12.5.18

AS OVELHAS PRETAS DA IGREJA

Não é novidade que quando há uma crise sistêmica, como essa que o país atravessa, setores conservadores da “Igreja Evangélica Brasileira” (na falta de um nome melhor para caracterizar um segmento do cristianismo não católico no Brasil, que funciona como um catalizador de diferentes posturas e idiossincrasias possíveis), ressuscitam alguns “inimigos” para legitimar o discurso político e a luta doutrinária. Não está sendo diferente da época pós-1964, quando as igrejas, notadamente as tradicionais, se alinharam com o regime civil-militar, mesmo quando viu a Igreja Católica pagar por seu “pecado” de ter apoiado, num primeiro momento, a deposição do governo de João Goulart e, depois, enfrentou sérios problemas com o regime, tornando-se vítima do aparelho repressivo do Estado de exceção que contava, sabidamente, com prisões, torturas e assassinatos.

Parece que o “inimigo” que setores conservadores da “Igreja Brasileira” elegeu para combater não é outro, somente no filme “Tropa de Elite 2” que o “inimigo era outro”. O “velho e conhecido inimigo” é o “comunismo”, dizem alguns. Outros falam no “socialismo”. Há quem diga “esquerdopatas”, uma mistura de esquerda política com psicopatia, qualificação usada por Silas Malafaia. Recentemente o pastor e deputado federal Marco Feliciano, não conseguiu chocar a todos quando contou uma “piada” quando perguntado sobre a morte da vereadora Marielle e do motorista Anderson em um programa de rádio. Disse: “O cérebro do esquerdista é do tamanho de uma ervilha. Há pouco tempo fiquei sabendo que deram um tiro num esquerdista no Rio de Janeiro e levou uma semana para morrer porque a bala não achava o cérebro”.

A polarização política no país vem somando imbecilidades, ao ponto que os conceitos “comunismo” ou “socialismo” são empregados nas Redes Sociais indiscriminadamente, desconsiderando as devidas conexões ou desconexões com os termos. Quem nunca ouvira falar de Karl Marx passou a odiá-lo, mesmo sem ter lido uma linha sequer das suas ideias. Assim, o “inimigo” a ser combatido no país é a “esquerda”, com o seu “satânico” intento de implantar medidas libertinas e fazer com que o país se transforme em uma “Cuba” ou em uma “Venezuela” economicamente. Essa é a narrativa, sem as devidas desproporções e limites, obviamente.

A narrativa do Golpe de 2016 se deu, para esse universo político-religioso, a partir do “combate ao comunismo”, assumindo o slogan de grupos de identificação política de “direita” na frase imperiosa: “Nossa bandeira nunca será vermelha”. Somou-se esforços para retirar do poder central do país o Partido dos Trabalhadores, acionando os parlamentares da conhecida “Bancada Evangélica”, também conhecida como a “bancada BBB” (da Bíblia, da bala e do boi), fazendo coro com o então “homem de Deus”, o pseudo-evangélico Eduardo Cunha. Quando o PT sai do governo, de maneira vexatória, o segmento evangélico conversador seguiu ignorando os inúmeros casos de corrupção explícita do atual governo, o embusteiro Michel Temer. Antes considerado “satanista”, Temer passou a ser uma espécie de “Ciro”, o rei da Pérsia que permitiu o povo de Israel voltar à Jerusalém. Se antes a corrupção sistêmica era causada e criada pelo PT, agora é preciso colocar nas mãos de Deus o próximo Presidente, que parecem que já “elegeram” (#SQN) um dos maiores engodos da democracia brasileira, o senhor Jair “Messias” Bolsonaro.

Para esses setores conservadores da “Igreja Brasileira”, a “esquerda” precisa ser combatida e isso se dá com um discurso doutrinário efusivo, ou seja, em grandes eventos, grandes igrejas, seminários, blogs, livros e Redes Sociais. Fazem um bom trabalho de articulação e marketing. O “inimigo” a ser encarado são os representantes da então “Missão Integral”, como se essa abrigasse os pastores e teólogos da “esquerda” (algo inverossímil). Mas o foco mesmo se dá em torno de nomes como Ariovaldo Ramos e Ricardo Gondim, por exemplo. As referências a esses dois é feita de modo velado em algumas ocasiões, mas em outras se dá de maneira aberta e audível. Esse setor alega que a Teologia da Missão Integral (TMI) é uma ramificação do marxismo cultural e, portanto, precisa ser extirpado da igreja, essas ovelhas pretas, quer dizer, vermelhas. Com isso, o discurso político vem alinhado ao discurso doutrinário, de tendência agostiniana-calvinista.

Para legitimar a pregação do evangelho sem, necessariamente, o comprometimento social (tensão que perdura no movimento evangelical), os pregadores e expoentes do setor conservador alegam estar de posse da “verdade” bíblica. A fim de ilustrar, recordo que uma vez estava ouvindo Jonas Madureira, um dos principais proponentes do conservadorismo evangélico, e ele dizia que a “igreja não deveria estar sendo guiada por uma agenda social, mas sim pela agenda de Deus”. Ao final da sua fala, abriu-se para perguntas. Indaguei: “Qual a agenda de Deus hoje?”. A sua resposta foi muito interessante: “A agenda de Deus é a palavra (Bíblia)”. E completou: “Na época que o ex-Presidente Lula foi indiciado pela ‘Lava-Jato’, no domingo preguei um sermão bíblico que veio de maneira certeira no atual momento que o país estava passando”. Uma pena não ter tido o direito da réplica. Nesse caso, a agenda de Deus funcionou assim: o pregador (Jonas) fez uso de um texto bíblico que, por coincidência divina (porque se tratava de uma série de mensagens), calhou com o indiciamento do ex-Presidente e, desta forma, o texto bíblico foi lido com as lentes da ocasião, ou melhor, serviu para dizer que os fatos estavam sendo, de alguma maneira, conduzidos por Deus. Não deixa de ser uma agenda. 

Ocorre que para legitimar o discurso doutrinário, é preciso combater o “inimigo”. O “inimigo” são pessoas e igrejas que professam um discurso aberto e integrador, com uma incidência político-social, identificados, porém, com uma perspectiva política à “esquerda” (com todas as dificuldades que esse termo acarreta e suas consequências políticas em discussão até hoje). Por isso, frases como “Não encontramos Deus na face do pobre, encontramos Deus na face de Cristo”, de Igor Miguel, por exemplo, são frequentes. É uma maneira de dizer que essa leitura dos evangelhos está equivocada (Deus na face do pobre), quando o correto mesmo é olhar para o Cristo, apenas ele, porque ele é a face de Deus (revelação). Isso é bom! Mas o Cristo que revela o Pai seria aquele de Mateus 25,34-40?

Nenhum comentário: