8.9.14

ELAS NÃO CONTAM...

Indubitavelmente a ressurreição é um dos principais temas do Novo Testamento.

Embora o tema da ressurreição seja controverso, ou seja, não há unanimidade entre os pesquisadores quanto ao caráter da ressurreição, tanto entre teólogos católicos quanto protestantes, o tema segue sendo a principal força do cristianismo como religião. Não por acaso, de maneira nenhuma, que teólogos de diferentes posicionamentos, se debruçam no tema para dele fazer hermenêutica, seja a partir da perspectiva bíblica, científica, filosófica ou religiosa. Uma obra recente que procura tratar do tema, do ponto de vista histórico-teológico, é a do teólogo inglês N. T. Wright, A ressurreição do Filho de Deus (Academia Cristã e Paulus).

Ocorre que dentro do Novo Testamento já exista diversidade interpretativa quanto ao tema da ressurreição. A perspectiva neotestamentária acolhe, por exemplo, uma representação do ressuscitado em termos espiritualizante (Paulo), mas também concebe uma representação materializante (João).

Uma vez a ressurreição se configurando como um tema importante para a fé dos discípulos, o ser testemunha de tal “ocorrido” dá ao(s) testemunhador(es) a possibilidade de alimentar a fé de quem já caminhava com o Nazareno, e tinha nele a manifestação de Deus, como também dos futuros discípulos.

O ser testemunha da ressurreição se torna em elemento definidor na vivência comunitária: “a este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas” (At 2,32).

É dentro desse aspecto, que o testemunho apostólico se tornará fundamental para a comunidade de fé. Uma das tradições mais antigas da ressurreição, 1Co 15,3-8, traz as testemunhas da ressurreição que consta os apóstolos, mais de quinhentos irmãos, Tiago e o próprio Paulo, fora de tempo como ele diz.

Testemunhar a ressurreição é algo que todos gostariam de ter experimentado, sem dúvida, e alguns tiveram essa oportunidade privilegiada. Até porque esse testemunhar será um dos critérios para a composição do grupo apostólico (At 1,21-22).

Bem, ocorre que as narrativas da ressurreição de Jesus (nos evangelhos sinóticos e João), mostram que elas foram às primeiras testemunhas da ressurreição de Jesus (Mt 28,1-8; Mc 16,1-7; Lc 24,1-10; Jo 20,11-18). Todas as narrativas, excetuando Marcos, traz a informação de que foram elas que levaram a notícia aos discípulos, e futuramente apóstolos, da ressurreição.

Se o testemunhar a ressurreição se tornou em um elemento de fé para a nascente comunidade; se o testemunhar a ressurreição, mais a frente, se transforma em critério para exercer a liderança na comunidade, por que as mulheres foram deslegitimadas?

E mesmo Paulo, que foi um “fora de tempo”, que se configura em liderança notável no cristianismo nascente, por que as mulheres que testemunham a ressurreição não foram nem mesmo mencionadas por ele (1Co 15,3-8)? Calvino, comentando esse texto em 1540, é específico: “ele não fornece uma lista completa, pois omite as mulheres. Portanto, quando diz que antes de todos apareceu a Pedro, devemos entender que ele (Pedro) é o primeiro entre os homens, de modo que a afirmação de Marcos (16,9) de que Jesus apareceu primeiro a Maria não é de forma alguma inconsistente”.

Aparentemente é um caso típico de diferentes tradições. Felizmente elas (as tradições), chegaram até nós de maneira paralela. Mesmo assim, essa desconformidade com o mesmo fundamento de fé (a ressurreição), possibilita a pensar de que as mulheres foram sendo gradativamente marginalizadas enquanto protagonistas da ressurreição. Esse processo começa com os critérios para substituir Judas no colégio apostólico e o primeiro deles é: ser homem (At 1,21). É claro que, para as mulheres, o primeiro critério anula os outros dois (ter acompanhado Jesus e terem sido testemunhas da ressurreição).

A tradição de que mulheres viram o ressuscitado se tornou texto em uma época (80-90 d.C.) em que as relações na comunidade de fé passava por um processo androcêntrico. Mesmo assim essas tradições nos deixam claro de que foram as mulheres que viram o sepulcro vazio e o anjo falou com elas, ou seja, uma hierofania, uma manifestação divina. Mais ainda, são elas que recebem de Jesus a incumbência de levar a notícia aos discípulos e futuros apóstolos quando a sua vitória sobre a morte. Mesmo assim elas ainda não contam.

Nenhum comentário: