Ricardo Boechat, hoje passei no
espaço da Creche Bom Samaritano, da Igreja Luterana, e vi o seu rosto em cada
criança brincando, abrigada da chuva e do sol, pela obra que você financiou e
que foi cuidadosamente coberta pelas mãos de operários, sob a orientação do seu
irmão, o Engenheiro Carlos Boechat.
Vi a tristeza nas faces das funcionárias que o conheceram e puderam conviver
com o sorriso da sua alma amorosa e libertária, numa dedicação e saudação de
corpo inteiro.
Vi-o, da alma para alma, conversando com Veruska, o grande amor da sua vida,
nos momentos em que preparavam as festas de aniversários de vossas filhas,
batizadas por mim, na Paróquia Bom Samaritano da Igreja Luterana (IECLB). Você
e Veruska desejaram que as vossas filhas celebrassem seus aniversários
abraçando e sendo abraçadas por crianças pobres das favelas do Cantagalo,
Pavão, Pavãozinho, Vidigal e Rocinha. Naquelas festas vocês providenciavam
alimentação, brincadeiras e todo espetáculo que crianças de famílias
empobrecidas jamais tiveram direito nem de sonhar.
Ricardo Boechat, você dizia-se ateu. Com toda honestidade afirmava isto
publicamente. Você era um homem honesto e transparente. Deus também é ateu, meu
amigo. Jesus Cristo nunca foi cristão e todas as crianças nascem agnósticas. Eu
nunca lhe perguntei sobre o Deus em quem você não acreditava. Não lhe perguntei
porque, possivelmente, o Deus em quem você não acreditava, um ser vagando na
estratosfera da transcendência, moralista, vingativo e ansioso para botar uma
grande parte da humanidade no fogo do inferno, eu também não acredito. Esse
deus é criado conforme a imagem e semelhança de pessoas raivosas e
perversas.
O Deus em quem eu acredito, Ricardo Boechat, é AMOR E MISERICÓRDIA. É o Deus
que na agonia da cruz orava pelos seus inimigos dizendo: “Pai, perdoa-lhes,
porque eles não sabem o que estão fazendo!”. Você era um reflexo do amor de
Deus. Tinha um coração maior do que o seu corpo franzino.
Ricardo Boechat, você foi um profeta. O profeta é aquela pessoa que fala contra
as injustiças e se torna defensora das pessoas oprimidas que não têm vez e nem
voz.
No céu, amigo, fale com Deus que tenha misericórdia deste nosso país e que Ele
envie outros profetas para falarem em defesa das vítimas de Mariana, de
Brumadinho; por todas as vítimas de tragédias, pelos índios e por todas as
pessoas injustiçadas e deserdadas da terra.
(Mozart Noronha)
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