26.8.15

NOVO TESTAMENTO: DIFICULDADES QUANTO A SUA "INSPIRAÇÃO"

Recorrentemente manuais de Teologia Sistemática (TS) afirmam que o Novo Testamento é inspirado. Palavra grega de difícil precisão (theopneustos) usada exclusivamente em 2Tm 3,16. Termo, sabidamente, grego, uma vez que a concepção helênica de theopneustos carrega um sentido extático.

A preocupação da TS com o Novo Testamento (NT), nesse sentido de inspiração, se dá em relação ao texto da Bíblia Hebraica (Antigo Testamento). Entende-se que precisa de credibilidade para que o mesmo possa ter status de “revelação”. Se os textos do NT não forem inspirados, no sentido de Escrituras, o esboço teológico construído a partir dele poderia estar comprometido.

Definitivamente para a TS não se trata de um conjunto de textos que foram sendo concatenados com o tempo, sendo um dos propósitos, alimentar a caminhada de uma gente a partir da memória de Jesus e dos Apóstolos. Isso com todos os problemas advindos das traduções e cópias do NT, tema que a Crítica Textual debate.

Fato é que a palavra Escritura, num primeiro momento, não tem um sentido teológico. Quer apenas significar grafia ou escrever. O entendimento de “escritos sagrados” se dá no helenismo, com os registros dos templos ou livros de magia. Entrando aqui cartas e decretos do Imperador, por ser alguém “semidivino”.

Para a Bíblia Hebraica Escritura é katab, escrever. Depois haverá toda uma reflexão em torno da escrita como sagrada.

Quando a TS trata de inspiração das Escrituras coloca em igualdade o Antigo Testamento (Bíblia Hebraica) e os escritos (textos) do NT. Argumentam que “o Novo Testamento, à semelhança do Antigo, reivindica a virtude de ser Escritura Sagrada, escrito profético, e toda a Escritura e todos os escritos proféticos devem ser considerados inspirados por Deus”. Nesse enunciado há uma postura igualitária entre o Antigo e o Novo Testamento quanto à sua natureza de Escritura, agora com o sentido teológico definido. Outra questão é que o Novo Testamento reivindica, ou seja, não há algo tão claro, mas é algo implícito. Essa reivindicação se dá porque o texto do NT é profético.

Quando a TS trata de 2Tm 3,16, admite que se trata do Antigo Testamento. Isso porque todas as vezes que a palavra Escritura aparece no NT está se referindo exclusivamente à Bíblia Hebraica (AT) e não ao NT – “E, começando por Moisés, discorrendo por todos os profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (Lc 24,27). Como não há outro termo para lidar com isso, recorre-se a 2Pe 3,16 a fim de validar o NT frente ao Antigo quanto à sua inspiração. Por mais que esse argumento seja levado em consideração, há um problema: apenas as “cartas de Paulo” seriam inspiradas? E os Evangelhos Sinóticos? E o Evangelho de João? Hebreus? Lucas e Atos dos Apóstolos?

Outro argumento se dá com o texto de 1Tm 5,18 onde parte do versículo está em Lucas 10,7. Isso ratifica de que há status de Escritura no Evangelho de Lucas. Se esse argumento servir para dar credibilidade ao Evangelho de Lucas, deveria haver outros textos que fizessem o mesmo com o restante do NT e, sabidamente, não há.

Quanto ao texto de 2Pe 1,20-21 não há consenso de que se trate do NT, apenas do Antigo Testamento e sua condição interpretativa.

Parece que o NT não reivindica uma condição de inspiração. Não se trata de um tema explícito em relação ao status do Antigo Testamento. Os textos que a TS trata para dar status de inspiração ao NT são discutíveis quanto ao seu alcance exegético.

A necessidade apologética de reivindicar inspiração para o NT não se sustenta dentro do NT. Uma necessidade dogmatizante não pode anular a construção literária do NT.

Os primeiros cristãos não tinham interesse em escrever algo “deles” porque tinham as Escrituras (AT). Outra razão, eles tinham a mensagem do Reino de Deus proclamada por Jesus. Além disso, as primeiras comunidades cristãs eram fortemente escatológicas, ou seja, esperavam o fim iminente de “todas as coisas”. Com isso, não havia uma preocupação em querer escrever algo como Escritura para as demais gerações.

Teologicamente o NT tem autoridade apostólica, ou seja, ele está “baseado” nos ensinos dos apóstolos. Essa concepção se dá, principalmente, em escritos tardios do NT (At 2,42; Ef 2,20 e 3,5; 2Pe 3,2).

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