27.2.21

O TERCEIRO EXCLUÍDO E O VOTO DOS EVANGÉLICOS EM 2022

Dentre as contribuições de Aristóteles para a Filosofia e o pensamento ocidental, está a sua sistematização lógica. A lógica aristotélica possibilitou pensar a verdade a partir de proposições. Assim, os princípios da lógica se tornaram conhecidos como sendo três, de maneira bem específica: o princípio da identidade, da não contradição e do terceiro excluído.

Funciona assim: se um enunciado é verdadeiro, logo ele é idêntico à realidade demonstrável. Esse é o princípio da identidade. Em outras palavras, tudo que seja idêntico a si mesmo se dá no princípio da identidade. Já no princípio da não contradição, a lógica entende que, no caso de dois enunciados, não é possível haver verdade em ambos. Quando digo que “algumas pessoas não são boas” e depois digo que “todas as pessoas são boas”, o princípio da não contradição diz que ambas as afirmações não podem ser verdadeiras.

Quanto ao princípio do terceiro excluído, é visto como uma forma de eliminar, excluir, aquilo que não cabe dentro do princípio da identidade, ou seja, uma coisa é ou não é, não pode ser outra coisa. Diante de duas possibilidades aparentemente contraditórias, não há a possibilidade de ter uma terceira opção dentro da lógica, ficando, portanto, excluída. Dessa forma, a lógica aristotélica não encontra um meio termo e advoga a exclusão de algo que possa gerar um meio entre os opostos. Dito de outro modo, o princípio do terceiro excluído é a não contradição das ideias, ou seja, é a lógica que diz que não pode haver uma terceira via, apenas uma dentre duas, A ou B e C é praticamente descartável porque, aparentemente, não está plenamente demonstrável.

A lógica aristotélica do terceiro excluído, ajuda a entender o mosaico dos evangélicos e a fala de alguns líderes midiáticos que se veem como os representantes dos evangélicos quando o tema é eleições e o voto dos evangélicos em 2022.

A jornalista Anna Virginia Balloussier (Folha de S. Paulo), fez uma reportagem sobre os evangélicos e a política brasileira e os propensos apoios ao atual presidente nas eleições de 2022 por parte dos evangélicos e escutou os principais líderes midiáticos (1). Segundo a jornalista, um pastor chegou a admitir que “o presidente atingiu imunidade de rebanho no eleitorado evangélico”. Segundo esse pastor, ele (o presidente) “estaria protegido, assim, contra o ‘vírus de esquerda’ por contar com a ampla maioria de uma fatia que representa cerca de 30% dos brasileiros”. Para esse pastor, partindo da lógica aristotélica, os evangélicos têm um “princípio de identidade” com o atual presidente e isso deve continuar na disputa de 2022. Para muitos pastores, os evangélicos elegem Bolsonaro em 2022 porque há um princípio de identidade entre ambos, ou seja, o presidente fala e faz aquilo que os evangélicos querem ouvir e ver. Seguindo a lógica do princípio da não contradição, na outra ponta estaria o espectro político da esquerda que não teria qualquer possibilidade de “conquistar” votos desse eleitorado, uma vez que o discurso é contraditório entre ambos, Bolsonaro e esquerda. 

Dentro dessa lógica, como apurou a jornalista Anna, para os principais líderes evangélicos midiáticos do país, e que juntos detém um monopólio de fiéis e mídia, “a possibilidade de a esquerda voltar a abocanhar votos evangélicos em massa é vista com descrença, o que se estende a outros atores do campo, como Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL)”. De acordo com a reportagem, esses líderes entendem que “o fogo maior é contra o petismo”. Para esses líderes, a ideia de que Bolsonaro atingiu imunidade de rebanho (uma clara alusão ao novo coronavírus e as medidas contestáveis do presidente em relação à pandemia), leva em consideração a agenda conservadora do presidente e os assuntos morais que tocam a grande maioria dos evangélicos com temas já conhecidos e que sempre voltam com maior intensidade nas eleições presidenciais. A pauta dos evangélicos se dá a partir dos costumes e abarca o campo da moralidade evangélica, envolvendo a defesa da família e rejeitando os temas identitários, geralmente encampados pela esquerda.

Ocorre que assim como Aristóteles não conseguiu acoplar o terceiro excluído, ou seja, na lógica aristotélica não há possibilidade de haver duas proposições verdadeiras, sendo que haverá uma terceira que sempre estará fora, a lógica dos coronéis da fé não leva em conta o terceiro excluído que representa a grande massa dos evangélicos que vivem nas periferias das grandes cidades do país.

