Uma mera
abordagem da fé em Calvino e Paulo
Quando
Calvino fala sobre fé nas Institutas,
essa é umas das principais definições: “Um conhecimento firme e certo da benevolência de Deus para conosco, fundada na verdade
da promessa dada gratuitamente em Cristo, revelada a nossas mentes e selada em
nossos corações pelo Espírito Santo”. Nessa definição, fé é tratada como um conhecimento,
mais ainda firme e certo. Conhece à Deus por meio dessa fé que, mediante o Espírito Santo, é
revelada na mente e selada no coração. Para Calvino, portanto, a fé não é uma capacidade humana, ela é obra e realização do Espírito Santo, ou
seja, é um dom sobrenatural do Espírito Santo. Não é algo inato ao ser humano. Antes pode ser uma resposta humana genuína
pela qual os eleitos ingressam na sua nova vida em Cristo.
Ainda
nas Institutas, Calvino afirma: “Nós
só somos levados a Cristo e seu reino, em genuína e verdadeira fé, em virtude do Espírito do Senhor”. Isto
significa que, além de objeto da fé, Deus é também aquele que nos conduz à
mesma. É impossível, de acordo com o pensamento de Calvino, que alguém tenha genuína
fé em Deus, mediante seu Filho, sem que tenha sido conduzido ao mesmo por Deus,
mediante seu Espírito. Nesse sentido não há nenhuma mediação humana para a graça, obviamente. Se houvesse algo assim, o
sistema de Calvino teria dificuldades, quando admitisse que a fé é algo que oriunda do ser humano e que, portanto, é algo inato a qualquer ser humano. É claro que
ele precisa dizer que a fé que tem
como alvo Deus, é o mesmo Deus que a suscita no coração e na mente daquele que,
uma vez predestinado, foi eleito para ser salvo.
Os
intérpretes de Calvino, quando colocados diante da perspectiva de fé em Paulo, gostam de utilizar a
expressão “Espírito da fé”. Assim, no sistema de Calvino, a fé é dada por Deus a quem ele deseja.
Isto é, ela tem origem não no homem, mas no Criador. A fé, na perspectiva calvinista,
não é fruto do esforço humano, não deriva das capacidades inatas do homem em
crer piamente em algo. Tampouco decorre de alguma habilidade adquirida e
desenvolvida ao longo da vida de quem quer que seja. Para Calvino, a verdadeira
fé só existe quando decorre de Deus,
que além de ser seu autor, é o seu objeto maior.
Está
claro que para Calvino e seus intérpretes, a fé não pode, em hipótese alguma, ser algo do ser humano. É Deus que
espera fé nele e, ele mesmo, concede
essa fé para que o eleito creia nele.
O ciclo é fechado em Deus e não há possibilidade de abertura. Nesse sistema fé é sinônimo de eleição, não há uma sem a outra. Para o sistema de Calvino, isso é
perfeito. Não há problema algum.
Quando
olhamos a fé pela perspectiva paulina, encontramos dificuldades com o
sistema calvinista. Primeiramente a fé que
Paulo trata está ligada dialeticamente à
Lei. Os seus maiores embates em torno do tema (fé) foi em relação à Lei e, como decorrência disso, a salvação não
pela Lei, mas pela graça. Por essa
razão, o uso de Abraão por Paulo em Romanos. Em Gálatas o maior problema de
Paulo será com a Lei versus fé em Cristo. Outra questão, a fé, em Paulo, está ligada à Cristo e
não, necessariamente, à Deus (Rm 3,22-25). Isso está tão claro em Romanos, que
Paulo liga a fé à graça (4,16).
Quando
trata da fé e o Espírito Santo, ponto
que Calvino acentua, Paulo pergunta em Gálatas: “Será em virtude da prática da
lei que recebestes o Espírito, ou por terdes escutado a mensagem da fé?”. A fé é pré-requisito para a presença do Espírito
Santo e não o contrário (Gl 3,13-14). Se o Espírito é recebido pela fé, onde será que fica a fé? Obviamente a fé não é algo meritório pela qual o Espírito Santo é recebido, mas
também não é nula da participação humana. Por essa razão que a fé não é algo imutável, antes ela (a fé) precisa crescer, desenvolver.
É
claro que Calvino e seu sistema doutrinário tem a necessidade, como todo e
qualquer sistema que tem na doutrina o seu ponto de início e fim, de fechar a questão. Os sistemas
doutrinários estão aí para dizer o que é Deus
e o que ele não é. Nesse sentido, a fé não
é outra coisa senão um ponto dentro
de um sistema que emudece a voz e a consciência.
Continuar a
leitura...
MORRIS, Leon. “Fé”. In:
HAWTHORNE, Gerald F. et. al. (Orgs.). Dicionário
de Paulo e suas cartas. São Paulo: Vida Nova/Paulus/Loyola, 2008, p.
536-543.
BARTH,
Karl. “A eleição de Deus em graça”. In:
BARTH, Karl. Dádiva e
louvor.
3ª ed. São Leopoldo: Sinodal, 2006, p. 237-255.
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