1.8.20

EVANGÉLICOS: VISIBILIDADE, PODER POLÍTICO E INTOLERÂNCIA

Uma reação ao texto da jornalista Madeleine Lacsko

A jornalista Madeleine Lacsko é colunista do jornal Gazeta do Povo (jornal que pretende ser a voz da direita pensante no Brasil com seus colunistas identificados com o conservadorismo). No dia 29 de Julho, a jornalista conhecida por seu trabalho em diferentes empresas de comunicação como a Jovem Pan, por exemplo, publicou um texto com o seguinte título: “Cristãos brasileiros não querem mais invisibilidade nem levar desaforo para casa” (ler o texto). O seu texto está permeado por uma reivindicação, qual seja, de que “a patrulha progressista vai ter de calçar as sandálias da humildade e tratar evangélicos como seres humanos”. A partir disso, Lacsko coloca o que considera uma violação dos Direitos Humanos (tema frequente entre os progressistas que se identificam com a esquerda) quando afirma que a discriminação e o preconceito para com os evangélicos configura, também, violação grave dos Direitos Humanos quando esse segmento numeroso da sociedade brasileira passa por situações vexatórias por serem evangélicos. O ambiente escolhido pela jornalista para balizar essa denúncia é o acadêmico.

Segundo Lacsko, em poucos lugares do ambiente acadêmico no Brasil o evangélico é respeitado como tal como na “Labô da PUC-SP” – grupo de pesquisa liderado pelo filósofo Luiz Felipe Pondé que reúne estudantes identificados com o espectro político à direita, e se propõe a divulgar o conservadorismo no seu aspecto político-filosófico. Fora desse espaço, segundo a jornalista, não é possível ver um ambiente de respeito e aceitação dos evangélicos na academia. A USP, segundo ela, é um dos ambientes mais hostis para os evangélicos: “Já experimentou entrar num Centro Acadêmico da USP ou mesmo num encontro de ativistas de Direitos Humanos e dizer que é crente? Boa sorte”. Nesse sentido, os evangélicos quando estudantes são taxados de retrógados, imbecis e alvos de todo o tipo de deboche no contexto acadêmico.

(Caso o leitor/a tenha chegado até aqui, é importante que tenha lido o texto da jornalista, do contrário a reação a seguir não terá o seu devido contexto).

Como evangélica que é, Madeleine Lacsko sabe que o campo evangélico é complexo no Brasil. Os dados mostram que a quantidade de evangélicos no país pode ultrapassar os católicos daqui alguns anos. Com o crescimento, também cresce a demanda por entender esse segmento da sociedade brasileira que é plural, dinâmico e, até mesmo, confuso doutrinaria e liturgicamente para os desavisados quanto ao seu fracionamento. Sendo assim, qualquer texto generalista sobre os evangélicos não alcança o seu alvo estabelecido pelo autor/a. Quando Lacsko diz que os evangélicos precisam “calar sobre sua religiosidade se quiser ter chances de ser levad[o] a sério na universidade e na profissão”, a pergunta que se faz é: quais evangélicos? Seria os evangélicos da periferia da cidade de São Paulo que enfrenta ônibus lotado para trabalhar todos os dias e nem mesmo tem acesso a uma educação de qualidade que favoreça uma possível classificação no vestibular da FUVEST? Ou seria os evangélicos que frequentam uma igreja de bairro de classe média alta e que a maioria dos membros é funcionário público, empresários e alguns CEOs de empresas importantes no país? Ou ainda os evangélicos de igrejas históricas em que os filhos cresceram estudando em um bom colégio confessional recebendo o devido preparo para entrar em uma boa universidade ou até mesmo ingressar em um curso na universidade vinculada à igreja? Quais evangélicos? O que tem acesso a universidade e sai para curtir balada gospel com os amigos ou o evangélico que enfrenta a desigualdade social na periferia? Além disso, sabemos por pesquisa recente que uma parcela de jovens evangélicos que entram em uma universidade abandona suas igrejas, porque não conseguem conciliar o ensino acadêmico com a orientação doutrinária da comunidade de fé. Esse dado não foi considerado pela jornalista.

