3.6.09

PASTOREIO E COMPAIXÃO

Não existe receita para ser pastor. Ninguém nasce pastor. É um processo de construção que envolve Deus, a família e a Igreja.

Permita-me pensar sobre o que considero extremamente essencial no ministério pastoral, aquilo que seja a razão de ser pastor, a base fundante de tudo. Não é dinheiro, até porque nossa função anda em baixa por conta de alguns “executivos” e suas “igrejas fast food”. É a compaixão.

O texto de Marcos 6,30-43 é interessante para pensar isso. Considerando as diferentes maneiras (interpretações) de ver o texto, este capítulo da “repartição dos pães” é construído com o intuito de demonstrar Jesus como um pastor que tem na compaixão a sua base ministerial.

O recurso literário esta no Antigo Testamento. Os paralelos são evidentes no texto. Os versos 36-38 nos remetem para o episódio de Elias e a “multiplicação” (2Rs 4,42-44); há uma alusão clara a Josué e a congregação de Israel e este como sendo o pastor depois da partida de Moisés (Nm 27,16-18); não há como deixar de notar a figura do deserto de Êxodo 16 nos versos 31 e 35. A construção literária é tão alusiva que o autor não se importa nem um pouquinho que no deserto há barco e como consequência há água; no deserto há cidades; um deserto que há “relva verde” (vs. 39 – NVI “grama”). Todo este enredo é para mostrar Jesus como pastor: “viu Jesus uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor” (vs. 34).

O que nos move para o pastoreio? No caso de Jesus era a compaixão. Essa palavra que não expressa totalmente o que era que Jesus sentia como pastor, mas com certeza é algo que saia das entranhas, do profundo do coração; a palavra quer trazer a ideia de vísceras, intestinos (gr. splagcnon), algo como uma reação impulsiva que exime de controle. A compaixão de Jesus esgota o vocabulário. O mais incrível nisso é que sua compaixão tem alvo: a multidão.

A multidão tem uma história com Jesus, assim como nós, temos uma história com a comunidade. A multidão admira seu ensinamento, o elogiam, corre atrás dele quando precisa. Mas a multidão também se deixa instigar pelos chefes religiosos e gritam não mais pelo “filho de Davi”, mas por Barrabás. É esta multidão que Jesus tem compaixão, quer pastorear, alimentar, cuidar.

Em nosso ministério temos tantos alvos: é a construção, a receita, os planejamentos, os projetos, as metas, a burocracia administrativa, isso, aquilo e muito mais. Mas o que fazemos no ministério nos define. Não quero ser marcado como o pastor das “construções” (embora tudo isso seja necessário, mas não prioritário); ou ser lembrado como o pastor que finalmente conseguiu o desligamento de uma família problemática.

As atitudes do pastorado nem sempre é multiplicar, multiplicar, multiplicar. É também repartir, compartilhar, principalmente (vs. 40). O pastoreio por meio da compaixão nos permite continuar ali, mesmo que no meio da multidão alguém grite por Barrabás. O pastor que tem na compaixão sua base ministerial, com certeza verá sempre o humano em primeiro lugar. Somente a compaixão permite o dinamismo necessário para partilhar o pão com a congregação e conduzi-los a uma grama verde.

Um comentário:

Pedro disse...

Graça e Paz, Amado.

Parabéns pelo texto e pelas idéias. Porém não compartilho com o primeiro parágrafo onde se diz "Ninguém nasce pastor". No meu entender é Deus que separa desde o ventre materno, o chamado é antes da fundação do mundo. Já nasce no coração do homem o desejo de pregar a palavra e falar de Jesus com poder e graça. Lucas 10.19 -
O que acontece é que muitas vezes a escolha é humana e aí há dificuldades, tristezas. Em seu texto anterior vi uma frase que faz com que homens escolham quem serve e quem não serve (Alguns anos atrás eu estava num Concílio Examinatório (uma reunião de pastores com o propósito de sabatinar o candidato para ver se ele serve ou não para o pastorado).
Concordo que pastoreio é doação, mesmo num momento em que não vai bem, mesmo quando há críticas, mas o poder é Deus. O chamado é de Deus, é Ele que sustenta. Que dá força para andar, passar noite acordado orando, jejuando, tratando de pessoas quebradas. Esse é o evangelho de Jesus Cristo. O amor e a paixão pelos perdidos. Olhar para os bares e ver pessoas perdidas, sofredoras, judiadas, viciadas e então, levantar-se de uma poltrona macia, ou uma cama gostosa e sair pregando o poder de salvação para todo aquele que crê. (Marcos 6:34 - E Jesus, saindo, viu uma grande multidão, e teve compaixão deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor; e começou a ensinar-lhes muitas coisas).