Pastores entrevistados pela jornalista Anna Balloussier como Silas Malafaia e César Augusto (Igreja Fonte da Vida), são reconhecidos pela sua teologia da prosperidade e o lobby evangélico que praticam no espaço público. São pastores que movimentam quantias exorbitantes de dinheiro e possuem seus jatinhos particulares. A força midiática ajuda na disseminação de suas ideias e reforçam a percepção de que “falam por todos os evangélicos”. Ocorre que há um terceiro excluído que está fora desse universo evangélico midiático e que não nutre, necessariamente, um princípio de identidade com o atual presidente, mas também não enxerga na esquerda qualificada, que até recentemente ignorava essa gente e, em alguns casos, tratava-os com uma certa deficiência cognitiva na política, a melhor opção para resolver os problemas prementes e os anseios sociais da grande maioria do eleitorado evangélico.  

O pesquisador Juliano Spyer, fazendo um trabalho de campo entre os evangélicos, faz uma constatação que já sabíamos, mas ele reforçou em sua pesquisa, qual seja: “A relação entre evangélicos e o Brasil popular aparece no cenário de muitas e variadas igrejas presentes em bairros periféricos, entre negros e pardos com menos escolaridade e salários menores do que os da média da população” (2). Ainda que o discurso moral seja um atrativo considerável entre os evangélicos, a grande maioria sofre com a pobreza, com a falta de saneamento básico, com a renda pequena, com a violência, com o racismo e, agora com a pandemia, viu agravar consideravelmente a desigualdade social. A igreja evangélica na periferia, se constitui uma rede de solidariedade, amizade e generosidade. A igreja que ajuda uma família a colocar a comida na mesa, é a mesma que faz orações para que Deus proteja os filhos da violência e pede para que Deus “abra uma porta de emprego”.

Essa gente é o terceiro excluído na lógica política dos evangélicos midiáticos. Esses líderes não têm muito o que dizer para essa parcela significativa dos evangélicos, porque encabeçaram um projeto de governo e de poder que, pelo princípio da não contradição, não podem falar da fome, do desemprego, da falta do auxílio emergencial. Caso falem sobre esses temas, podem ser enquadrados dentro do espectro político à esquerda. Mas não falam sobre isso por conta desse julgamento, não falam porque esses temas não estão, em definitivo, dentro das suas aspirações como cristãos e cidadãos. Eles não têm como contradizer a política neoliberal do governo; eles não podem falar sobre a falta de investimento na saúde, na educação e cobrar uma política de distribuição de renda. Essas pautas não constam nesse governo que deu, desde o início, sinais claros de que a massa pobre do país não é e nunca será a prioridade. Antes, a prioridade do ministério da Economia é alavancar sua agenda neoliberal e retirar, se possível, todos os benefícios que foram conquistados. Assim, trabalham para alterar leis trabalhistas, dificultar aposentadorias e achatar os salários que já estão defasados em relação à inflação.

Essa gente, o terceiro excluído, está fora dos grandes eventos do mundo gospel. Essa gente tem em Deus a única fonte de esperança, mas também já perceberam que a política é a oportunidade de debater e lutar por melhorias. Por essa razão, muitos pastores e irmãos da periferia estão dispostos a conversar sobre os problemas e dificuldades sociais do dia a dia que afetam a todos, indiscriminadamente.

O terceiro excluído é composto por gente que está acompanhando essa polarização Bolsonaro versus Esquerda, mas ainda não tornaram essa polarização a razão maior para a definição de seus votos, pelo contrário, o que definirá seus votos serão as demandas sociais e a vida que fica cada dia mais difícil para quem pega o ônibus lotado e vai trabalhar às cinco horas da manhã. 

Um projeto político-econômico que discuta as principais questões e aponte melhorias, não apenas para os evangélicos e suas demandas sociais, será oportunizado. Nesse sentido, o líder midiático, que voa de jatinho, pode até falar e se fazer ouvir como se fosse a “voz dos evangélicos”, mas não terá alcance satisfatório com essa gente que compõe o terceiro excluído que são, com certeza, mais do que 30%.

Notas: (1) https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/02/apoio-evangelico-em-2022-indica-bolsonaro-na-ponta-e-entraves-a-doria-huck-e-pt.shtml (2) Juliano Spyer. Povo de Deus: quem são os evangélicos e porque eles importam. São Paulo: Geração Editorial, 2020, p. 85.  

Um comentário:

Pr Marcelo disse...

Concordo plenamente. Os partidos de esquerda precisam criar vínculos e conexões com essa igreja periférica e mostrar a importância de um Estado mais presente em suas necessidades.