8.7.16

ROGER HAIGHT E A ECLESIOLOGIA DE CIMA

A reflexão sobre a igreja sempre ocupou um espaço considerável na produção teológica. Diversos teólogos de diferentes concepções, conservadores ou progressistas, tem se dedicado ao tema em vários momentos da história da igreja. Roger Haight, que ficou conhecido pelo seu livro Jesus, símbolo de Deus (São Paulo: Paulinas, 2005) e por conta desse texto recebeu notificação por meio da Congregação da Doutrina da Fé, dedicou-se ao tema da igreja no livro A comunidade cristã na história (2012).

No universo católico o tema voltou com força principalmente depois da eleição do cardeal Jorge Mario Bergoglio, o primeiro papa latino-americano, que vêm assumindo, como papa Francisco, posições que causam, em alguns setores da igreja, entre os mais conservadores, por exemplo, desconforto. Por outro lado, o jesuíta está promovendo novos ares de libertação e projetando uma igreja que seja mais aberta aos grandes temas da contemporaneidade. Francisco tem procurado responder de maneira pastoral aos desafios eclesiais. O caminho, ao que tudo indica, está sendo difícil, mas necessário.

Com o objetivo de contribuir ao debate eclesiológico, trago alguns apontamentos a partir da eclesiologia de Roger Haight que procura fazer uma distinção espacial na eclesiologia que ele adjetiva como sendo de cima ou de baixo.

O método que Haight delineia é comparativo-dialético. De um lado o modelo de uma eclesiologia de cima do outro o modelo de uma eclesiologia de baixo. Aqui iremos ver suas percepções quanto a eclesiologia de cima.

Em uma eclesiologia pensada e constituída a partir de cima, o exclusivismo é tido como a única possibilidade de refletir a eclesiologia. Ao contrário do pluralismo, não há um reconhecimento, embora possa ter um entendimento quanto à natureza plural da eclesiologia, o discurso será exclusivista. Sendo o pluralismo uma importante chave hermenêutica e dialógica no atual cenário da teologia contemporânea, a eclesiologia de cima tende a ter uma “tradição particular que se sobrepõe às outras” (HAIGHT, 2012, p. 38). Essa postura procura invalidar as demais tradições quando uma comunidade de fé, dependente de sua trajetória histórica e de sua tradição teológica e hermenêutica, ou seja, a linguagem é sempre uma condição para formular o discurso seja ele exclusivista ou pluralista, cria-se uma imaginação de que há apenas uma única igreja universal e essa única igreja procura estender às demais a sua maneira de ser e pensar a fé cristã. Sendo assim, “a única igreja verdadeira, de modo que, ao descrever-se, ela descreve o modo como toda a igreja deve ser” (HAIGHT, 2012, p. 38). Indubitavelmente Haight está pensando na Igreja Católica quando descreve os elementos que compõem uma eclesiologia de cima, mas sua observação pode, facilmente, mas com algumas restrições devido ao sistema católico ser diferente em alguns aspectos às demais igrejas, no caso do protestantismo histórico, ser aplicado a uma determinada denominação cristã que sempre procura acentuar a sua condição de exclusividade e de igreja mais “verdadeira” que outras.

Outro aspecto de um modelo eclesiológico que parte de cima para baixo é a necessidade de estar em constante contato – ou rememorá-lo sempre – com o fundamento que legitima a autoridade. Como bem faz menção Haight, as escrituras é que dão a base e a autoridade da igreja, mas no caso da Igreja Católica, além da escritura, há também os concílios e o magistério que detém o mesmo grau de autoridade da escritura. No âmbito do protestantismo histórico há o símbolo da teologia sistemática e as declarações doutrinárias que exercem o mesmo papel do magistério católico. A linguagem de uma eclesiologia de cima é uma linguagem doutrinária, onde a tradição se solidificou no dogma e ele, então, detém o domínio na comunidade e delimita as fronteiras por onde ela deve caminhar na reflexão da fé. Uma vez que a autoridade da igreja é estendida a outros segmentos de controle eclesial, a comunidade de fé fica refém do seu próprio discurso, que se torna repressor, e passa a se comportar como uma “igreja que se insurge contra o mundo e a cultura humana; o mundo é conceituado como aquilo que está fora da igreja. Em contraste com o mundo em sua secularidade, a igreja define a esfera do sagrado” (HAIGHT, 2012, p. 39).

