9.12.16

ESSA TAL AUTONOMIA...

Uma reação ao artigo de Lourenço Stelio Rega

Vez ou outra o assunto surge nos meios de comunicação da Denominação, especialmente no “O Jornal Batista – CBB”. A autonomia da Igreja Local e sua relação com a Denominação. Essa relação, defendida por uma grande maioria, se dá a partir da cooperação denominacional. Há quem não goste muito dessa “tal autonomia” e propaga uma espécie de “intervenção” denominacional na Igreja Local quando julga necessária, com ou sem consentimento. Como o sistema batista se fundamenta em alguns Princípios, isso não seria possível, mesmo com manobras estatutárias, dando uma impressão de que a Denominação dispõe de certos mecanismos de ingerência na Igreja Local.

Bom, dessa vez o pastor Lourenço Stelio Rega (Doutor em Ciência da Religião pela PUC-SP e Diretor Geral da Faculdade Teológica Batista de São Paulo), na sua coluna semanal no “O Jornal Batista – CBB”, traz o assunto quanto a autonomia da Igreja Local e sua interdependência (11.12.2016 – Estudos sobre a igreja (15): a igreja como comunidade autônoma e interdependente). É sempre bom tocar nesse assunto, principalmente porque há uma necessidade de se compreender os fundamentos da tradição batista quanto ao seu modo de subsistência.

Com o intuito de ampliar o debate, porque esse deve ser um dos principais anseios de um autor, algumas questões chamam atenção no texto de Rega:

- O autor fundamenta a autonomia da Igreja Local a partir do Novo Testamento e para isso dá inúmeras referências, principalmente no livro de Atos dos Apóstolos;
- Chama atenção para a tarefa cooperativa, presente na realidade das igrejas primitivas neotestamentária, sendo uma necessidade premente para a continuação de projetos comuns às igrejas hoje;
- Procura dissuadir da ideia de que “autonomia” é sinônimo de “independência”. Para isso, lembra do trabalho de Edgar Morin como um dos principais teóricos da Teoria da Complexidade. Trazendo o filósofo francês, o autor quer dar balizamento filosófico ao que está propondo, ou seja, dizendo que no atual contexto o isolamento traz malefícios e não benefícios ao todo.

A partir disso, o autor traz a figura da Convenção, dando a entender que não se trata apenas da Convenção Batista Brasileira (nível nacional), mas também da Convenção Estadual (nível regional), quanto a relação autonomia e interdependência (lê-se autonomia da Igreja Local e interdependência com a Convenção).

Com isso, o autor explicita: “A Convenção é a solução que as nossas Igrejas Batistas têm para a realização das nossas aspirações comunitárias”. Será mesmo? Se pensarmos no aspecto missionário nas esferas mundial e nacional, isso pode se configurar uma realidade, uma vez que a atividade missionária no contexto batista tem um forte apelo. Mas quando o autor traz “aspirações comunitárias” ele não pode estar falando apenas no aspecto da Igreja Local, uma vez que a Convenção não se projeta para dentro dos muros de uma Igreja Local, mas sim para além dos seus muros. Se for assim, essa afirmação de que ela (a Convenção) é “realização das nossas aspirações comunitárias” não se sustenta. É sabido que há igrejas com uma autonomia financeira e logística que realizam trabalhos voltados para o seu contexto imediato (bairro, cidade e estado e, até mesmo, países) que, em nada, dependem de recursos da Convenção. O contrário é perceptível: são essas igrejas que, cooperantes, sendo que algumas não são, sustentam projetos denominacionais financeiramente. Além disso, não é novidade alguma, que a administração das convenções, como também da CBB, enfrenta dificuldades financeiras por, entre outros fatores, má gestão e decisões equivocadas em conselhos e reuniões deliberativas que formam um painel de discussões sem objetivos claros e previamente definidos.

O autor não menciona, em relação as igrejas do Novo Testamento, de que a cooperação acontecia entre igrejas. Portanto, não havia um controle exercido por algum centro homogêneo como quer ser as instituições. Não por acaso que as igrejas neotestamentárias enfrentaram conflitos quanto a gerência eclesiástica. Por essa razão, os batistas não dispõem de um órgão centralizador hierárquico que detém o poder de decisão monocrático.

Infelizmente a Convenção insiste em ser “Igreja”, não sendo. Ela se constitui em uma organização para-eclesiástica. A rigor ela não deveria possuir nem mesmo uma Declaração Doutrinária, mesmo com o discurso de que expressa a “vontade” da maioria dos batistas brasileiros. Como bem frisa o autor, “não podemos aplicar à Convenção e a toda sua estrutura princípios eclesiológicos que, por sua própria origem e natureza, só podem ser aplicados à Igreja Local”. Mas na prática não é isso que se verifica. Ela funciona como uma “Grande Igreja” que detém o controle do discurso correto seja ele doutrinário, moral ou político, entendendo que cabe a ela (a Convenção) decidir quem fica e quem sai. Mesmo a Filosofia da CBB dizendo qual é a sua real finalidade, ou seja, a “Convenção Batista Brasileira resulta da reflexão que os batistas brasileiros fazem sobre os princípios bíblicos que sustentam a existência, a natureza e os objetivos da Convenção, como entidade que: (a) Promove o inter-relacionamento fraterno e cooperativo das igrejas a ela associadas; (b) Apoia o fortalecimento e a multiplicação das igrejas; (c) Se interessa pelo progresso e crescimento espiritual e social dos membros das igrejas; (d) Respeita a autonomia das igrejas cooperantes; (e) Administra zelosamente as entidades e instituições que cria, às quais atribui a execução de seus objetivos, programas e determinações; (f) Obedece aos padrões bíblicos de relacionamento com a sociedade, o Estado e outras igrejas”. Essas deveriam ser suas exclusivas razões. É importante salientar de que a Declaração Doutrinária não está elencada na abertura do texto-base da “Filosofia da CBB”.

O autor, que vem se especializando em “Planejamento Estratégico” em relação à Convenção, aliás, tema que trabalha desde a década de 1990, é enfático em afirmar que “os princípios que temos que aplicar a esta estrutura, portanto, localizam-se no campo da gestão estratégica e não no campo eclesiológico, mesmo porque os Batistas não têm uma hierarquia eclesiástica”. Seria salutar se isso fosse comprobatório! Se a Convenção quer ser a mobilização das igrejas com estratégias definidas, ela não pode insistir em ser “Igreja”. Se o alcance da Convenção não chega ao “campo eclesiológico”, a sua função não contempla a pretensão de “fiscalizar” e “punir” igrejas que não estejam dentro da sua idealização de “Igreja”, cabendo outros fóruns e espaço para isso, sempre tendo a reflexão bíblica e os Princípios Batistas como mecanismo legitimador de diálogo e cooperação.

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