19.2.09

CONSTRUTORES DO REINO

Uma reflexão a partir da teologia do seguimento de Jon Sobrino

O Reino de Deus nunca foi um tema central na cristologia. A reflexão sempre girou em torno da pessoa de Jesus e não de sua mensagem. Tanto teólogos católicos quanto protestantes, se debruçaram na obra salvífica de Jesus de Nazaré. A sentença era: berço, cruz e pedra – nascimento, morte e ressurreição.

O Reino de Deus, na teologia protestante, sempre foi vinculado com ideias milenaristas. O amilenismo compreende a presença do Reino em seu caráter provisório; o pré-minelismo entende que o Reino ainda virá e Jesus irá reinar mil anos, literais; o pós-milenismo acredita na realidade presente do Reino, e não o concebe como algo celestial e futuro. Somando a isso, a ideia de que tudo está caminhando para um acerto final de contas com Deus. Os cristãos estão de passagem, são agentes de Deus para povoar o céu. Diante disso, os eventos que ocorrem no mundo são apenas os “sinais dos tempos”. Esta postura inviabiliza totalmente um estar-no-mundo. O mundo passa a ser apenas um trampolim para a eternidade e os crentes expectadores dos acontecimentos. O resultado é uma total desatenção para com os alvos do Reino de Deus e sua expansão.

A teologia bíblica atestou: a mensagem central de Jesus era o Reino de Deus. Os estudiosos do Jesus histórico não negam, o Reino de Deus dominou a vida de Jesus. Qualquer pesquisador sério do Novo Testamento verá que o Reino de Deus é a chave para compreender o propósito de Jesus.

A cristologia da América Latina tem no Reino de Deus a sua centralidade. Leonardo Boff e sua abordagem antropológica do Reino como topia de uma existência plena; Juan Luis Segundo e sua clave política; Jon Sobrino enxerga no seguimento de Jesus a continuidade da construção do Reino de Deus. A teologia da libertação, em suas bases metodológicas, não se dá sem o Reino de Deus.

O teólogo salvadorenho, Jon Sobrino, tem contribuindo para uma reflexão sobre o Reino de Deus. Para ele, entender o Reino é preciso ir a Jesus, para conhecer Jesus é preciso ir ao Reino de Deus. Este caminho se faz pelo seguimento de Jesus.

A teologia do seguimento se dá na prática de Jesus: na valorização dos excluídos e marginalizados da sociedade; na compaixão e no perdão; na promoção da paz e da justiça como meio equitativo de convivência. A teologia do seguimento não se dá na imitação, mas no comportamento do cristão e suas consequências práticas, uma vez a impossibilidade de reproduzir os atos concretos de Jesus no seu tempo.

Para Sobrino o Reino de Deus esta sendo construído pelos seguidores de Jesus. Os valores do anti-Reino – como a desumanização; a violência; a injustiça social; a morte precoce do pobre – precisam ser combatidos. Uma espiritualidade que valorize o seguir Jesus com sua ênfase no Reino de Deus é urgente.

7.2.09

ESPIRITUALIDADE NO PROTESTANTISMO: ANÁLISE E PERSPECTIVAS

Não tenho a pretensão de encontrar definições para espiritualidade. Gostaria apenas de analisar alguns modelos de espiritualidade fazendo uma leitura do protestantismo em diálogo com outras formas em que se dá a dimensão da espiritualidade. Com isso, a intenção é buscar convergências com outras vertentes da espiritualidade religiosa e sua inserção no imaginário religioso.

O protestantismo tem um modelo de espiritualidade. A Reforma Protestante inaugura um modelo centrado no texto bíblico. Dotada de autoridade, a Bíblia ganha status de revelação e único meio de comunicação estabelecido entre Deus e o crente. A ortodoxia protestante marcada pelo intelectualismo dá origem ao pietismo alemão como fuga da severidade doutrinária sem paixão. O modelo de espiritualidade no protestantismo sempre foi protagonizado por Lutero e Calvino, que desenvolveram modelos que prezavam o texto bíblico. Na Inglaterra de João Wesley o movimento holiness (santidade) foi mais intimista que coletivo. Uma busca por santidade individual que valorizava o ascetismo e a pecaminosidade do corpo. A teologia dos avivamentos nos Estados Unidos preconizava o medo da punição eterna, a soberania implacável de Deus e a doutrina calvinista da eleição.

A espiritualidade protestante é marcada pelo individualismo. A dificuldade de conciliação entre as denominações é uma herança do liberalismo. A definição protestante de espiritualidade é individualista. Alguém definiu espiritualidade no protestantismo da seguinte maneira: “espiritualidade é, portanto, algo de cunho pessoal. Ela se evidencia através de formas distintas, como jejum, reunião de oração, serviço cristão e leitura da Bíblia”. É um modelo. Mas é um modelo subjetivo e fragmentário. Desprovido de consciência coletiva e interação social. Os manuais de espiritualidade são carregados de noções que valorizam os aspectos interiores do crente. Um exemplo disso é o livro de John Bunyan, O Peregrino, que influenciou vários missionários no Brasil com sua temática e linguagem que exalta a dimensão da eternidade para o crente.

Há uma dicotomia na espiritualidade brasileira. Uma que enfatiza a busca intimista do Sagrado na forma de texto bíblico – para esses orar três vezes ao dia e ler a Bíblia diariamente é o suficiente; outra que se alimenta do desejo consumista e vê nisso o mover de Deus. É necessário ver outros modelos e práticas que coadunem com o atual momento que vivemos.

O protestantismo dessacralizou o mundo, tornando-o utilitário, secular e passageiro. O Sagrado não é visitado na dimensão planetária, não é percebido misticamente. Como necessitamos de uma espiritualidade ecológica que contemple a Criação e se deixe extasiar pela sua mística. Uma espiritualidade panenteísta, que consiga enxergar Deus nas pequenas coisas da Criação.

Necessitamos de uma espiritualidade que leve a sério a dimensão política da Igreja. Um engajamento político-social no cotidiano com uma profunda preocupação com os rumos da economia e da sociedade.

A igreja anseia por uma espiritualidade comunitária e solidária. Onde o outro seja a ponte para ver Deus; a reunião em torno da Bíblia seja carregada de entusiasmo comunitário; a oração não seja para buscar poder, pelo contrário, seja para fortalecimento mútuo e oportunidade de adoração coletiva; que a ceia não seja apenas um acessório do culto, mas uma celebração de alegria e louvor pela comunhão com os irmãos.

São perspectivas que procuro compartilhar com a comunidade. Nesta tentativa, bebo no poço de outras vertentes da espiritualidade religiosa, e confesso que alguns autores fora dos arraiais evangélicos são dotados de modelos espirituais mais pertinentes para a atual conjuntura dos nossos tempos. Uma espiritualidade integradora.

5.2.09

O PULSAR DA VIDA

Uma homenagem ao Fred (recém-nascido) e seus pais, Evanice e Sérgio

Quando surge a vida? Perguntar pelo surgimento da vida é o mesmo que perguntar pelo surgimento do universo. Ele esta acima de nossas cabeças e muitos não fazem idéia de como ele é. É por isso que os cientistas estudam e observam o universo há anos, na tentativa de entendê-lo. É coisa grandiosa, gigantesca que muitos não fazem idéia de como funciona. E a vida, de onde vêm?

O nascimento da vida é coisa impressionante. Não é minha pretensão dar aula de biologia, mas observar algumas coisas.

Vinte e quatro cromossomos do pai e vinte e quatro da mãe. É coisa minúscula aos olhos. Como se estivessem dançando, o núcleo da célula originária começa um processo de divisão: em duas, em quatro, em oito e finalmente em milhões de células. Juntos, cromossomos e células se dividem igualmente permitindo assim que todas as células no novo ser levem consigo o número idêntico de cromossomos. Essas células começam a se diferenciar como se cada uma soubesse exatamente o que esta fazendo, e no grande baile da vida começam a formar órgãos e tecidos diferentes. Ninguém sabe como isso acontece e nem como é feito, pois no início cada célula tem o mesmo potencial para ser qualquer coisa no novo ser, mas por alguma razão, que não tem explicação, uma forma o estômago e outras o cérebro e assim por diante. É a vida.

Lá pelo segundo mês de gestação a vida com seus frágeis músculos, provocam contrações e puxões. Nos próximos meses seu corpinho irá se desenvolver e a sua sensibilidade visual, juntamente com o aparelho auditivo, se darão na última fase de gestação. O pulsar da vida interrompe o silêncio com um choro provocado pelo ar em seus informes pulmões.

A vida é dádiva de Deus. Cuidar da vida é responsabilidade humana.

A nossa geração esta acostumada a banalizar a vida. Cenas de violência e guerra urbana não causam mais espanto; a vida é tratada cada vez mais com desprezo e intolerância. As relações pessoais são marcadas pelo interesse financeiro. As pessoas há muito tempo perderam a noção de existência.

Educar uma criança neste mundo caótico requer atenção dobrada. Os padrões educacionais não são os mesmos. A educação dos pais não é a mesma dos filhos, e nem adianta impor um regime antigo porque os tempos de fato mudaram. A mudança de comportamentos não deve ser pretexto para agir com pessimismo, alegando que as coisas estão ruins mesmo e nunca irá mudar. Se fosse assim a Igreja de Cristo não teria mais razão de ser.

O desafio dos pais é coadunar educação com amizade; disciplina com companheirismo; autoridade com amor. Não estamos mais na época de reproduzir padrões retrógados, mas criar novos paradigmas educacionais. O filósofo inglês John Locke ensinava que as pessoas aprendiam com a experiência, o conhecido método empirista. Para Locke o ser humano vem ao mundo como uma folha em branco, cabendo a ele a escrita de sua história. É claro que o ambiente vivencial de uma criança contribui e muito para a formação de seu caráter e dignidade, mas os pais são os primeiros a escrever a história de uma criança.

Ajudem seus filhos a escrever uma história de amor, carinho, companheirismo e dignidade humana. Principalmente uma história que coloque Deus como co-autor.