – ensaios sobre os batistas ingleses) sendo Guilherme Dell um dos percussores do movimento ecumênico inglês.

Acredito que seríamos diferentes – nós, os Batistas brasileiros – se ao invés dos norte-americanos, nossos missionários fossem os ingleses. Indubitavelmente seríamos mais integrados à cultura brasileira e abertos ao diálogo com o diferente.

Mas mesmo assim, não sendo os ingleses e sim os norte-americanos, é no mínimo incompatível com o espírito Batista ver pessoas ou instituições advogando para si o domínio do discurso eclesiástico ou teológico. É extremamente deprimente ver uma instituição teológica negar aos seus alunos a diversidade de pensamento, de opinião ou ponto de vista divergente sobre questões teológicas por exemplo. Os Batistas – para citar Torbert – são “livres para divergir”. Não há uma ortodoxia Batista. A opinião de alguém sempre será de um indivíduo e não de um grupo, nunca representando a coletividade.

A liberdade é uma bandeira distintiva dos Batistas ao longo da sua história. A unidade, por meio da cooperação, é uma característica. Mas a uniformidade de pensamento, eclesiologia e teologia são inadmissíveis. Unidade não quer dizer uniformidade. Essa é a graça de ser Batista.

6.4.12

ENTRE O ALTAR E A MESA – DUAS COMPREENSÕES SOBRE A PÁSCOA NO EVANGELHO DE LUCAS 22,1-30

No evangelho de Lucas há uma diversidade de códigos de leitura incrível. A criatividade da comunidade/autor em dar dinamicidade à narrativa é de encher os olhos.
Quero me ater a uma, das diversas leituras de Lucas, a mesa.

A mesa/comunhão é um dos temas centrais no evangelho de Lucas. Temos a mesa de Levi (o cobrador de impostos); a mesa do fariseu e a mulher pecadora; a mesa de Marta e Maria e tantas outras.

Mas uma da mesa principal em Lucas é a mesa da Páscoa, da última ceia. Mas ele faz um paralelo interessante entre a Páscoa da mesa (dos discípulos) e a Páscoa do templo (dos sacerdotes). Ambos têm algo em comum, a Páscoa – a celebração do povo de Israel por conta da saída do Egito – mas têm também compreensões diferentes.

A páscoa do templo tem sacrifícios, tem comida em abundância. É sinônimo de alegria, de celebração. Há pessoas, a priori, consagradas por Deus para levar o povo à adoração e conduzir uma das festas mais importantes do povo de Israel, a Páscoa.

Em outro cenário está Jesus e seus discípulos para comer a Páscoa em uma casa ao redor de uma mesa. Lucas coloca uma diferença peculiar aqui. Há a Páscoa do altar (sacerdotes) e a Páscoa da mesa (discípulos).

A Páscoa do templo e a Páscoa da mesa há um contraste proposital colocado por Lucas – aliás, Lucas faz esse paralelo no capítulo 1º também quando faz uma ponte entre o sacerdote Zacarias que recebe a visitação do Senhor (anjo) no templo e duvida, e a moça camponesa (Maria) recebe a visitação do Senhor (anjo) num casebre e aceita a mensagem. Aqui no capítulo 22 Lucas coloca a Páscoa do templo (sacerdotes) com sua preocupação cerimonial, com sua pseudosantidade, com suas leis, seus sacrifícios. O templo é um lugar onde pessoas, os sacerdotes, estão a serviço de Deus e a favor do povo. Tudo isso é uma prerrogativa do templo, da instituição. Está dentro da legalidade; está dentro da concepção teológico de Israel. Portanto, o templo era o lugar, ou deveria ser, legítimo da celebração pascal.

Mas é no templo que ocorre a trama da traição em troca de dinheiro. Isso se dá porque o sistema religioso quando perde o seu propósito tenta eliminar qualquer ameaça a sua estrutura.

