12.9.10

DEUS NÃO TEM TÍTULO DE ELEITOR

“É preciso lembrar a igreja que ela não é senhora nem serva do Estado, mas, sim, a consciência dele. A igreja tem o dever de o criticar e o orientar, sem nunca se tornar para ele num instrumento”.
Martin Luther King Jr.
Prêmio Nobel da Paz

Quando chega esta época é a mesma coisa. Os políticos fazem suas alianças, combinam suas barganhas, prometem o impossível e compram alguns votos, infelizmente. No cenário evangélico chega a ser até mesmo bizarro algumas coisas. Os pretensos “eleitos do Senhor” usam o púlpito, transformando-o em palanque e com a conivência do líder/pastor, despeja um punhado de asneiras para convencer o povo de Deus de que ele e não outro é o “escolhido de Deus” para o cargo. Já vi este filme: sacos de cimento são “doados”; tijolos comprados e latas de tinta adquiridas tudo em nome da “providência divina” que ouviu as orações da igreja. Chega a ser hilário.

O uso da religião para fins eleitoreiros não é de hoje. No primeiro mandato do Presidente Lula muito se ouviu que o PT iria fechar igrejas caso o Lula ganhasse. Fez-se um verdadeiro terrorismo em cima disso. Hoje os mesmos que criticaram lá atrás dão o púlpito para a sua pretensa sucessora falar em “nome de Deus”, pertencendo a um partido que tem ideias claras quanto ao aborto, união civil de homossexuais, o chamado Programa Nacional de Direitos Humanos que será alvo de discussões na próxima legislatura. Para participar do poder se vende princípios, se esquece da orientação bíblica. É sabidamente que igrejas ganham eleição. É por isso que no Congresso Nacional há diversos parlamentares defendendo os interesses coorporativos de sua denominação. Para ganhar votos o discurso é o mesmo: “irmão vota em irmão”; “Deus não nos colocou para sermos calda, mas cabeça”. Em alguns lugares há até mesmo “revelação” de Deus confirmando o candidato X. Em algumas igrejas o candidato leva a igreja de “porteira fechada” e aí daquele que não cumprir com os “propósitos de Deus”. Cidadania, direito de votar em quem quiser não existe.

Reina no inconsciente eleitoral tido como evangélico a figura de um messias, alguém que irá salvar a sociedade brasileira. Essa tendência de teocratizar o Estado não é de hoje. Calvino, por exemplo, pretendia estabelecer em Genebra um sistema totalitário onde pudesse controlar a vida dos cidadãos usando como pressuposto a Bíblia. Ele queria na verdade uma aristocracia dos eleitos, para isso queimou pessoas contrarias as suas pretensões. A perseguição religiosa promovida pela monarquia inglesa foi legitimada pela Igreja Anglicana, surgindo daí grupos contrários à união Igreja-Estado, dentre eles os batistas levantando a bandeira da separação entre Igreja e Estado no século XVII. Parece que em época de eleições o povo evangélico respira ares teocráticos. O candidato tem como legitimação a “vontade de Deus” e sendo assim Deus irá fazê-lo ganhar. Não é democracia onde o povo elege seus representantes pelo seu plano de governo e biografia pública, mas é teocracia, Deus movendo os eleitores para eleger o irmão que é “servo do Senhor”.

Deus não tem título de eleitor e muito menos preferência partidária. É preciso entender que a história é conduzida por homens e suas decisões têm consequências. Durante muito tempo se ouvia em nossas igrejas que cristão não se envolvia com política, é por isso que a classe política do país é menos respeitada de todas as instituições. O não envolvimento levou a igreja a uma profunda omissão na vida política do país. Na Bíblia há diversos exemplos de homens que lutaram contra um sistema político que marginalizava e oprimia as pessoas. Os profetas: Jeremias, Amós, um Isaías. Em comum há uma mensagem profética de repúdio as práticas desumanas e parciais dos reis! João Batista no Novo Testamento, não ficou calado diante da corrupção e imoralidade de Herodes, perdeu a cabeça por conta disso. O próprio Jesus que contrario os poderosos sacerdotes quando expulsou os ladrões que abusavam da boa fé do povo no templo de Jerusalém.

