7.10.17

REFORMA 500 ANOS: SOLA GRATIA

Antes de ser também uma questão teológica, a Sola Gratia está, intrinsecamente, ligada a um contexto conturbado na Europa nos anos que antecederam a Reforma. Para Jean Delumeau, havia uma angústia coletiva para uma gente que enfrentara numerosas crises, dentre elas A Guerra dos Cem Anos e a Peste Negra. Delumeau indica que a opção pela Reforma foi, também, uma maneira de encontrar resposta para a insegurança que assolava o velho continente.[1]

A Igreja de então, por sua vez, fornecia essa segurança por meio dos sacramentos. Assim, uma vez administrada pela Igreja, a graça se dava pela mediação da hierarquia e dos sacramentos. O sistema funcionava tendo a Igreja como indicadora de um caminho seguro, oferecendo um status confiante quando na administração dos sacramentos constituídos como meios da graça. De certa forma, a Igreja detinha o controle, principalmente quando um sacerdote administrava os sacramentos.[2]

É nesse contexto que Lutero surge com a Sola Gratia. Lutero percebeu que o sistema não cumpria o que prometia, a segurança da salvação. É aqui que ele descobre um outro caminho quando ler as Escrituras (Romanos). Não entraremos em detalhes quanto a essa descoberta, uma vez que a vida do monge agostiniano está muito bem documentada, onde é possível perceber o quanto a culpa o consumia diante da grandeza de Deus em contraste com a sua vida, entregue a miserabilidade da existência. Daí também a sua antropologia pessimista.

Quando Lutero se deparou com a graça, percebeu de que Deus nos oferece gratuitamente tudo de que não somos capazes: não somos apenas perdoados, mas estamos justificados diante dele. Estava aí o início de uma extraordinária experiência com Deus, qual seja, a de que Deus, em amor e graça, liberta dos jugos que promovem a culpa e a insegurança. Agora, para Lutero e outros reformadores, Deus está presente por toda parte e, por graça, sustenta, promove, liberta, conduz. Esse é um canto de liberdade diante de um sistema que aprisionava por meio da consecução dos sacramentos.

A questão central na Sola Gratia, se dá na percepção de que Deus está no centro da existência humana, ativo em toda a história, sempre tomando a iniciativa para se aproximar dos seres humanos. A descoberta de Lutero abriu uma nova janela por onde um ar fresco e aconchegante entrou: a graça de Deus sustenta a vida, portanto, vivamos, porque ele, Deus, já cuidou de tudo, principalmente da eternidade!

A Sola Gratia está para além da letra; ela é integradora do ser. Não está atrelada a qualquer meio de aprisionamento, porque esse Deus de graça é livre e nos chama à liberdade! Por isso podemos cantar: Graça! Que maravilhosa graça! / É imensurável e sem fim / É maravilhosa, é tão grandiosa / é suficiente para mim.

Quando comemoramos 500 anos da Reforma Protestante, temos a oportunidade de iluminar, mais uma vez e quantas vezes for preciso, os pilares pelos quais podemos nos sustentar. A Sola Gratia é, indiscutivelmente, um desses pilares.

É inconcebível posturas demarcatórias, tanto de igrejas como de pessoas (líderes), da graça de Deus, ou seja, não é possível uma igreja que caminha a partir da tradição da Reforma determinar a ação de Deus, cerceando o seu agir; dizer quem Deus aceita e quem ele rejeita como se assim fosse possível dimensionar o pecado melhor do que o próprio Deus!

A graça está dada como uma marca indelével para a Igreja. Ela é celebrada na Reforma porque foi possível entender que, pela graça, Deus é Deus.


[1] DELUMEAU, Jean. Nascimento e afirmação da Reforma. São Paulo: Pioneira, 1989, p. 60.
[2] SHAULL, Richard. A Reforma protestante e a teologia da libertação. São Paulo: Pendão Real, 1993, p. 39-41.

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