26.7.11

O BRASIL DOS “EVANGÉLICOS”

Recentemente escrevi um texto (Por que não sou evangélico?) colocando as razões do por que não me considero um “evangélico”, por diversos motivos, mas o principal, por entender que o que está aí não é outra coisa senão um punhado de “igrejas”, denominações, movimentos e instituições que a grande mídia nomeia como “os evangélicos” e esses traduzem, dizem, o que são os “evangélicos” hoje. Ela (a mídia), não sabe, e nem mesmo tem obrigação de saber, as diferenças marcantes que há no universo religioso não católico que abarca protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais. É por isso que nesse caso prefiro ser conhecido como Batista e não como “evangélico”. É uma pena que o termo tão caro aos luteranos, que no Brasil recebe o nome de Igreja Evangélica de Confissão Luterana, está sendo cada vez mais arruinado no país por conta de verdadeiros impérios da “fé”.

Mas o Brasil dos “evangélicos” é, de modo geral, fundamentalista em todos os sentidos, não só em relação à Bíblia. Por aqui parece que o segmento cristão não católico nem mesmo pertence ao continente latino-americano. Não se vê literatura dos nossos irmãos vizinhos (é claro, há exceções), mas estadunidense, na sua esmagadora maioria. É por este fato que por aqui o fundamentalismo é tão evidente. Não só a teologia, mas a agenda pastoral da igreja, os temas de congressos, as instituições são determinadas, infelizmente, pelo Norte. Como é deprimente ver um novel pastor desconhecer a produção teológica da América Latina em compensação, ele tem, na sua biblioteca, um punhado de livros sobre teologias sistemáticas traduzidas que formam a sua teologia e pastoral, sempre marcada pelo pragmatismo tão característico da teologia norte-americana. Às vezes parece que nem mesmo somos latino-americanos. Acho que até mesmo os nossos vizinhos pensem isso mesmo.

No Brasil dos “evangélicos” reina uma espécie de milenarismo comunitário em que o imaginário religioso leva as pessoas a acharem que estão sempre a caminho do céu e o que ocorre por aqui não diz respeito à igreja, pois o “mundo jaz do maligno”. A influência direta do pré-milenismo, deu uma concepção de história sempre supramundana e nunca intramundana. Enclausura-se num gueto e discute temas como crescimento de igreja, o modelo X ou Y que mais deu certo lá fora; se discute o que se deve usar ou não; se discute se o cristão pode beber ou não; se discute quem será o próximo “apóstolo”; se discute se a denominação X ou Y está em crise de identidade; se discute se mulher pode ser pastora ou não! A capacidade de ler os tempos é tão irrisória que no Brasil dos “evangélicos” 56% dos jovens entrevistados pelo Bureau de Pesquisa e Estatística Cristã declarou que fazem sexo antes do matrimônio, mas a igreja ainda insiste em não admitir isso e nem mesmo discutir o tema com eles. Esse é um exemplo dentre tantos que atestam a incapacidade de adequar o discurso às novas realidades.

No Brasil dos “evangélicos” se faz movimento, e como faz. É o movimento em prol da família e contra a lei da homofobia, a favor da liberdade de expressão e de consciência. Ótimo. Faz-se a “Marcha para Jesus”, como se fossem um exército querendo conquistar o Brasil para Cristo a fim de transformar o país numa República Fundamentalista Evangélica. Os planos políticos dos “evangélicos” são claramente de poder, nunca de engajamento social e democrático. Controla-se a massa, denominada aqui de “evangélicos”, como um “forte” segmento social e que por isso os outros (lê-se aqui o restante da sociedade numa clara alusão a separação entre sagrado versus profano, puros versus impuros, santos versus pecadores) devem respeitar, pois não vai demorar muito “seremos maioria absoluta” como apregoa alguns. Pregadores televisivos, que enchem as manhãs de sábado discutindo assuntos internos de suas denominações, na maioria deles conflitos de poder e politicagem, arrebanham dezenas de pessoas para seus congressos e passeatas a fim de demostrar o poder de fogo que exerce no país. Que pena!

Como seria bom se os “evangélicos” se organizassem não apenas para reivindicar aquilo que consideram uma afronta ao seu sistema religioso como a união de homossexuais, mas tivessem a mesma força e disposição para ir até Brasília e reivindicar uma reforma política, uma postura ética e coerente com o país dos políticos profissionais. Seria bom ver os “evangélicos” fazendo barulho pedindo mais transparência na máquina pública, exigindo que o governo não entregasse aos partidos políticos estatais para serem saqueadas por verdadeiras quadrilhas como a que acabamos de ver com o PR (Partido Republicano) superfaturando obras no Ministério dos Transportes, engordando o caixa partidário, com o pensamento na próxima eleição. Isso nós não vemos. Não chegaremos a ver um desses pastores pop-star que pagam milhões de reais em programas de TV, com a mensagem de que está levando o evangelho de Cristo a nação, condenando, falando, conclamando o povo a tomar uma atitude concreta em relação ao país. Esses são os “evangélicos”.

Como faz falta uma Teologia Pública. Que encare o país com respeito e dignidade, olhando para as suas questões com amor, mas também com ação. Há tanta coisa que poderia ser dita sobre o Brasil dos “evangélicos”, mas esse tema está me deixando enojado.

18.7.11

CONSTRUIR COMUNIDADE

Algumas ideias que compartilhei com a Igreja Batista Memorial em Itapetininga neste domingo (17/07), uma igreja alegre, dinâmica, com uma liderança jovem e um grande potencial. Valeu a pena ter conhecido essa gente.

A nossa cultura, para seguir algumas ideias de Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, é marcada pelo individualismo. A sociedade, tida como pós-moderna, favorece isso quando dão ao indivíduo condições de satisfazer os seus desejos e os anseios principalmente com o dinheiro, base do consumo. Parafraseando René Descartes, “penso, logo existo”, hoje é “compro, logo existo”. A existência se baseia no que se pode comprar, é por isso que a esposa vai ao shopping e torra o cartão de crédito porque brigou com o esposo, o comprar completa a sua existência.

Em relação à religiosidade parece que está no mesmo caminho, pelo menos é o que alguns pesquisadores/as apontam em Ciências da Religião. Pessoas querendo atender as suas necessidades “espirituais” buscam na igreja/comunidade algo que supra as suas carências. Até aí não há problema, mas quando envolve a questão da demanda (igrejas) e a procura (clientes, digo fiéis), há um problema. Em um efervescente mercado religioso em que se pode escolher qual produto, quer dizer, evangelho, se quer, é uma tendência fortíssima de escolher comunidade que mais lhe agrada. Philip Yancey, no seu livro Igreja: por que me importar? narra a sua maneira como enxergava a igreja antes de ter uma experiência significativa com a graça de Deus. Ele se aproximava da igreja com um espírito exigente, de consumidor mesmo. Uma boa liturgia, uma boa música, um bom sermão. Ele era o espectador em busca do espetáculo que chamamos de culto. Em segundo lugar, Yancey buscava uma igreja que fosse a sua “cara”, ou seja, que tivesse o mesmo perfil cultural, o mesmo gosto, uma igreja conforme a sua imagem e semelhança. Demorou para o jornalista estadunidense entender que igreja/comunidade não é algo para ser servido, mas para servir. É por este motivo que hoje o nosso tempo é caracterizado como “trânsito religioso”, onde as pessoas migram de igreja com muita facilidade em busca de algo “melhor” ou de pessoas melhores.

Para fazer parte de uma comunidade é preciso estar disposto a construí-la. Não é possível entrar nela com um espírito de querer ser servido, mas de servir (Jesus); não se pode entrar nela sem duas coisas características e imprescindíveis para a comunidade, o perdão e o amor! É preciso estar disposto a dar algo sempre quando se decide construir comunidade.

Paulo falando para a igreja de Corinto (cap. 12, 12-27), ele trata exatamente desse problema. Lá as pessoas queriam se beneficiar da comunidade e não se entregar a ela. Havia divisão de grupos, cada um postulando um mentor, Paulo, Apolo, Pedro. Para exemplificar isso, ele usa o exemplo do corpo humano para dizer que a igreja é o corpo de Cristo e que por este fato todos são importantes, até mesmo aqueles que achamos, ou julgamos ser fracos e desnecessários. Os fortes carregam os fracos (Rm 15,1).

Construir comunidade é se dá em relacionamentos. Quem espera uma igreja pronta, nunca irá perceber a graça de ser igreja.

Quando construímos comunidade, se doando um ao outro e entendendo que o outro integra comigo o corpo de Cristo, valorizamos as pessoas em vez da instituição; valorizamos a conversa e o diálogo em vez da disciplina; valorizamos os defeitos e as qualidades do outro, quando ele sofre, sofremos juntos, quando ele se alegra, nos alegramos juntos. Por isso que tenho receio com pessoas que só conseguem enxergar os defeitos de uma igreja. É sinal de que este ainda não entendeu o que significa ser corpo de Cristo.

Não nascemos prontos. Vamos nos construindo. Pertencer a uma comunidade é exercitar o amor e o perdão como chave de relacionamento, é difícil, mas é o nosso alvo.