A religião institucional, geralmente, se preocupa em arrumar o altar, em preparar o sacrifício, mas também desconsidera a vida, o ser humano quando pretende defender o sistema religioso e é capaz de matar por isso.

Em outras palavras Lucas está dizendo: o templo não serve mais para celebrar a Páscoa. Por outro lado ele está dizendo: não é mais um templo, e sim uma casa; não é mais um altar e sim uma mesa; não é mais um sacrifício e sim um pão repartido; não são sacerdotes, mas sim irmãos.

Que tenhamos uma ótima celebração de Páscoa neste domingo em torno da mesa.

29.3.12

DEVANEIOS SOBRE POLÍTICA

Alguns detestam. Outros não querem nem mesmo ouvir falar. Outros ainda a ignoram completamente. Mas o fato é que ninguém vive sem ela, a política. É uma pena, mas muitos são analfabeto político, para citar o poeta alemão Bertolt Brecht (1898-1956) que dizia:

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, [...] nascem o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra e corrupto [...].

O mais interessante no texto de Brecht, é que ele escreveu isso há tanto tempo e essas linhas continuam sendo atuais, muito mais ainda por aqui, no Brasil.

Quem diria eh Aristóteles, como a sua semântica – política – mudou tanto ao longo dos anos. Se lá na Grécia política significava os “negócios da cidade” hoje, com muito pesar, ela significa, para uma grande maioria, os “negócios do bolso”. É lamentável.

Numa coisa Aristóteles tinha razão, “o homem é um animal político”. O filósofo grego dizia que a partir do momento que se vive na cidade (polis = cidade, portanto cidade não são os prédios, as ruas, mas sim as pessoas, daí a ideia de política, no entender grego, de cidadania) é um ser político, porque o homem tem uma ferramenta que o distingui dos outros animais, a linguagem. E é ela que organiza a nossa realidade e nos torna comunicáveis nas relações humanas. Daí a política ser um meio para promover o bem comum dos cidadãos.

Mas como seria bom viver em um país onde as pessoas votassem em seus candidatos pelas suas ideias, propostas, projetos e vida comprometida com a “coisa pública” – que é o real sentido da palavra república.

Como seria bom não poder ver nenhuma faixa no Posto de Saúde ou no Hospital recém-inaugurado ou reformado agradecendo ao Executivo as melhorias realizadas. Quando isso acontecer será um atestado de maturidade política dos cidadãos, pois aí eles já teriam aprendido de que eleição é apenas uma maneira de contratar um gestor público e o patrão, de fato e de direito, é o povo.

Como seria bom não ver ninguém apoiando ninguém em suas candidaturas. Agindo assim, os candidatos estariam dizendo a todos de que não querem induzir ninguém a votar em seu correligionário. E por outro lado as pessoas estariam exercendo a sua cidadania de forma mais concreta, sem intermediários no processo democrático.

Como seria bom não ver políticos profissionais como José Serra e tantos outros por aí que fazem uso de manobras marcadas dentro do seu partido para sair candidato a qualquer cargo do Executivo, seja ele presidente, governador ou prefeito. Seria bom o povo dar um basta nesses políticos que só aparecem em ano eleitoral. Pega na mão de tanta gente que nunca viu, mas nem mesmo irá se lembra do nome.

Como seria bom não ver os eleitores trocarem a democracia conquistada com vidas por sacos de cimento, tijolo e benesses. Seria bom ver os eleitores questionando seus candidatos quanto a melhorias em temas tão básicos como saúde, educação e bem comum, e não querendo obter alguma coisa em troca do seu voto.

Acho que isso não seria possível, por enquanto. Mas quem sabe um dia.

Por enquanto apenas devaneios mesmo sobre a arte da politica, como diriam os gregos.

Por ora a música Coração civil de Milton Nascimento e Fernando Brant serve de utopia – Quero nossa cidade sempre ensolarada; os meninos e o povo no poder, eu quero ver.

