Jorge Pinheiro dos Santos
Pastor
auxiliar na Igreja Batista em Perdizes (SP); Professor na Faculdade Teológica
Batista de São Paulo
A teologia da eleição
Há teologias, como a calvinista, que olham esta
questão difícil da eleição a partir do infinito, de cima,
exclusivamente. E há outras teologias, como a arminiana, que olham esta questão
difícil da eleição apenas a partir do finito, de baixo.
Mas há uma outra maneira de olhar a questão da
eleição, a partir da humildade do reconhecimento que estamos diante de um
cruzamento do divino com o humano, do infinito com o finito, daquilo que está
em cima com aquilo que está em baixo. E é exatamente esta perspectiva, humilde,
bíblica e, por isso, doutrinária que orienta o pensamento batista nesta difícil
questão.
A teologia da eleição
segundo Lutero
Para entendermos a teologia da eleição no
calvinismo e no arminianismo temos que começar a partir da visão de Lutero. A
compreensão de Lutero tem por base a sua leitura da Carta de Paulo aos Romanos,
e a partir daí de sua teologia da cruz. Segundo Walther von Loewenich, um
especialista na vida e obra do reformador alemão, “a teologia da cruz é o
princípio de toda a teologia de Lutero. Ela não pode ser limitada a um período
particular de sua teologia”. (1) Nessa teologia, Deus vem
até aqui embaixo e a expiação acontece quando Deus chega até o ser humano, que
vive sob a ira da lei. Deus é satisfeito, aplacado, quando o movimento divino
em direção ao humano resulta em fé. Ocorre, então, uma “alegre troca”:
Jesus toma a natureza pecaminosa e entrega ao ser humano sua vida justa e
imortal. E nessa teologia da cruz de Lutero está embutida a primeira
compreensão que a Reforma fez da eleição de Deus.
Dessa maneira, para o reformador, o caminho cristão
começa com o ato de ouvir o Evangelho, com o reconhecimento de nosso pecado,
mas também da graça de Deus, em Cristo, derramado sobre nós. Continua no correr
de nossa vida com a luta contra o pecado e, finalmente, quando debaixo da
sombra da cruz e do sofrimento, é a providência de Deus, manifesta na
eternidade, através da eleição, que garante a esperança e nos dá conforto.
A teologia da eleição
segundo Calvino
Calvino partiu dos mesmos textos de Lutero,
principalmente da Carta de Paulo aos Romanos, mas inverteu a maneira de ver de
Lutero. Se para Lutero, o ser humano não tem como discutir e mergulhar na
compreensão da soberania de Deus e teologizar sobre ela e, por isso, a eleição
deve ser vista como garantia de nossa esperança, principalmente nos momentos de
dificuldades e sofrimentos, para Calvino a base da vida cristã é a escolha
eterna de Deus. Assim, na teologia, não seria fim, mas começo e centralidade.

Segundo o teólogo batista Timothy George, (2) a doutrina da predestinação em
Calvino pode ser definida em três palavras: absoluta, particular e dupla. É
absoluta já que não está condicionada a nenhuma contingência finita, é
particular no sentido que pertence a indivíduos e não a grupos. E, por fim, é
dupla: Deus, para o louvor de sua misericórdia, elegeu uns para a vida eterna,
e, para o louvor de sua justiça, outros para a perdição eterna.
A posição de Calvino, quando relaciona eleição e
salvação, pode ser traduzida no seguinte silogismo: (1) A certeza da salvação
depende do decreto eterno de Deus; (2) aqueles que creem foram escolhidos
por Deus desde a eternidade; (3) se eu creio, logo serei salvo, porque fui
escolhido.
A historiografia dos séculos 16 e 17 mostra que a
doutrina da predestinação absoluta defendida por Calvino enfrentou séria
oposição não somente nos meios teológicos, mas de pastores e crentes. Entre
esses opositores podemos citar Erasmus, o movimento anabatista e dois
fundadores do pensamento batista na Inglaterra: John Smyth e Guilherme Dell. Mas,
historicamente, seu opositor mais conhecido foi Jacobus Arminius.
A teologia da eleição
segundo Arminius
Já a doutrina da predestinação defendida por
Jacobus Arminius (1560-1609) parte de
uma perspectiva diferente: o papel da graça diante da depravação humana, a
eleição condicional, a graça resistível, a expiação não limitada – Cristo
morreu por todos – e a possibilidade de perda da salvação. Assim, para o
arminianismo a eleição é condicionada pela fé.
Segundo Arminius, Deus em seu decreto escolheu seu
Filho como Salvador para mediar a favor daqueles pecadores que se arrependem e creem
em Cristo, e para administrar os meios eficientes e eficazes para a fé de cada
um deles. Assim, para ele, Deus decreta a salvação e a perdição de pessoas em
particular com base na onisciência divina da fé e perseverança de cada
indivíduo.
