A
Convenção Batista Brasileira (CBB) está promovendo uma revisão na sua Declaração Doutrinária de 1986. A fim de ter a
participação de membros de Igrejas Batistas filiadas à CBB, a mesma está
solicitando sugestões para o texto
doutrinário. É claro que a palavra final
será dada por uma comissão que tem o poder
do veto, fazendo uma análise sistematizadora
com o intuito de avaliar a possibilidade, ou não, de agregar ao texto
doutrinário a sugestão enviada.
A
Declaração Doutrinária da CBB de 1986
surgiu depois que os batistas brasileiros
se viram diante do fenômeno do movimento carismático da década de 1960-1980. Diante
disso, se apressaram na formulação de uma Declaração
Doutrinária que protegesse o grupo de possíveis desvios, como foi o caso da “doutrina do Espírito Santo”. Até então,
estava em vigor “A Confissão de Fé dos Batistas Brasileiros”, toda baseada na “Confissão
de Fé de New Hampshire”, adotada pela CBB em 1916 por influência de Zacarias
Taylor que colocara a Confissão de New
Hampshire como norma doutrinária
para a sua igreja local, apenas.
À
época, a CBB entendeu que alterando o texto doutrinário era o mesmo que se
proteger de problemas futuros. Não se tratava de uma preocupação comunitária,
mas doutrinária-ideológica com o claro objetivo de preservar o grupo maior,
dando a ele um aspecto de pureza
teológica.
Essa
nova proposta da CBB em alterar o texto doutrinário (Declaração Doutrinária da CBB de 1986), se dá no mesmo modus operandi das décadas de 1960-1980,
ou seja, se proteger dos novos desvios
que surgiram nos últimos anos entre os batistas como, por exemplo, o
aparecimento de apóstolos como um título
supremo de autoridade conferido por um colégio “apostólico” externo à
denominação; ameaças de caráter legislativo quanto à configuração da família
nuclear; a ordenação de mulheres ao ministério pastoral; a discussão quanto ao
recebimento ou não de homossexuais como membros. Apenas para mencionar alguns
temas, embora tenha suspeitas de que este último seja o principal motivo para
tal revisão, uma vez que a CBB
percebeu que a sua decisão excludente no caso da Igreja Batista do Pinheiro (Maceió/AL), não encontra legitimidade teológica e política diante
da atual Declaração Doutrinária.
Para
aqueles que conhecem a tradição batista,
não é necessário lembrar de que os batistas,
na sua gênese, tiveram dificuldades em produzir tratados de fé. Alberto Yamabuchi,
quando olha para a origem dos batistas, é contundente em afirmar que “os batistas tendem a desprezar até mesmo a
formulação oficial de credos, confissões ou declarações de fé” (1). Mesmo com essa característica, os batistas produziram declarações doutrinárias a fim de estabelecer certa coesão na
tentativa de preservar a identidade denominacional (2). Assim, a pluralidade é
contestada por um discurso teológico com pretensões hegemônicas, reivindicando
uma narrativa sem aberturas para o contraditório, é o caso, novamente, do que
agora está se chamando de revisão da
atual Declaração Doutrinária.
A pluralidade é uma marca do movimento batista. Mesmo os missionários norte-americanos
tendo o domínio da narrativa de fundação, os batistas brasileiros não se submeteram, em sua minoria, ao discurso
colonizador produzido e sustentado pelos missionários. Pelo contrário, “a
diversidade e as divergências se constituíram o centro dessa denominação” (3).
Antes
de ser uma reflexão bíblica e teológica que responda aos anseios da comunidade
(embora não tenha conhecimento de que alguma Declaração ou Confissão
tenha essa dimensão), a Declaração
Doutrinária da CBB pretende ser um mecanismo institucional, a fim de ser o principal
instrumento demarcatório de posições entre
os batistas brasileiros. Mesmo que
essa atual sofra alterações, como de fato irá acontecer, a Declaração Doutrinária da CBB não detém o controle da pluralidade entre
os batistas brasileiros, mesmo
havendo vozes que falam pela instituição, afirmando que a Declaração Doutrinária da CBB é “o documento que expõe o que os batistas brasileiros creem” (4). Afirmações como essa, ferem o princípio da liberdade entre os batistas,
onde nem todos se veem contemplados em suas posições teológicas no documento. A
Declaração Doutrinária da CBB, não funciona,
precisamente, como um mecanismo de uniformidade
doutrinária. Antes os princípios
são cotados como fundamentais para o modo
de ser batista e não o sistema
doutrinário, uma vez que os batistas
não têm, na sua história, “nenhum credo ou confissão que possa ser considerado
como definitivo para a maioria dos batistas”
(5).