23.3.12

UMA PASTORAL PÚBLICA - O CASO DA CRISTOLÂNDIA DA JMN


Embora haja um intenso marketing em torno da Cristolândia – projeto social desenvolvido na área central de São Paulo conhecido como cracolândia pela Junta de Missões Nacionais em parceria com a Primeira Igreja Batista de São Paulo – por parte da Convenção Batista Brasileira, o fato é que o projeto da Missão Batista Cristolândia tem ajudado e abençoado muita gente na região central de São Paulo envolvidas com entorpecentes.

O motivo de escrever algo sobre este tema é que esta semana chegou a minhas mãos um exemplar da revista A Pátria para Cristo da Junta de Missões Nacionais de n.º 255. O que me deixou extremamente contente foi uma matéria na Cristolândia em que relata o procedimento da Missão Batista com a chegada da Polícia Militar no local a fim de “limpar” a área central dos usuários de drogas. Diversos deles foram para a Missão Batista Cristolândia a fim de encontrar ajuda. Além disso, a matéria traz a foto do Pe. Júlio Lancelotti (Pastoral da Rua – Arquidiocese de São Paulo) juntamente com uma defensora pública e a Missionária Elaine. Quero destacar aqui as palavras do Pe. Lancelotti em relação ao que ele viu na Cristolândia: “quero poder ser digno de usar uma camisa amarela da Cristolândia, pois lá vi pessoas sendo amadas, sentadas nas mesas e tomando as refeições dignamente”. Não apenas o Pe. Lancelotti apoia o projeto Cristolândia, mas também o Pe. Mauro.

Por que destaquei isso?

Vejo dois fatos importantes aí.

A primeira é não apenas mostrar, até porque os Batistas não têm e nunca tiveram o desejo de aparecer na mídia, assim como outras denominações do protestantismo histórico, que o Cristianismo não é dinheiro, não é corrente dos 318, não é campanhas financeiras, não é apóstolos comprando fazendas milionárias. O Cristianismo é a ação da igreja no mundo a partir dos valores do Reino de Deus. Cristianismo não se resume a um punhado de pessoas que aglomeram os templos em busca de “bênçãos” ou “unções” para a sua vida profissional ou física. Neste sentido a Missão Batista Cristolândia chamou a atenção da mídia não pela sua arrecadação milionária ou aquisição de propriedades gigantescas, mas por estarem realizando um trabalho em um lugar onde de fato há pessoas que precisam!

O segundo fato é que a Junta de Missões Nacionais, na pessoa do seu Executivo, Pr. Fernando Brandão, está direcionando o foco de Missões não mais baseado no meramente “evangelismo”. Embora essa palavra não faça parte do nosso vocabulário Batista, a Junta de Missões Nacionais e a Missão Batista Cristolândia, estão fazendo um trabalho que chamo de pastoral pública.

Pastoral pública é o agir da igreja na sociedade quando esta toma conhecimento de sua condição pública de promotora da fé, de viabilizadora da graça e continuadora dos valores do Reino de Deus.

Quando se olha as pessoas através do pastoreio, assim como Jesus em Marcos 6,34, uma foto com o Pe. Júlio Lancelotti não é problema algum. Numa pastoral pública as confissões de fé não são impedimentos para uma ação conjunta. Na pastoral pública o fundamentalismo deixa de existir porque o interesse não mais reside no doutrinário ou dogmático, mas no ser humano que é alvo da graça de Deus.

Com reconhecimento.

15.3.12

AS CONSEQUÊNCIAS DO “TOMA LÁ DÁ CÁ” DA POLÍTICA BRASILEIRA

Deu nos jornais. A bancada do PR passa a fazer oposição ao governo Dilma Rousseff. Para os desinteressados em política pode parecer apenas mais “bobagem” dos intermináveis fatos e boatos que movimentam o cenário da política brasileira. Mas não é! Esse fato revela algo que acontece em Brasília – o centro do poder – e em todo o lugar onde a política é manobra de poder e status, ou seja, isso só não ocorre em “lugar-nenhum”.

