Decorrente da discussão quanto à aceitação (ou não) do ministério pastoral feminino, está
havendo um profícuo e intenso debate sobre
o tema em nível denominacional. Mesmo que para alguns esse é um assunto superado, ainda é possível verificar a
opinião de pessoas com diferentes enfoques: bíblico-teológico, sociológico e
político.
Como a maioria do debate se dá em torno do papel da mulher em relação ao homem, o tema, por vezes, fica
restrito entre os igualitaristas (que
entende que tanto homem como mulher são iguais, não havendo distinção em termos
de funções ou papéis) e os complementaristas
(que entende que homem e mulher são distintos e cada um desempenha papéis
diferentes). Dentro dessas duas concepções, o texto bíblico é invocado para dar
base tanto ao conceito do igualitarismo como
do complementarismo. Nesse sentido,
os igualitaristas gostam de se
utilizar de textos como Gl 3,28, por exemplo. Já os complementaristas se utilizam de textos onde a figura da mulher é
colocada em segundo plano, em relação ao homem. Aqui os textos de 1Co 14,33b-36
e 1Tm 2,11-15 são os preferidos. Textos que expressam, de maneira contundente,
o comportamento silencioso da mulher no culto.
Em relação aos dois textos usados pelos complementaristas, há um
consenso de que ambos têm dificuldades quanto a uma exegese coerente e que,
portanto, não podem ser taxativos. Em 1Co 14,33b-36 há uma disputa se a
referida passagem é uma glosa ou interpolação ou ainda em que contexto
Paulo está se referindo ao silêncio
uma vez que em 1Co 11,5 as mulheres estão orando
e profetizando. Já em 1Tm 2,11-15
não se pode definir, prontamente, que se trata de todas as mulheres, podendo ser algo para aquelas que foram
seduzidas pelos “falsos ensinos” e se desviaram (1Tm 5,15).
Aqui será dado um outro enfoque, embora os referidos textos e
tantos outros que tocam o assunto de maneira direta ou indiretamente, devam ser
estudados exegeticamente de maneira coerente e com o maior número de
ferramentas disponíveis.
Partindo do pressuposto de que o Novo Testamento (NT) tem a sua
diversidade intrínseca, é notável de que a eclesiologia
de Paulo será diferente da eclesiologia dos Evangelhos e que será diferente da eclesiologia de Hebreus
como também das pastorais. Não é
possível ignorar que na eclesiologia
paulina o foco está nos dons
espirituais e a igreja é composta por profetas.
Também não se pode ignorar que as listas de dons
espirituais em Paulo não há distinção de gênero.
Sendo assim, é impreterível que se considere as diferentes eclesiologias presentes no NT
e como elas se diferem em sua organização. Aqui estabelecemos a diferença entre
a eclesiologia paulina e a eclesiologia nas pastorais.
Na eclesiologia paulina (as
cartas de Paulo apenas) não é possível falar em ordenação (palavra que nem mesmo aparece no NT), porque os apóstolos não foram ordenados (assim como Paulo não foi), eles possuem autoridade devido aos critérios
estabelecidos em Atos 1,21-22 e o próprio Paulo se considera um “fora de tempo”.
A eclesiologia paulina não conhece
uma designação oficial para o ministério pastoral. O que há são pessoas que possuem dons concedidos pelo
Espírito Santo, capacitando pessoas para o serviço
na comunidade. No caso de uma mulher ensinar
ou profetizar na igreja não dava a ela o papel de liderança na comunidade. Isso
pelo fato de que as comunidades paulinas reproduzem o status quo do seu tempo, ou seja, as mulheres não partilhavam dos mesmos
direitos que os homens. Paulo por diversas vezes chama pessoas próximas a ele
na tarefa missionária de
colaboradores e colaboradoras (Rm
16,6 e 12), a sua autoridade apostólica
em nenhum momento é diminuída ou esvaecida.
A eclesiologia
paulina é uma igreja de profetas.
Nas comunidades paulinas o profetismo era o elemento que mantinha a
comunidade em torno de pessoas carismáticas e aptas a dirigir a atividade
eclesial. A ênfase nos dons espirituais se deve pelo fato de que a
comunidade se entendia como iguais em dignidade de todos com todos, por esse
motivo a coesão, incluindo aí a pluralidade em manifestações tão recorrentes
nos textos de Paulo onde ele lista a diversidade dos dons espirituais; era
uma dádiva da manifestação do Espírito Santo. A comunidade é estruturada a
partir do Espírito, ele é o doador da liderança carismático-profética que
dirige a comunidade por meio da distribuição de dons.
Na eclesiologia
das pastorais, a comunidade passa a ser uma instituição e não mais
uma comunidade de iguais, a figura do Espírito Santo passa a ser obnubilada,
não esquecida. Ele deixa de ser um “agente” propagador dos dons espirituais.
O foco agora são os ministérios ordenados.
Por isso a ênfase na imposição de mãos
(1Tm 5,22; 2Tm 1,6).
Entre essas duas concepções quanto à organização
eclesial (dons espirituais – Paulo ou ofício – “pastorais”), fica algumas
perguntas: o ministério pastoral pode
ser enquadrado como um ofício ou ele
ainda depende de alguns dons espirituais para
se realizar? Se ele for entendido como um ofício,
o dom é intrínseco?
Não é tão simples resolver isso.
Ocorre que há no NT duas eclesiologias (as que foram elencadas aqui), em que os dons espirituais são o elemento condutor da comunidade. Em seguida a institucionalização que confere a uma
pessoa a função pastoral.
De qualquer forma, e a que opinião possa ter, não é
sensato ignorar essas duas eclesiologias que
trazem em seu contexto diferentes maneiras de organização comunitária.
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