A existência
da CBB se expressa na sua “Filosofia”, quando diz: “Convenção Batista Brasileira resulta da reflexão que os batistas
brasileiros fazem sobre os princípios bíblicos que sustentam a existência, a
natureza e os objetivos da Convenção, como entidade que: (a) Promove o
inter-relacionamento fraterno e cooperativo das igrejas a ela associadas; (b)
Apoia o fortalecimento e a multiplicação das igrejas; (c) Se interessa pelo
progresso e crescimento espiritual e social dos membros das igrejas; (d) Respeita
a autonomia das igrejas cooperantes; (e) Administra zelosamente as entidades e
instituições que cria, às quais atribui a execução de seus objetivos, programas
e determinações; (f) Obedece aos padrões bíblicos de relacionamento com a
sociedade, o Estado e outras igrejas”. Essas deveriam ser suas exclusivas razões.
É importante salientar de que a Declaração
Doutrinária não está elencada na abertura da “Filosofia da CBB”.
Quando a CBB propõe alterar/revisar o texto doutrinário, levando em consideração os
últimos acontecimentos em que se envolveu, outra tentativa não é, senão, se
municiar contra possíveis imprevistos que decorrem da natureza do
sistema batista, ou seja, a liberdade (com todas as ambiguidades e
implicações que a palavra, naturalmente, abriga). Assim, outra coisa não seria
do que reafirmar o discurso de pureza,
com o intuito de demarcar fronteira ad
intra, delimitar abordagens, configurar enrijecimentos para um futuro que,
inevitavelmente, indica dois caminhos: abertura ou fechamento diante do real e
suas dimensões comunitárias.
Por trás dessa revisão
no texto doutrinário, está, mais uma vez, a tentativa de marcar uma postura
de pureza doutrinária. É Zygmunt Bauman
que sintetiza as reais intenções de um discurso que reivindica a pureza como elemento de confronto: “A pureza é uma visão das coisas colocadas
em lugares diferentes dos que elas ocupariam, se não fossem levadas a se mudar
para outro, impulsionadas, arrastadas ou incitadas; é uma visão da ordem – isto é, de uma situação em que
cada coisa se acha em seu justo lugar e em nenhum outro” (6).
Seria otimismo ingênuo esperar que a CBB, em sua revisão do texto doutrinário, não ignore
a conjuntura social e seus desafios comunitários, políticos, teológicos e
sociais que tem mais a ver com vida do
que, propriamente, com texto doutrinário?
O futuro dirá...
Notas
(1) YAMABUCHI, Alberto Kenji. O debate sobre a história das origens do
trabalho batista no Brasil: uma análise das relações e dos conflitos de
gênero e poder na Convenção Batista Brasileira dos anos 1960-1980. Tese de
Doutorado. (Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade
Metodista de São Paulo). São Bernardo do Campo: UMESP, 2009, p. 106.
(2) SILVA, Roberto do Amaral. Princípios e doutrinas dos batistas: os
marcos de nossa fé. 2ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 2007, p. 26.
(3) ARAÚJO, João Pedro Gonçalves. Batistas: dominação e dependência. São
Paulo: Fonte Editorial, 2015, 109.
(4) FERREIRA, Ebenézer Soares.
Explicações sobre a declaração doutrinária da CBB. In: FERREIRA, Ebenézer
Soares (Org.). Comentários à declaração
doutrinária da Convenção Batista Brasileira. Rio de Janeiro: Tempo de
Colheita, 2009, p. 9.
(5) HEWITT, Martin D. Raízes da tradição batista. São
Leopoldo: IEPG, 1993, p. 11.
(6) BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de
Janeiro: Zahar, 1998, p. 14.
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