A frase que sempre se ouve para justificar os desmandos, a corrupção, a falta de atendimento adequado do Estado para a população foi: “o mundo jaz do maligno mesmo”. O cristão é cidadão e como tal deve zelar pelas leis e o pleno desenvolvimento humano da sociedade; a igreja, como voz profética, não pode ficar quieta e calada com atrocidades envolvendo o dinheiro público. Não foi Deus quem colocou Hitler no poder que por sua vez dizimou milhares de judeus e marcou a história humana com uma desgraça sem precedentes; não foi Deus quem colocou George W. Bush no poder, aliás, foi em nome dele que ele conseguiu o segundo mandato, um Presidente desastroso e responsável por duas guerras no mundo. Gandhi ficou decepcionado com o Cristianismo por ver os protestantes ingleses oprimir o povo indiano; os protestantes holandeses foram os responsáveis pela segregação racial criminosa na África do Sul.

Deus não tem título de eleitor muito menos partido, nós sim! A história humana é conduzida por homens. A corrupção nasce no coração humano; é o homem que se acha no direito de subjugar o próximo. Não cabe a igreja dizer em quem se deve votar ou não, aliás, como batista isto é inadmissível. Um dos nossos princípios é a liberdade de opinião e consciência, portanto, seria infringir este princípio impelindo o povo a votar nesse ou naquele. Agora cabe a igreja ser voz ativa e quando for do interesse da sociedade denunciar ou ajudar o Estado no bem comum do povo, porque isso é avançar com os valores do Reino de Deus.

Ser de uma igreja X ou Y não credencia ninguém a cargo político, muito menos a pedir votos em nome de Deus. Ser cidadão e cristão comprometido com a justiça, com o bem comum do povo, com os valores do Reino de Deus, sim.

5.9.10

MAIS DO MESMO? NÃO!

Estamos em um momento ímpar no país. Embora o povo não se envolva com a política do país como se envolve com a Copa do Mundo, o fato é que no dia três de outubro vamos todos a urna eleger um presidente para conduzir o país nos próximos anos. Considerando que o horário obrigatório eleitoral é uma verdadeira maquiagem dos candidatos, além é claro de nos fazer rir e muito, o fato é que temos uma ideologia dominante no país: o metalúrgico que nunca trabalhou e nem mesmo estudou, consegue a proeza de ter 80% da aprovação popular. A sua pupila quer continuar o seu suposto legado.

Uma das características da democracia é a alternância no poder. Um projeto que vise à perpetuação no poder nunca será bom para o desenvolvimento da democracia e o fortalecimento das instituições do país.

Se o povo aceitar Dilma estará aceitando continuar mais do mesmo. Os mesmos nomes que apoiaram Lula como José Sarney e seus crimes encobertos pelo PT, blindando o presidente do Senado; ainda teremos mais do mesmo um Fernando Collor; Renan Calheiros e seus escândalos, coronel em Alagoas; José Dirceu estará de volta; Palocci nem se fala. O grande problema é que a sociedade brasileira tem amnésia, sofre de memória desgastada. Não se lembra que o mensalão envolveu todos esses e apenas o presidente assegurou que não sabia: o que é pior saber ou não saber que seus companheiros estão arquitetando um plano para se perpetuar no poder?

Essas eleições parecem que há somente duas opções: mais do mesmo, Dilma; mais do antigo, Serra. Formou-se no imaginário político no país a ideia de que há somente dois partidos, PSDB e PT. Aqui não é os Estados Unidos! Há outras opções e não passa por quem está no poder e quer continuar, a qualquer custo, e aqueles que querem retornar, a qualquer custo também.

As pesquisas de intenção de voto apontam a candidata petista na frente, ganhando ainda no primeiro turno, o que seria uma catástrofe para a democracia brasileira. É sinal de que o Lula conseguiria eleger até mesmo um poste, se quisesse. As pesquisas exercem uma sensação psicológica incrível sobre as pessoas e instaura a velha ideia: “xiiii, já ganhou”. Enquanto isso predomina, as pessoas não conseguem enxergar que há outra opção, de que não temos apenas dois candidatos com chance de ganharem, mas sim três!

Eu não quero mais do mesmo. Quero saber o que este governo fez durante esses oito anos; quero saber se houve desvios de verbas no famoso PAC, embora não tenha dúvidas disso; quero pelo menos tentar com outro presidente, para ver se a tributação diminui e se o governo pode controlar gastos e aplicar melhor os recursos que tem, que não são poucos.

UMA "NOVA" ESPIRITUALIDADE

Leituras em Marià Corbí Quiñonero e Dietrich Bonhoeffer

É claro que aqui não é a Europa. Por lá o Cristianismo passou por um processo de secularização decorrente das duas guerras mundiais. O surgimento da Filosofia da Vida e a preocupação de teólogos como Paul Tillich dentre outros, buscaram fazer uma ponte entre aquela realidade e o Cristianismo. A contribuição de Tillich no debate Cristianismo e Cultura foram essenciais.