A doutrina batista sobre
eleição
A partir do que vimos, podemos dizer que existem
três tendências no pensamento teológico em relação à doutrina da eleição, em
especial à tensão existente entre a soberania de Deus e a liberdade de
consciência e ação e ao uso pleno da razão por parte do ser humano.
A tendência chamada minimalista, que olha a questão
de cima, a partir da soberania de Deus, e nega toda a possibilidade da
liberdade humana, de consciência livre e escolha. A tendência chamada
maximalista, que olha a questão de baixo, a partir de nossa humanidade, e não
vê limitação à possibilidade do ser humano responder de forma livre ao chamado
de seu Criador.
Mas há uma superação dialética dessa contradição,
que defende que o ser humano pode e deve apoiar sua resposta à eleição e ao
chamado de Deus em sua liberdade de ação e consciência, assim como no uso da
razão, embora tal processo deva ter como ponto de partida a revelação. Vamos
analisar, então, o pensamento doutrinário batista:
“Eleição é a escolha feita por Deus, em Cristo,
desde a eternidade, de pessoas para a vida eterna, não por qualquer mérito, mas
segundo a riqueza da sua graça. Antes da criação do mundo, Deus, no exercício
de sua soberania divina e à luz de sua presciência de todas as coisas, elegeu,
chamou, predestinou, justificou e glorificou aqueles que, no correr dos tempos,
aceitariam livremente o dom da salvação. Ainda que baseada na soberania de
Deus, essa eleição está em perfeita consonância com o livre-arbítrio de cada um
e de todos os seres humanos. A salvação do crente é eterna. Os salvos
perseveram em Cristo e estão guardados pelo poder de Deus. Nenhuma força ou
circunstância tem poder para separar o crente do amor de Deus em Cristo Jesus.
O novo nascimento, o perdão, a justificação, a adoção como filhos de Deus, a eleição
e o dom do Espírito Santo asseguram aos salvos a permanência na graça da
salvação”. (3)
Reconhecemos que existe uma tensão entre infinito e
finito, entre o que está em cima e o que está embaixo. Mas, para nós batistas,
a doutrina da eleição é uma síntese, que equilibra a tensão. Dessa maneira,
segundo Sua graça imerecida, Deus opera a salvação em e através de Cristo, de
pessoas eleitas desde a eternidade, chamadas, predestinadas, justificadas e
glorificadas à luz de Sua presciência e de acordo com o livre arbítrio de cada
um e de todos [Veja os seguintes textos: 1Pe
1.2; Rm 9.22-24; 1Ts 1.4; Rm 8.28-30; Ef 1.3-14].
E assim a doutrina batista
apresenta seus quatro pontos: (1) Todos são eleitos; (2) Deus opera a salvação em e através de
Cristo pelo favor imerecido de sua graça; (3) Deus é pré-ciente; (4) De
acordo com o livre-arbítrio, desde a eternidade, Deus elege, chama, predestina,
justifica e glorifica.
Nós batistas entendemos que salvação implica em
regeneração, que é ato inicial em que Deus faz nascer de novo o pecador
perdido. É obra do Espírito Santo, quando o pecador recebe o perdão, a
justificação, a adoção de filho de Deus, a vida eterna e o dom do Espírito
Santo. Neste ato de regeneração, o novo crente é batizado com o Espírito Santo
e é por ele selado para o dia da redenção final, liberto do castigo eterno de
seus pecados.
Assim, a partir da consistência ontológica do ser humano,
somos levados à necessidade de uma análise antropológica para a teologia.
Quando descartamos a reflexão sobre o ser humano a quem Deus fala, temos um
discurso meramente ideológico, distanciado do homem e da mulher verdadeiros e
da realidade em que vivem e transformam. Temos, então, um ser humano-mito, onde
os fatos natural e histórico transformam-se em alegoria.
O pressuposto fundamental dessa reflexão
antropológica para a teologia é a imago Dei, que traduz a verdade
de que a compreensão de Deus, através de seu Cristo, leva à compreensão do ser
humano e de sua razão de existir.
Nesse sentido, por mais decaído que esteja o ser
humano, ainda lhe resta a liberdade de consciência necessária para aceitar ou
não esse diálogo proposto pelo Criador.
Por isso, nós batistas consideramos que a missão do
povo de Deus é a evangelização do mundo, visando a reconciliação do ser humano
com Deus. É dever de todo discípulo de Jesus Cristo e das igrejas proclamarem,
pelo exemplo e pelas palavras, a realidade do evangelho, fazendo novos
discípulos de Jesus Cristo em todas as nações.
Notas
(1) Walther von Loewenich. A teologia da cruz de Lutero. São
Leopoldo: Sinodal, 1988, p. 11-12.
(2) Timothy George. Teologia
dos reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 232.
(3) Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira. “Eleição”. In: Rumo e Prumo, Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, Seção São
Paulo, dez. 2004, p. 26.
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