O que mais chamou a minha atenção é que o líder do PR (Partido Republicano) foi o líder do partido, a vossa excelência o senador Blairo Maggi (PR-MT), anunciar para todos que quisessem ouvir de que a bancada do seu partido estava passando para a oposição do governo Dilma. Logo pensamos se o senhor Maggi parasse a entrevista, está se tornando oposição porque não comunga das mesmas ideias; está se tornando oposição porque a bandeira ideológica de construção do país não é a mesma do partido e da presidente; decidiu virar oposição porque o partido não quer ser arrolado dentro de uma base governista por conta dos inúmeros casos de corrupção dos ministérios, inclusive com um membro do seu partido e ministro dos transportes, o senhor Alfredo Nascimento. Poderia ser qualquer coisa; qualquer desculpa; qualquer justificativa. Mas essa do senhor Maggi foi no mínimo descente:

O estopim para que o partido fosse para a oposição foi o fim das negociações com o governo sobre o comando do Ministério dos Transportes. Maggi disse que essa era a única pasta que interessava ao partido e que o governo “fechou as portas” quando decidiu que não entregaria o ministério novamente ao PR.

O PR, que ironicamente se chama Partido da República – é bom lembrar que República significa “coisa pública” – faz aquilo que todos os outros partidos, entre eles o PMDB – o partido mais promíscuo e interesseiro da política das últimas décadas – faz, ou seja, chantagem a fim de ter concessões; exigência para se aprovar matérias importantes para o Governo; negociação com emendas parlamentares e outras coisas que o grande público não fica sabendo por que tem uma mídia que, em alguns casos, não trabalha de forma imparcial. A diferença do PR para os outros partidos que compõem a chamada Base Governista é que o PR faz as coisas a “céu aberto”, enquanto os outros fazem no escurinho. Todos sabem o que acontece, mas ninguém que dizer como isso se dá nos bastidores.

Moral da história: não se é oposição por questões políticas ou bandeireiras partidárias. É como trocar de roupa, a que não agradou simplesmente se muda. Nesse caso se há um tema de suma importância para o país os nobres senadores do PR e outros não votariam com o Governo porque o Ministério dos Transportes não está no seu controle.
Essa é mais uma demonstração de que não se faz política pensando na “coisa pública” mesmo. Não é a República que interessa. Na real mesmo o que interessa são os acordos que favorecem interesses corporativos e partidários.

Alguém avise, por favor, ao senhor Maggi que aprendemos a lição em se tratando de política continua o velho “toma lá dá cá” de sempre.

Com indignação! É só isso que me resta.

8.3.12

CAMINHOS PARA UMA ECLESIOLOGIA PÚBLICA

O debate da relevância na Associação das Igrejas Batistas do Vale do Ribeira

O tema que a Associação das Igrejas Batistas do Brasil (AIBAVAR) escolheu para a reflexão deste ano é ao mesmo tempo desafiador e importantíssimo para a nossa realidade.

Tive o privilégio de iniciar este tema na Segunda Igreja Batista em Jacupiranga (11/02/2012) por ocasião do seu aniversário. Por estar naquela comunidade – conhecida pela sua maturidade e importância para a comunidade batista da região –, pontuei algumas coisas que entendo ser imprescindível se de fato houver interesse em ser relevante neste tempo.

O tema – Igrejas relevantes neste tempo – é abrangente e ao mesmo tempo carrega uma série de dificuldades. Primeiro é preciso pensar o que seja a igreja, a sua relevância para este tempo, ou seja, em que ela se sobressai em importância dentre outros segmentos sociais; depois é preciso fazer uma leitura deste tempo, saber ler os sinais deste tempo e a cultura pós-moderna que sempre está em processo de mudanças.

Além disso, o protestantismo de um modo geral e os Batistas em particular, tem as suas dificuldades de se inserir na cultura, de dialogar com o diferente. Ainda reina em nosso meio uma mentalidade igrejeira de gueto mesmo, onde o dualismo santo (templo) e profano (sociedade) funciona como uma barreira para entender essa cultura e sociedade. Esses são os desafios.

A questão é de que precisamos beliscar a própria carne para ser relevantes, ou seja, é preciso pontuar algumas coisas essenciais em nosso contexto e procurar mudanças que nos dê a perspectiva de sermos relevantes. Diferente do apóstolo Paulo (1Co 9.19-23) que soube lidar muito bem com a cultura judaica e helênica, com os postulados do judaísmo, mas também com a cosmovisão grega, padecemos de alguns paradigmas que fomentem esse diálogo, igreja e sociedade.

O primeiro ponto que podemos considerar axial nesse debate é a questão do Reino de Deus ou a Denominação.  Faço esse jogo dialético porque sobra em nosso ambiente eclesial uma preocupação além da conta com a Denominação. Aprendemos que a denominação, e não o cristianismo, é que deve crescer e avançar. Aprendemos a usar palavras de guerra para dizer que a denominação precisa avançar sobre o “território inimigo”, mesmo se há outras representações de igrejas no lugar aonde se quer chegar. Fomos ensinados que abrir templo é sinônimo de crescimento do Reino de Deus, como se o Reino de Deus fosse algo físico, onde as pessoas pudessem tocar em suas paredes (Lc 17.20-21). O denominacionalismo suplantou o Reino de Deus. Isso é claro no Brasil que segundo Paul Freston não existe uma Igreja Evangélica Brasileira, mas sim diversas denominações disputando espaço.

A igreja é chamada para sinalizar o Reino de Deus. Isso só é possível quando a igreja se convence da sua missão, que é ser continuadora do Reino de Deus inaugurado por Jesus.

Uma segunda perspectiva que precisa passar por um doloroso processo de revisão são as estruturas. Somos fascinados por estruturas. Na faculdade ou seminário aprendemos como funciona uma igreja a partir de um organograma, um modelo de ser igreja baseado em funções e cargos. Há igrejas que priorizam suas construções em detrimento do ministério pastoral. Parece que temos um espírito salomônico, quanto maior mais a aparência de que está dando certo!

As estruturas corroem os recursos financeiros; pessoas disputam poder nas estruturas; se gasta mais tempo com estruturas do que com pessoas. O Novo Testamento prioriza gente. Igreja é estar junto; ser comunhão. A valorização deve ser por um ambiente fraterno; de acolhimento; de reconciliação; um lugar onde Deus pode ser contemplado na face do irmão.

Na comunidade – e não nas estruturas –, os valores são outros: a solidariedade perde para a poupança e o compartilhar ganha de goleada do acumular. Não são as estruturas que fazem a igreja, mas os irmãos; não são as funções que fazem a igreja, mas os dons espirituais. Isso é algo que precisa ser revisado urgentemente!

No nosso tempo fala-se muito em espiritualidade. Já existem aqueles que nutrem a sua espiritualidade sem qualquer vínculo com a igreja, no seu sentido institucional. Temos uma resistência com a experiência da espiritualidade. Fomos ensinados a nos concentrarmos na ritualização e isso é sinônimo de santidade.

Rick Warren comenta: “igrejas dirigidas por tradição querem perpetuar o passado. Mudanças são quase sempre vistas de forma negativa e quando não há mudança é porque as coisas estão estabilizadas”.

Lendo O Jornal Batista, um irmão colocava que a igreja perdeu a sua espiritualidade ou santidade. Para ele isso ocorreu porque permitiu entrar a “banda” na igreja! Será que temos tempo para discussões deste nível ainda?

