Indubitavelmente a ressurreição é um dos principais temas do Novo Testamento.
Embora o tema da ressurreição seja controverso, ou seja, não há unanimidade entre os
pesquisadores quanto ao caráter da ressurreição,
tanto entre teólogos católicos quanto protestantes, o tema segue sendo a
principal força do cristianismo como religião. Não por acaso, de maneira
nenhuma, que teólogos de diferentes posicionamentos, se debruçam no tema para
dele fazer hermenêutica, seja a partir da perspectiva bíblica, científica,
filosófica ou religiosa. Uma obra recente que procura tratar do tema, do ponto
de vista histórico-teológico, é a do teólogo inglês N. T. Wright, A ressurreição do Filho de Deus
(Academia Cristã e Paulus).
Ocorre que dentro do Novo Testamento já
exista diversidade interpretativa quanto ao tema da ressurreição. A perspectiva neotestamentária acolhe, por exemplo,
uma representação do ressuscitado em
termos espiritualizante (Paulo), mas também concebe uma representação
materializante (João).
Uma vez a ressurreição se configurando como um tema importante para a fé dos
discípulos, o ser testemunha de tal “ocorrido”
dá ao(s) testemunhador(es) a
possibilidade de alimentar a fé de quem já caminhava com o Nazareno, e tinha nele
a manifestação de Deus, como também dos futuros discípulos.
O ser testemunha da ressurreição se
torna em elemento definidor na vivência comunitária: “a este Jesus Deus
ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas”
(At 2,32).
É dentro desse aspecto, que o testemunho apostólico se tornará
fundamental para a comunidade de fé. Uma das tradições mais antigas da ressurreição,
1Co 15,3-8, traz as testemunhas da ressurreição que consta os apóstolos,
mais de quinhentos irmãos, Tiago e o próprio Paulo, fora de tempo como ele diz.
Testemunhar a ressurreição é algo que todos gostariam de ter experimentado, sem
dúvida, e alguns tiveram essa oportunidade privilegiada. Até porque esse testemunhar será um dos critérios para a
composição do grupo apostólico (At 1,21-22).
Bem, ocorre que as narrativas da ressurreição de Jesus (nos evangelhos sinóticos
e João), mostram que elas foram às
primeiras testemunhas da ressurreição de Jesus (Mt 28,1-8; Mc
16,1-7; Lc 24,1-10; Jo 20,11-18). Todas as narrativas, excetuando Marcos, traz
a informação de que foram elas que
levaram a notícia aos discípulos, e futuramente apóstolos, da ressurreição.
Se o testemunhar
a ressurreição se tornou em um
elemento de fé para a nascente comunidade; se o testemunhar a ressurreição,
mais a frente, se transforma em critério para exercer a liderança na comunidade,
por que as mulheres foram deslegitimadas?
E mesmo Paulo, que foi um “fora de tempo”,
que se configura em liderança notável no cristianismo
nascente, por que as mulheres que testemunham
a ressurreição não foram nem
mesmo mencionadas por ele (1Co 15,3-8)? Calvino, comentando esse texto em 1540,
é específico: “ele não fornece uma lista completa, pois omite as mulheres. Portanto,
quando diz que antes de todos apareceu a Pedro, devemos entender que ele
(Pedro) é o primeiro entre os homens, de modo que a afirmação de Marcos (16,9)
de que Jesus apareceu primeiro a Maria não é de forma alguma inconsistente”.
Aparentemente é um caso típico de
diferentes tradições. Felizmente elas
(as tradições), chegaram até nós de
maneira paralela. Mesmo assim, essa desconformidade com o mesmo fundamento de
fé (a ressurreição), possibilita a
pensar de que as mulheres foram sendo
gradativamente marginalizadas enquanto protagonistas da ressurreição. Esse processo começa com os critérios para substituir
Judas no colégio apostólico e o primeiro deles é: ser homem (At 1,21). É claro
que, para as mulheres, o primeiro critério anula os outros dois (ter
acompanhado Jesus e terem sido testemunhas
da ressurreição).
A tradição
de que mulheres viram o ressuscitado se tornou texto em uma época (80-90 d.C.) em que
as relações na comunidade de fé passava por um processo androcêntrico. Mesmo assim
essas tradições nos deixam claro de
que foram as mulheres que viram o sepulcro vazio e o anjo falou com elas, ou seja, uma hierofania,
uma manifestação divina. Mais ainda, são elas
que recebem de Jesus a incumbência de levar a notícia aos discípulos e
futuros apóstolos quando a sua vitória sobre a morte. Mesmo assim elas ainda
não contam.
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