3.2.16

“OS TEMPOS MUDAM, E NÓS MUDAMOS COM ELE”

(frase de Ovídio)

Saiu no O Jornal Batista de 31 de Janeiro de 2016 um texto que fala de saudade.

O autor, um pastor batista, procura fazer uma comparação entre o que foi vivenciado em anos anteriores no universo eclesial (batista, mais precisamente) e o que hoje é possível ver no atual cenário das igrejas que passam (passaram) por mudanças em termos culturais e sociais.

O que chama atenção no referido texto, foi o “tom” saudosista de uma reflexão que não levou em consideração as mutações da cultura e que, inevitavelmente, respinga na realidade das igrejas. Além disso, é perfeitamente coerente apontar o que era (que não necessariamente leva o título de “melhor”) com o que é hoje. Mas também será possível apontar o que poderia (ou deveria) acontecer para modificar o atual cenário?

Qualquer avaliação do “antes” e do “depois”, se tratando de realidade eclesial, precisaria levar em consideração alguns temas:

- Impacto da mídia: a relação que o indivíduo tem com a mídia forma a sua personalidade, escolhas e decisões. Os neopentecostais souberam aproveitar bem isso;

- Cultura da imagem: um tempo em que uma imagem ficou valendo mesmo mais que mil palavras. Aparelhos celulares foram substituídos por pessoas; o parecer “bem” com a própria imagem é uma questão de sobrevivência nas redes sociais;

- Aceleração da história: em épocas passadas a história era contada, compartilhada, passada de uma geração à outra. Há uma aceleração da história, ou seja, as coisas acontecem apressadamente e não há “tempo” para absorver, refletir e apurar. Daí o conflito de gerações que são visíveis nas comunidades de fé;

- Consumismo como referencial de valor: há uma vida para o consumo como bem avalia o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. As pessoas vivem para consumir e não vivem com o que consomem. O “comprar” e o “ter” são duas categorias existenciais, infelizmente;

- Rejeição do autoritarismo: qualquer tentativa de cercear a “liberdade” é reprimida. Há uma tendência em curso de desconsiderar qualquer figura que transmita “autoridade”. Nesse sentido está o professor, os pais, o policial e o pastor (para ficar com alguns exemplos);

- Urbanização: as cidades estão cada vez mais aceleradas e as pessoas preferem elas (desde o êxodo rural no país) ao campo. A urbanização traz mobilidade, mas também desumaniza as pessoas.

Quando o autor do artigo no O Jornal Batista intitula seu texto com um provocativo Dá saudades!, ele está fazendo um exercício de comparação, ou seja, o que era bom (por isso a saudade) e o que hoje não é tão bom assim (por isso a reminiscência). Saudade é a ausência daquilo que não se pode ter ou ver mais, porque foi um momento, uma fase, um tempo. Isso é perfeitamente válido, quando a concepção é apenas subjetiva. Quando é uma leitura abrangente, é preciso tratar causalidades, pelo menos.

Em todos os comparativos que o autor usou, esse chamou atenção:

- “Dá saudades de quando falávamos para uma pessoa procurar uma igreja próxima de sua casa, e hoje temos que dizer que a pessoa procure uma igreja mais próxima da Bíblia”.

De que Bíblia se trata? Ou seria de doutrinas? Há muito tempo a Bíblia deixou de ser um texto básico para as igrejas. Ela foi substituída por Declarações Doutrinárias e quando se estuda com a Bíblia se trata na verdade de revistas de EBD onde o autor repassa as suas percepções e lições. Está cada vez mais difícil procurar uma igreja mais próxima da Bíblia. Ela (a Bíblia) assusta, desconstrói sistemas, muda perspectivas e ninguém, históricos, pentecostais ou neopentecostais, querem olhar para a Bíblia com lupa, ela contraria práticas, ela destrona poderes, ela promove o empoderamento do pobre e marginalizado.

O texto tem como característica um anacronismo cultural e social. Além de não indicar (ou mesmo sonhar) com outras possibilidades, sejam elas de "tom" pessimista, otimista ou de esperança. Qualquer avaliação que procura abranger comportamentos e pessoas, não pode deixar de fora o movimento da história e a mutante cultura na qual todos nós estamos inseridos.

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