26.6.10

AS CONSEQUÊNCIAS DO PRÉ-MILENISMO

Lá pelo ano de 2001 estava eu em um Concílio Examinatório na cidade de Americana/SP. Para os leitores que não são batistas vai aí uma explicação. Concílio Examinatório é uma reunião de pastores em que sabatinam o candidato ao Ministério Pastoral na área teológica, eclesiológica etc. Se o candidato for aprovado, durante aquelas longas horas de perguntas, o Concílio aprova-o e recomenda a sua Ordenação à Igreja, do contrário ele será reprovado e um novo Concílio pode ser feito depois de 180 dias. É um procedimento válido. Bem, estava eu neste Concílio e na parte final do exame em teologia foi feita a seguinte pergunta: “qual a posição do candidato em relação ao Milênio, é pré, pós ou amilenista?” O candidato pensou, pensou e respondeu: “não defini ainda o que sou”. Bastou isso para que dois pastores começassem a discutir suas “posições escatológicas”. Um requeria saber de qualquer jeito o que o candidato era e outro apenas valorizava a posição do candidato de não ter nenhuma posição.

Está é apenas uma prova do quanto a questão do Milênio fez a cabeça e o imaginário religioso no protestantismo. Há pastores que fazem amizades e desfazem dependendo da interpretação sobre o Milênio! Seminários teológicos são expressamente pré-milenistas e ensinam a doutrina claramente. Bíblias de estudo, como a Scofield, por exemplo, trabalham a interpretação bíblica a partir do pré-milenismo dispensacionalista do Gênesis ao Apocalipse.

Segundo Antonio Gouvêa Mendonça, um dos principais pesquisadores do protestantismo no Brasil falecido em 2007, a disputa entre pré-milenismo e pós-milenismo começou nos EUA por volta do século XIX. Enquanto o pós-milenismo tinha como pano de fundo o mito do progresso social, em que entendia que havia a possibilidade de uma vida de perfeita santidade, o que significava uma melhoria progressiva e constante da sociedade através dos indivíduos aperfeiçoados, esse progresso, portanto, viria pela ação normal da igreja que prepararia a segunda vinda de Cristo. O grande pregador do pós-milenismo foi Jonathan Edwards no século XVIII que, assim, incentivou as campanhas missionárias nos EUA e em outros países. Na concepção do pós-milenismo, o Reino de Deus, já a caminho, devia ser compartilhado com outros povos. Já o pré-milenismo é totalmente diferente, este entende que o Homem é incapaz de se aperfeiçoar. Assim, o Milênio (Reino de Deus) só seria possível com a volta de Cristo para implantá-lo. Essa concepção ganhou grande força a partir dos anos 70 do século XIX. O resultado foi o progressivo distanciamento entre a Igreja e o mundo, incompatibilizando-a com projetos de melhoria social. A Igreja, voltada para si mesma, concentrou-se na evangelização e nas missões estrangeiras. O pré-milenismo chocou-se de frente com o Evangelho Social, assim como contra qualquer forma de compromisso com mudanças estruturais da sociedade. O pós-milenismo foi inteiramente superado no Brasil pelo pré-milenismo.

Com o pré-milenismo assegurado no Brasil protestante, os livros de maior sucesso por aqui sempre foram os de escatologia, de péssimo gosto, diga-se de passagem. Recentemente Ricardo Quadros Gouvêa escreveu um artigo em que aponta os quarenta livros mais lidos pelos evangélicos durante quarenta anos (Revista Ultimato, Viçosa, ed. 315, nov./dez. 2008). Entre os autores estão: Hall Lindsay A agonia do grande planeta Terra; Frank Peretti, Este mundo tenebroso. O livro de Hall Lindsay produziu uma verdadeira paralisia da Igreja em relação ao mundo. A partir da concepção pré-milenista, com forte ênfase no fim do mundo, o livro de Lindsay partiu de uma hermenêutica literalista, algo que é clássico na postura fundamentalista, e empolgou uma porção de gente com o “fim do mundo” e a instauração do Milênio. Resultado disso: uma apatia quanto à atuação da Igreja na sociedade e sua participação política.

Criticou-se muito a Teologia da Libertação porque olhava para a dimensão social e pregava em cima das mazelas do povo. No caso da Teologia Protestante, o pré-milenismo tem/teve um efeito paralisante na Igreja. Logo no protestantismo que tem na sua razão de ser a crítica, a liberdade de consciência, a atuação no mundo para a glória de Deus. Com o pré-milenismo produziu-se a indiferença pelo mundo e pela sociedade. Até mesmo a ação no mundo do crente pregado pelo puritanismo como vocação divida o pré-milenismo solapou!

Como consequência do exagero dessa posição escatológica, colhemos um povo apático e desmotivado para encarar a sociedade. Quando o Reino de Deus ficou lá, o aqui parece que não conta mais. Vai demorar a mudar este imaginário fatalista, mas é preciso começar.

2 comentários:

Natanael Gabriel da Silva disse...

Oi Alonso

Por conta de acontecimento semelhante, escrevi um texto sobre o assunto que está no nosso site: www.ibcs.org.br, boletins antigos, n. 1852, de 25/04/2010. Foi uma brincadeira séria. Havia escrito isso anteriormente, mas por engano, deletei o comentário.
Grato pelo seu texto.

Alonso S. Gonçalves disse...

Obrigado pela sua participação. Sobre o texto a que se refere eu li, gostei muito.

Um abraço!