Os dois pensadores do subtítulo em questão fizeram o mesmo caminho: compreender a realidade e buscar pontes, meios para um diálogo entre Religião e Sociedade, mais especificamente com a pós-modernidade. Bonhoeffer foi encarcerado no regime totalitário de Adolf Hitler a partir de cinco de abril de 1943. O seu templo foi a prisão, seu gabinete pastoral foi uma cela, suas ovelhas foram os presos, sua espiritualidade era para os não-religiosos. Bonhoeffer faz questão de frisar que Jesus nunca, e nem se quer deixou, a impressão de mostrar às pessoas que elas eram realmente piores quando na verdade eram de fato; com os ladrões na cruz ele não fez nenhuma tentativa de convencimento, até que um deles dirigiu a palavra a ele. Essa tentativa de ser mais religioso que Deus é pedantismo espiritual. É por isso que o luterano preferia a companhia de “não-crentes” à de piedosos que só falavam a respeito de Deus.

Outro pensador é Marià Corbí Quiñonero. Para Corbí a espiritualidade hoje precisa passar por novos modelos. Partindo sobre os pressupostos de que o mundo passa/ou por transformações e mudanças culturais, Marià Corbí entende que vivemos um grande trânsito cultural, não há mais condições para um etnocentrismo ou o fundamentalismo coexistir com esta dinâmica, ainda que haja em países e culturas esta mentalidade, mas, segundo ele, será inevitável a superação dessas formas de vê o mundo pela globalização e a secularização. Entendendo que as religiões foram desenvolvidas em uma época pré-industrial, e, que, portanto, as crenças e a maneira de ver o mundo passa pelo mito, pelos símbolos, pelas narrações sagradas, Corbí acredita que esta maneira de ver o mundo foi superada ocorrendo a primeira secularização. Esta se deu quando o cristianismo travou sangrentas guerras em nome de Deus, de forma inevitável, a secularização abarcou o Estado e a vida pública das pessoas, deixando a opção religiosa sob a escolha de cada um. Este processo teve como impulsionador o Iluminismo. Com isso Corbí entende que as religiões entraram numa crise de sentido por não saber dialogar ou se inserir neste processo, surgindo então dois caminhos: postura conciliatória de diálogo e compreensão dos novos tempos ou fundamentalismo, se fechando para o mundo e suas transformações. Mas isso não é tudo nesta crise religiosa, o espanhol entende que a segunda secularização é pior que a primeira. Na primeira é dado ao indivíduo escolher, ainda uma religião institucional, a segunda secularização passa pela espiritualidade, ou seja, é quando o indivíduo entende que não precisa da mediação institucional ou ortodoxa para vivenciar a sua espiritualidade. Desse modo a religião e a espiritualidade não são mais inseparáveis, são dicotômicas de fato.

Recentemente a Revista Época publicou uma reportagem intitulada “A nova reforma protestante”. Além de ouvir alguns pastores/teólogos sobre o tema, a revista trouxe uma reportagem sobre o senhor Rani Rosique. Um cirurgião geral de 49 anos em Ariquemes, cidade de 80 mil habitantes do interior de Rondônia. Este homem reúne-se periodicamente com vizinhos, conhecidos e amigos, umas quinze pessoas ao todo, para falar sobre a Bíblia, orar e cantar na área de uma casa. Depois a confraternização: chá com bolachas. Rosique pratica sua fé assim, em pequenos grupos de oração, comunhão e estudo da Bíblia. Para a Revista Época, Rani pode ser visto como um “símbolo” do período de transição que a igreja evangélica brasileira atravessa. Um tempo em que ritos, doutrinas, tradições, dogmas, jargões e hierarquias estão sob profundo processo de revisão, apontando para uma relação com o Divino muito diferente daquela divulgada nos horários pagos da TV.

Estou em uma cidade pequena em que a religiosidade ainda é uma marca. Mas já vivenciamos discursos claros que envolvem a separação entre espiritualidade e o pertencimento a uma igreja. Penso que é um momento de reformular mesmo os modelos e a forma que entendemos um grupo de pessoas que se reúne periodicamente entre quatro paredes. Se não surgir um Cristianismo que propõe o seguimento de Jesus, a comunhão de fato, a maneira de vivenciar a fé e sua incrível necessidade de diálogo, irá surgir cada vez mais grupos como o do senhor Rani Rosique, o que é salutar também.