A igreja ritualista tem sérias dificuldades em desenvolver um ministério de espiritualidade social. Para entender essa ideia, conto a estória do galo que fazia o sol nascer: “o galo dizia que ia cantar para o sol nascer, e todas as manhãs ele cantava e o sol nascia. Todos acreditavam nele, pois foi assim com o galo-pai e o galo-avó. Todos tratavam o galo com o maior cuidado e muitos mimos. Ele abusava disso e ameaçava os outros bichos para ser bem tratado. Certa madrugada o galo perdeu a hora e o sol nasceu sem o seu canto – todos os bichos falaram ao mesmo tempo, o sol nasceu sem o galo! O próprio galo não conseguia acreditar como isso era possível. Ele ficou deprimido e todos os bichos ficaram felizes, pois o sol nascia com ou sem o canto do galo”.

O surgimento de uma igreja que seja pública, ou seja, que olhe para a cidade com graça e ternura, precisa fazer um caminho de introspeção – analisar o que impede de se comunicar adequadamente com a cultura que tem como característica a mutação. Esse processo é moroso e doloroso, mas extremamente necessário. Isto é se estivermos dispostos a ser igreja relevante para este tempo.

18.2.12

ORGULHO DE (NÃO) SER EVANGÉLICO

Em solidariedade a Ricardo Gondim

Eis um universo em que mídia e religião se dão as mãos. Este é o universo dos galácticos do mundo neopentecostal. O interesse na massa e fé como instrumento de barganha com Deus; o culto a personalidade; as conquistas financeiras como sinais da “bênção de Deus”. É por esses e outros motivos que não me considero “evangélico” há muito tempo. Já escrevi neste blog alguns devaneios neste sentido, o mais significativo foi “por que não sou mais evangélico”.

Nesta postagem quero ser solidário ao pastor que foi Católico Romano, presbiteriano de dormir com as Institutas de Calvino e se orgulhar disso, que foi para a Assembleia de Deus e vivenciou o farisaísmo de uma denominação que postula a “posse” do Espírito Santo que deixou de ser assembleiano e organizou a Betesda, agora afirma que está deixando o que ele chama de “Movimento Evangélico”.

Outrora Gondim escreveu em 2000, pela Editora Ultimato, Viçosa/MG, “Orgulho de ser evangélico”, se fosse possível hoje ele mudaria o título daquele livro. Hoje ele tem orgulho de não ser evangélico.

Em seu texto que se despede do “Movimento Evangélico” intitulado Tempo de partir (disponível em: < http://www.ricardogondim.com.br/estudos/tempo-de-partir/>), o pastor pentecostal faz algumas assertivas que merecem ser pontuadas aqui. Ele diz:

 - Vejo-me incapaz de tolerar que o evangelho se transforme em negócio e o nome de Deus vire marca que vende bem. Não posso aceitar, passivamente, que tentem converter os cristãos em consumidores e a igreja, em balcão de serviços religiosos. Entendo que o movimento evangélico nacional se apequenou. Não consegue vencer a tentação de lucrar como empresa. Recuso-me a continuar esmurrando as pontas de facas de uma religião que se molda à Babilônia.

Não desejo me sentir parte de uma igreja que perde credibilidade por priorizar a mensagem que promete prosperidade. Como conviver com uma religião que busca especializar-se na mecânica das “preces poderosas”? O que dizer de homens e mulheres que ensinam a virtude como degrau para o sucesso? Não suporto conviver em ambientes onde se geram culpa e paranoia como pretexto de ajudar as pessoas a reconhecerem a necessidade de Deus.

Posso ainda não saber para onde vou, mas estou certo dos caminhos por onde não devo seguir -

Gondim está certo. Não dá mais para se identificar como “evangélico” nesse país. Está muito deturpado esse conceito. Ele não tem nada haver com o conceito que surgiu na Reforma Protestante. Portanto, acho imprescindível fazer uma ruptura com esse evangelho mercadológico que tanto tem desvirtuado os valores do Reino de Deus.