Uma
reação ao artigo de Lourenço Stelio Rega
Vez ou outra o assunto surge nos meios
de comunicação da Denominação, especialmente no “O Jornal Batista – CBB”. A
autonomia da Igreja Local e sua relação com a Denominação. Essa relação, defendida
por uma grande maioria, se dá a partir da cooperação denominacional. Há quem
não goste muito dessa “tal autonomia” e propaga uma espécie de “intervenção”
denominacional na Igreja Local quando julga necessária, com ou sem consentimento. Como o sistema batista
se fundamenta em alguns Princípios, isso não seria possível, mesmo com manobras
estatutárias, dando uma impressão de que a Denominação dispõe de certos mecanismos de ingerência na Igreja Local.
Bom, dessa vez o pastor Lourenço Stelio
Rega (Doutor em Ciência da Religião pela PUC-SP e Diretor Geral da Faculdade
Teológica Batista de São Paulo), na sua coluna semanal no “O Jornal Batista –
CBB”, traz o assunto quanto a autonomia da Igreja Local e sua interdependência
(11.12.2016 – Estudos sobre a igreja (15): a igreja como comunidade autônoma e interdependente). É sempre bom tocar nesse assunto, principalmente porque há
uma necessidade de se compreender os fundamentos da tradição batista quanto ao seu modo de subsistência.
Com o intuito de ampliar o debate,
porque esse deve ser um dos principais anseios de um autor, algumas questões
chamam atenção no texto de Rega:
- O autor fundamenta a autonomia da
Igreja Local a partir do Novo Testamento e para isso dá inúmeras referências,
principalmente no livro de Atos dos Apóstolos;
- Chama atenção para a tarefa
cooperativa, presente na realidade das igrejas primitivas neotestamentária,
sendo uma necessidade premente para a continuação de projetos comuns às igrejas
hoje;
- Procura dissuadir da ideia de que “autonomia”
é sinônimo de “independência”. Para isso, lembra do trabalho de Edgar Morin
como um dos principais teóricos da Teoria da Complexidade. Trazendo o filósofo
francês, o autor quer dar balizamento filosófico ao que está propondo, ou seja, dizendo
que no atual contexto o isolamento traz malefícios e não benefícios ao todo.
A partir disso, o autor traz a figura da
Convenção, dando a entender que não se trata apenas da Convenção Batista Brasileira
(nível nacional), mas também da Convenção Estadual (nível regional), quanto a
relação autonomia e interdependência (lê-se autonomia da Igreja Local e interdependência
com a Convenção).
Com isso, o autor explicita: “A
Convenção é a solução que as nossas
Igrejas Batistas têm para a realização das nossas aspirações comunitárias”.
Será mesmo? Se pensarmos no aspecto missionário nas esferas mundial e nacional,
isso pode se configurar uma realidade, uma vez que a atividade missionária no
contexto batista tem um forte apelo. Mas
quando o autor traz “aspirações comunitárias” ele não pode estar falando apenas
no aspecto da Igreja Local, uma vez que a Convenção não se projeta para dentro
dos muros de uma Igreja Local, mas sim para além dos seus muros. Se for assim,
essa afirmação de que ela (a Convenção) é “realização das nossas aspirações
comunitárias” não se sustenta. É sabido que há igrejas com uma autonomia
financeira e logística que realizam trabalhos voltados para o seu contexto
imediato (bairro, cidade e estado e, até mesmo, países) que, em nada, dependem
de recursos da Convenção. O contrário é perceptível: são essas igrejas que,
cooperantes, sendo que algumas não são, sustentam projetos denominacionais
financeiramente. Além disso, não é novidade alguma, que a administração das convenções,
como também da CBB, enfrenta dificuldades financeiras por, entre outros
fatores, má gestão e decisões equivocadas em conselhos e reuniões deliberativas
que formam um painel de discussões sem objetivos claros e previamente
definidos.
O autor não menciona, em relação as igrejas
do Novo Testamento, de que a cooperação acontecia entre igrejas. Portanto, não havia um controle exercido por algum
centro homogêneo como quer ser as instituições. Não por acaso que as igrejas
neotestamentárias enfrentaram conflitos quanto a gerência eclesiástica. Por essa
razão, os batistas não dispõem de um órgão
centralizador hierárquico que detém o poder
de decisão monocrático.
Infelizmente a Convenção insiste em ser “Igreja”,
não sendo. Ela se constitui em uma organização para-eclesiástica. A rigor ela não deveria possuir nem mesmo uma Declaração Doutrinária, mesmo com o
discurso de que expressa a “vontade” da maioria dos batistas brasileiros. Como bem frisa o autor, “não podemos aplicar
à Convenção e a toda sua estrutura princípios eclesiológicos que, por sua
própria origem e natureza, só podem ser aplicados à Igreja Local”. Mas na
prática não é isso que se verifica. Ela funciona como uma “Grande Igreja” que
detém o controle do discurso correto seja ele doutrinário, moral ou político,
entendendo que cabe a ela (a Convenção) decidir quem fica e quem sai. Mesmo a
Filosofia da CBB dizendo qual é a sua real finalidade, ou seja, a “Convenção
Batista Brasileira resulta da reflexão que os batistas brasileiros fazem sobre
os princípios bíblicos que sustentam a existência, a natureza e os objetivos da
Convenção, como entidade que: (a) Promove o inter-relacionamento fraterno e
cooperativo das igrejas a ela associadas; (b) Apoia o fortalecimento e a
multiplicação das igrejas; (c) Se interessa pelo progresso e crescimento
espiritual e social dos membros das igrejas; (d) Respeita a autonomia das
igrejas cooperantes; (e) Administra zelosamente as entidades e instituições que
cria, às quais atribui a execução de seus objetivos, programas e determinações;
(f) Obedece aos padrões bíblicos de relacionamento com a sociedade, o Estado e
outras igrejas”. Essas deveriam ser suas exclusivas razões. É importante
salientar de que a Declaração Doutrinária não está elencada na abertura do
texto-base da “Filosofia da CBB”.
O autor, que vem se especializando em “Planejamento
Estratégico” em relação à Convenção, aliás, tema que trabalha desde a década de 1990, é enfático em afirmar que “os princípios que temos que aplicar a
esta estrutura, portanto, localizam-se no campo da gestão estratégica e não no
campo eclesiológico, mesmo porque os
Batistas não têm uma hierarquia eclesiástica”. Seria salutar se isso fosse comprobatório!
Se a Convenção quer ser a mobilização das igrejas com estratégias definidas,
ela não pode insistir em ser “Igreja”. Se o alcance da Convenção não chega ao “campo
eclesiológico”, a sua função não contempla a pretensão de “fiscalizar” e “punir”
igrejas que não estejam dentro da sua idealização de “Igreja”, cabendo outros
fóruns e espaço para isso, sempre tendo a reflexão bíblica e os Princípios Batistas como mecanismo
legitimador de diálogo e cooperação.
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