Assim como a Igreja Católica, alvo das reflexões de Haight quanto a uma eclesiologia de cima, tem suas dificuldades dialógicas com a sociedade (mundo) por conta da sua tradição doutrinária enrijecida pelo dogma, a realidade no protestantismo histórico não é muito diferente também.

No âmbito do protestantismo histórico as publicações doutrinárias conhecidas como teologia sistemática faz a função de normatizar a doutrina. Em ambientes teológicos confessionais, a teologia sistemática deixa de ser um recurso literário, ou seja, uma maneira de descrever e pensar a fé a partir de sistemas teológicos, e passa a ser, como publicação em si, um sistema de pensamento teológico-doutrinário que norteia a concepção de fé dos futuros pastores e pastoras.

Em uma eclesiologia de cima, a estrutura e organização da igreja é de cima para baixo, naturalmente. Tomando como exemplo a igreja romana medieval, Haight observa a estrutura hierárquica da igreja começando com Deus, Cristo, o Espírito, Pedro, o papa, o bispo, o sacerdote e último, dentro de um modelo piramidal, o leigo (HAIGHT, 2012, p. 42). Para Juan Antônio Estrada (2005, p. 228), essa estrutura como se apresenta é um equívoco quanto ao entendimento da atuação e ação do Espírito Santo. Para ele, o Espírito Santo age na base da igreja e não no cume hierárquico. A questão é que este modelo eclesiológico tende “a ver a sua estrutura de ministérios em correspondência com a vontade de Deus” (HAIGHT, 2012, p. 44), ou seja, não é uma forma de condicionamento da história, mas sim um mandato divino. Como bem salienta Haight, essa não é uma prerrogativa da Igreja Católica, “grosso modo, outras igrejas fazem a mesma coisa” (HAIGHT, 2012, p. 44). A necessidade da prerrogativa divina para a constituição da eclesiologia é uma prática atestada tanto na realidade católica quanto na realidade protestante. A principal característica de uma eclesiologia de cima “é a convicção de que é possível respaldar-se nessas fontes autoritativas divinas da teologia e no correspondente método de recurso a elas para estabelecer uma estrutura sobrenatural, divina ou revelada da igreja” (HAIGHT, 2012, p. 44).

Em síntese, os principais elementos que, para Haight, compõem hermeneuticamente uma eclesiologia de cima são:

(a) a tendência em situar à igreja como se ela estivesse fora do contexto da história, e sua concepção assume um caráter de a-histórica ignorando as ambiguidades de vivenciar os acontecimentos da história, uma igreja com essa dimensão tende a assumir um papel exclusivista diante da sociedade e das demais religiões;

(b) o aspecto doutrinário como único recurso legítimo na construção do discurso, e, não obstante a isso, o seu enrijecimento nesse discurso como característica de uma pretensa fidelidade a um sistema sancionado pela vontade divina, portanto, uma eclesiologia que tende a ignorar outras tradições religiosas e, consequentemente, se fechando para o diálogo com essas tradições como também para com a sociedade quando se acrisola em seu imaginário doutrinário;

(c) um sistema dominado de cima para baixo onde os ministérios ordenados têm a primazia e os tidos leigos não tem a mesma oportunidade de servir com os seus dons concedidos pelo Espírito Santo.

Referências

ESTRADA, Juan Antônio. Para compreender como surgiu a igreja. São Paulo: Paulinas, 2005.

HAIGHT, Roger. A comunidade cristã na história: eclesiologia histórica. São Paulo: Paulinas, 2012, vol. 1.

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