O universo evangélico não pode ser classificado por um nicho e dele concluir que há um padrão de tratamento quando duas das melhores universidade do país são de confissão evangélica, Mackenzie e UMESP (sem mencionar as PUCs). Assim, não é possível tornar uma experiência pontual e colocar como se fosse um comportamento corriqueiro. Até porque, a face evangélica que a maioria das pessoas veem são a dos televisivos e midiáticos, os tais “televangelistas” que contribuíram para fomentar a opinião da maioria das pessoas de que todo pastor é ladrão e de que todo crente é um trouxa por cair nos golpes dos estelionatários da fé. No mais, um professor universitário bem informado sabe distinguir os evangélicos em seus fracionamentos.

Outro ponto no texto de Lacsko é a passagem da vitimização para a intimidação. A vitimização se dá na universidade, segundo a jornalista, e a intimidação (não levar desaforo para casa) se dá com a tomada do poder por um número considerável de evangélicos quando integrados à política nacional. Para Lacsko, os cristãos (leia-se evangélicos em todo o texto) podem agora reivindicar maior respeito porque chegaram ao poder pela via da direita. Assim, segundo a jornalista, “há muitos evangélicos na direita porque esta vertente política foi a que primeiro considerou a hipótese de evangélicos também serem humanos e abriu espaço para uma pauta de costumes em comum”. É bom lembrar que antes de 1964 havia uma disputa político-filosófica entre os evangélicos (esquerda e direita) de forma mais civilizada. Isso mudou e muito depois de 1964 e uma ala dos evangélicos passaram a se identificar com a direita porque esta, a direita dos generais, comungava dos mesmos ideias: Deus, família e pátria. Essa ala dos evangélicos se viram no espelho da política e se reconheceram alinhados com a direita que tomou o poder em 1964. As pautas morais e o combate ao comunismo (contexto de Guerra Fria) sob a influência dos evangélicos norte-americanos, funcionou como discurso retórico para perseguir irmãos, colocá-los no exílio e invocar as bênçãos de Deus sobre um regime autoritário que torturou e fez desaparecer dezenas de pessoas. Não, definitivamente a direita não “foi a primeira que considerou a hipótese de evangélicos também serem humanos”. Madeleine Lacsko talvez não saiba que os evangélicos tidos como “progressistas” foram os primeiros a elaborar uma teologia que enxergou o sofrimento humano causado pela ausência de políticas públicas. Sim, foram os evangélicos da Confederação Evangélica do Brasil, por exemplo, que apontou e denunciou a desigualdade social e as dificuldades para que seres humanos tivessem uma vida digna.

Agora os evangélicos estão no poder. No atual governo há seis ministros evangélicos, alguns deles em postos chaves como da Justiça e Educação. Conforme Lacsko, “com o crescimento da população evangélica e a chegada de vários evangélicos a postos de poder, os cristãos já têm força para dizer que estão cansados de ouvir deboche e serem tratados como piada”. Como os evangélicos já desvirtuaram e muito a mensagem do evangelho, é possível fazer o que a jornalista propõe: exercer a força política para se afirmar como grupo hegemônico e assim não levar mais desaforo para casa. A bancada evangélica já está fazendo isso. Não apenas transformaram uma sala da Câmara dos Deputados em templo e sessões em culto, como também procura a todo o custo se beneficiar do poder para continuar fazendo lobby tendo a “massa cristã” como potencial “beneficiária”, praticando, deste modo, uma política fisiológica nos corredores do poder.

Assim como os progressistas precisam calçar as sandálias da humildade e reconhecer que não entendem muito bem o complexo universo evangélico, os conservadores também. Julgar que todos os evangélicos são conservadores e de direita é um equívoco. Como diria Ronaldo de Almeida, “nem todos os conservadores são evangélicos; nem todos os evangélicos são conservadores”.

Madeleine Lacsko, com o seu texto, contribuiu para o debate.

Alonso Gonçalves & Martin Barcala

2 comentários:

Unknown disse...

Parabéns aos autores da réplica, Alonso Gonçalves e Martim Barcala. Os evangélicos dos quais a autora fala, ou são uma abstração, ou uma generalização de experiências específicas. No mais, vocês mostram que é possível divergir com argumentos e civilidade, o que faz tanta falta em nossa esfera pública.

jotaolher disse...

Parabéns...