O
preletor toma a palavra e, diante de um auditório diversificado em termos de “conteúdo”
teológico, abre a sua fala dizendo: “há duas grandes forças que atrapalham a
igreja de hoje, o liberalismo teológico e a pós-modernidade”. O tema da
preleção era: “A igreja e o mundo contemporâneo”. Julguei que o preletor, no
mínimo, pudesse dominar os conceitos de que estava disposto a falar, mas logo
ficou patente de que apenas reproduzia o que outros já falaram, ficando
evidente que nem ao menos leu os autores que estava se propondo a criticar.
Quando
se coloca que há “forças” contrárias à igreja, fica subtendido que há uma “disputa”
por espaços, para usar uma metáfora da física, ou seja, há o atrito que para acontecer é preciso haver
um “corpo em repouso” e um “corpo em movimento”. Nesse caso não se sabe se é a
igreja que está em repouso (o que pode ser comprovado em alguns temas) ou se é
a sociedade que está em movimento e, por consequência, haveria uma espécie de atrito com a igreja e sua tranquilidade celestial.
Uma
dessas “forças”, na concepção do palestrante, é o liberalismo teológico. Regra geral para se rotular um liberal é quando alguém não está de concordo
com alguma doutrina presente na teologia
sistemática de tendência conservadora, assim é “tachado” de liberal. O liberal é alguém que não acredita na Bíblia, dizem... É alguém que
não prega expositivamente a Bíblia, é alguém que não “planta” igreja e muito
menos investe em missões, porque tudo isso é coisa de “fundamentalista”, liberal apenas deseja desconstruir o que
se crer e ajudar outras pessoas a “perder a fé”, como se fé, essa dimensão que
faz parte da estrutura antropológica do ser humano, pudesse ser perdida. Quando
há uma disputa quanto a interpretação do texto bíblico, como se este fosse unívoco,
logo o outro que não concordo com a, em geral, literalidade do texto, é um liberal.
Quando
o palestrante traz o nome de Friedrich Schleiermacher (1768-1834) como um dos
pioneiros no movimento do liberalismo
teológico, percebe-se logo que seus apontamentos não eram fruto de uma
leitura do teólogo alemão. Antes de fundamentar os eixos centrais do liberalismo teológico, não foi possível
ouvir as reais motivações do movimento,
que é concomitante com o liberalismo político
(John Locke) e econômico (Adam Smith), ou seja, o liberalismo teológico é filho
de uma época, assim como o fundamentalismo
nos Estados Unidos. Ambos tomam a modernidade
e seus referenciais, principalmente a ciência,
como ponto de diálogo. No caso do fundamentalismo com o objetivo de confrontar os pressupostos do liberalismo teológico. Em outra
vertente, a neo-ortodoxia (Karl
Barth) procurou estabelecer outros pressupostos para o diálogo com a modernidade, diferente do liberalismo teológico e há alguns desavisados que rotulam Barth de liberal.
Outra
“força” contrária à igreja levantada pelo palestrante foi a pós-modernidade.
Havendo
uma gigantesca dificuldade em definir o que seja a “pós-modernidade”, tendo em
vista a discussão entre teóricos quanto o status
do nosso tempo – onde até mesmo alguns alegam que não há condições de nomear –, há uma consciência de que o
termo pós-modernidade não é unânime.
Há quem prefira falar em hipermodernidade
(Gilles Lipovetsky), hiper-realidade
(Jean Baudrillard) e modernidade líquida
(Zygmunt Bauman). Algo concreto, entre os teóricos da cultura, é de que pelo
menos os últimos 100 anos, e mais acentuadamente o final do século passado, tem
sido caracterizado por cosmovisões e comportamentos diferentes do período que
se convencionou chamar de modernidade.
Seria mais fácil colocar a questão como desdobramentos de uma “Nova Cultura”,
um termo que José Comblin faz uso. Quando se assume a pós-modernidade como única chave de leitura da contemporaneidade
corre-se o risco de levantar equivocadas concepções, como aconteceu. Uma delas
foi à ideia de que hoje a sociedade não quer pensar mais, apenas sentir. Uma falácia,
quando se leva em consideração a produção científica e o aumento de estudantes
tendo acesso ao ensino superior.
Quando
o palestrante alega que a sociedade resiste à igreja contemporânea, ele não levou em consideração os últimos censos
do IBGE que apontam o crescimento dos evangélicos
no país em mais de 22,2%.
Faltou
uma abordagem quanto aos sem-igreja que
tem crescido substancialmente e um dos fatores, apontado por pesquisas tem sido
o fundamentalismo. Outro ponto, que
precisava ser abordado, é a influência da teologia
da prosperidade em igrejas históricas.
Pessoas não estão buscando saber quem são os teóricos do liberalismo teológico, elas estão vivenciando uma escatologia sem céu. Dizem: “o melhor desta terra é meu”. Um slogan mais que divulgado no movimento evangélico e suas vertentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário