A mídia noticiou um Pedido de Impeachment assinado por mais de 380 lideranças religiosas, incluindo católicos e protestantes, e foi entregue à Câmara dos Deputados no dia 26 de janeiro 2021. O pedido está baseado nos “supostos” crimes que o presidente da República cometeu em relação a sua má condução na maior crise sanitária que o país já passou, a pandemia da COVID-19.
Bastou a mídia divulgar que dentre as lideranças religiosas que assinaram o Pedido estavam os batistas, que a Convenção Batista Brasileira (CBB) e a Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB) emitissem um Pronunciamento para deixar claro (como se houvesse necessidade) de que essas instituições, representativas das igrejas Batistas e dos pastores batistas, não tinham qualquer participação no Pedido. Fazendo coro com a Igreja Presbiteriana do Brasil, que conta com ministros e auxiliares no alto escalão do governo federal, portanto, não há nenhuma dúvida de que a cúpula da IPB está envolvida até as vísceras com a gestão Bolsonaro, a CBB não precisava vir à público para dizer que não se envolveu com o Pedido. Até porque, o nome da CBB não aparece em nenhum lugar do documento. Quem assina são pastores de igrejas Batistas vinculados à CBB como também à Aliança de Batistas do Brasil, que é uma agremiação de pastores e igrejas Batistas de tendência ecumênica. O Pronunciamento da CBB foi um equívoco e completamente desnecessário, a partir desse ponto. Mas quando a CBB vem à público, por pressão da sua ala mais conservadora que segue comprometida com a agenda do governo federal, ela está tomando partido por omissão, uma vez que em diversas ocasiões foi solicitada a sua manifestação e o silêncio foi ensurdecedor. Nesse sentido, o ditado é verdadeiro: “Quem cala consente”.No Pronunciamento do dia 27 de janeiro de 2021, a CBB frisa que em nome da sua fidelidade aos seus princípios se considera na posição de “apolítica”. Em outras palavras, a CBB está dizendo que não se envolve em política (no sentido partidário, faltou deixar isso claro, uma vez que a condição de apolítico não é possível em uma sociedade politizada). Quando recorre aos seus princípios, nos vem à mente os Princípios Batistas e dentre eles a Separação entre Igreja e Estado. Ocorre que já tem um tempo que pastores batistas e igrejas Batistas, no cenário político nacional, ignoraram os Princípios Batistas para apoiar o governo que entenderam ser o melhor de “Deus” para o país.
Um breve exercício de memória nos ajudaria a verificar que a CBB não se comportou de maneira “apolítica” em diversas ocasiões. Vejamos alguns episódios.
Os batistas têm um inequívoco laço com o regime que se instalou no Brasil a partir de 1964. Jorge Pinheiro é taxativo nesse sentido: “A partir do golpe militar de 1964, os batistas brasileiros construíram um profícuo relacionamento com o bonapartismo militar”. Depois de 1964, os batistas não são “apolíticos” de jeito nenhum. O Jornal Batista nesse período funcionou como propaganda política para os governos militares e depois disso foi um caminho sem volta, jogaram na lata do lixo o ethos histórico-político-teológico dos batistas. Antes de 1964, os batistas conheceram o Manifesto dos Ministros Batistas do Brasil, que denunciou situações gritantes na condução da política social e econômica do país. Mas não fiquemos nesse período nefasto apenas.
O corte decisivo se deu em 2010 quando Paschoal Piragine Jr. exibiu um vídeo propaganda no púlpito da igreja da qual é pastor titular desde 1988, a Primeira Igreja Batista em Curitiba/PR, para assim emitir a sua opinião contrária à eleição da então candidata Dilma Rousseff à presidência da República. Piragine Jr., pela primeira vez em 30 anos, toma partido e diz em quem os seus membros não deveriam votar nas eleições gerais de 2010. Assim, quando Piragine Jr. se posicionou politicamente, o seu discurso político-religioso foi chancelado quando se tornou presidente da CBB em 2011. Com essa votação, a CBB estava dizendo que tinha partido, uma vez que foi pedido, inúmeras vezes, que viesse à público e se posicionasse em relação à fala de Piragine Jr., mas ao invés disso deu a ele a presidência da CBB. Aqui não houve “posição apolítica”.
Quando Deltan Dellagnol estava à frente do Ministério Público Federal em Curitiba conduzindo a “Operação Lava Jato”, o seu pastor, L. Roberto Silvado, deu a ele todo o apoio, uma vez que o procurador era membro da Igreja Batista do Bacacheri (Curitiba/PR). Quando Silvado se tornou o presidente da CBB em 2013, Dellagnol passou a frequentar seminários, igrejas e encontros de pastores para falar de política e corrupção. A CBB estava de portas abertas para esse tema. O ponto mais emblemático, se deu no caso da votação no STF sobre a prisão ou não em segunda instância, e Deltan disse que “jejuaria pela prisão de Lula”. O seu discurso político-religioso foi endossado por L. Roberto Silvado, então presidente da CBB, que fez um pronunciamento aos batistas brasileiros em canal oficial da CBB, pedindo oração e jejum para que o Supremo Tribunal Federal julgasse de maneira correta quanto à prisão em segunda instância, pedindo oração e jejum à todos os batistas brasileiros para que os ministros do STF fossem iluminados pelo Espírito Santo quanto a permanência de um entendimento do Supremo à favor da prisão em segunda instância mesmo que o processo não tenha sido ainda transitado e julgado em todas as instâncias superiores. Houve reação à fala do presidente da CBB para que a mesma se posicionasse em relação ao ocorrido, mas o que se ouviu foi um silêncio e a tal “posição apolítica” não se confirmou nesse caso.
No dia 19 de agosto de 2018, na Igreja Batista Atitude Central da Barra, no Rio de Janeiro/RJ, o pastor Josué Valandro Jr. chamou à frente o então candidato do PSL à presidência da República, o deputado federal Jair Messias Bolsonaro. Sua intenção era orar pelo candidato, uma vez que a esposa do candidato fazia parte da membresia da igreja. Fazendo isso, Valandro Jr. se comprometeu com o candidato e suas propostas. Na oração do pastor da Atitude, ele deixa bem claro o que ele gostaria que acontecesse: “Se for a vontade de Deus que você seja no dia 1º de janeiro presidente do Brasil”. Além da oração, Valandro Jr. deixa o candidato falar, algo inimaginável em outros tempos para os batistas. Mesmo com inúmeros protestos para que a CBB se pronunciasse em relação ao ocorrido, o silêncio foi a sua melhor resposta.
Um último e penoso fato, se deu em 2019. A Juventude Batista Brasileira da CBB, no seu congresso anual “Despertar”, organizou mesas de debates e falas sobre diferentes assuntos. Dentre essas mesas estava uma em especial: “Descolonizando o olhar: o racismo atinge a igreja?”. Os convidados foram Fabíola Oliveira e o pastor batista Marco Davi Oliveira. Após o movimento contrário de um determinado grupo ultraconservador que alegou “desvio doutrinário” na formação da mesa, manifestando que eram desfavoráveis quanto a presença de Fabíola e Marco no congresso da JBB, a direção da JBB decidiu desconvidá-los. Decisão que contou com a participação da Diretoria da CBB. Nas Assembleias subsequentes ao ocorrido, o que se viu foi o silêncio e as manobras da cúpula da CBB para abafar o caso.
Esses episódios somados
deixam bem claro que a CBB não tem posição “apolítica” quanto aos temas da
política nacional. Quando se silencia, está tomando partido. E quando emite um
Pronunciamento para dizer que não tem qualquer relação com um Pedido de
Impeachment onde pastores batistas assinaram, está, mais uma vez, tomando
partido. Como parece que esse é o caso, bastava a CBB vir à público e dizer que
aprova o atual governo e a sua agenda que, no mínimo, contraria os anseios do
Evangelho. Mas isso a instituição não faz, porque se considera “apolítica” quando
lhe é conveniente.
19 comentários:
Excelente!!!!
Texto muito esclarecedor! E estarrecedor para os batistas brasileiros... que Deus tenha misericórdia de nós.
Magnifico em sua forma e conteúdo. Te agradeço por organizar os fatos e nos presentear com este texto.
Primoroso. Preciso. Contundente. Esclarecedor.
Os batistas da CBB estão cada vez mais "conservadores" e "direitistas". É só observar a ausência e o fechamento de igrejas e congregações batistas em locais pobres das capitais brasileiras.
A Tempo! Essas sinalizações a tempo hábil antecipa construções outras que fragilizam uma "identidade que fala".
Abcs
Lindo e esclarecedor, este texto joga luz em toda sujeira histórica ( que daqui a pouco se torna centenária) e que as lideranças da CBB tem aceito numa boa, se tratando de política.
A igreja era para ser Agência do Reino, da Cura...
No entanto, é uma agência doente e adoecedora!
Não liberta, ao contrário, entorpece os sentidos!!
A Igreja Evangélica brasileira desdenha do Estado democrático e de Direitos, ao apoiar de maneira serviçal, esse desgoverno federal; onde o chefe do Executivo demonstra desde sempre, zero de empatia pela vida diante da tragédia humanitária no Brasil!!
Além disso disso tudo é que AINDA vai piorar...
Os brasileiros vivem duas distopias: A planetária (o vírus) e a do governo federal. Essa contando com a vassalagem da Igreja Evangélica brasileira!!
O conservadorismo religioso está igual porco na lama, enquanto mais tenta se esconder, mais se suja e afunda. Mas que bom que o que parece trágico acende uma luz no fim do turno. Como se fosse hora de separar o joio do trigo, está se separando as verdadeiras religiões cristas das anti-cristãs. Protestantes e catolaicos conservadores estão na mesma barca e afundando juntos, com o bolsonarimo.
Esse texto é fantástico. Parabéns.
Eis um dos motivos de eu estar desigrejado e por planejar continuar estar desigrejado. E me sinto feliz por permanecer desigrejado. Enquanto for assim, ficar em casa com minha família é melhor coisa... não quero dar espaço a estas instituições malditas.
Muito bom!!!
Infelizmente, o texto retrata a mais pura verdade.
Contra os fatos não há o que argumentar. Texto excelente mostrando claramente a relação política que envolve não apenas a Igreja Batista, mas todas as Igrejas cristãs. É preciso reconhecer o lado que cada segmento está. Como é ingênua a afirmação de algo ser "a politico". Dá pra rir. Parabéns pelo texto Uipirangi. Vou compartilhar.
Cada dia fica mais difícil crer que criar meus filhos dentro da mesma igreja em que fui criado seja o melhor de Deus para eles. Não é a mesma igreja, os tempos não são também os mesmos. Por fim, nem eu sou mais o mesmo.
O esforço que ainda tinha por tentar compreender (e escusar) o apoio de tantos evangélicos à eleição de Bolsonaro não é mais possível. Não depois da Pandemia...
A "Teologia do Rei Ciro", enlatado importado da América do Norte, é um escárnio dos cristãos à sua memória, a seus heróis, e, em última instância, a seu Deus.
Tristeza, raiva e vergonha...
Texto esclarecedor.
Excelente a matéria.
Feliz por saber que não estamos sós.
Maravilhoso texto.
Esclarecedor pena que poucos o leem
Vamos à luta devagar e sempre
Como a premissa está errada, nem li o resto. Explico: A CBB é a maior convenção de igrejas batistas no Brasil. Se alguém menciona o nome "batistas" em algum documento oficial, ela precisa sim se manifestar.
A CBB merece muitas críticas, mas nem tanto assim.
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