As
igrejas evangélicas no país convivem com situações assim, tendo em sua
membresia mães que têm seus filhos encarcerados por crimes graves e outros por
crimes leves. Além disso, sabemos que há muitos presos que
passaram ou pertenceram, em algum momento da vida, a uma igreja evangélica (2).
É
consenso que o sistema penitenciário não corrige ninguém, com raríssimas exceções.
Há uma constatação de que o preso entra no sistema por cometer um crime
considerado “leve” e sai “pós-graduado” em outras modalidades criminais. Quando
ele sai da cadeia é considerado um criminoso ainda mais perigoso para a
sociedade. O trabalho de ONGs e igrejas dentro dos presídios, contribui para algum
tipo de ressocialização do preso, quer por uma profissão (sendo difícil o emprego
depois que passa pelo sistema penitenciário) ou por pertencer a uma igreja
evangélica.
Algumas igrejas, fazem um primoroso trabalho com
os presos de evangelização e resgate da dignidade humana. Ainda assim, esse
trabalho não está sendo muito valorizado (se é que ele já foi um dia valorizado
pela grande maioria das igrejas). Convencionou-se a ver o delinquente, aquele
que comete o crime, o bandido, como um ser abjeto que merece, nada menos, que a
morte. Afinal de contas: “bandido bom é bandido morto”. Somando a esse aspecto,
a narrativa dos Direitos Humanos passou a ser negativa (fruto de uma ignorância
quanto ao alcance da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948),
alegando que os Direitos Humanos “protege” bandido e não o “cidadão de bem”.
Está
no imaginário das pessoas que, uma vez preso, o ser humano ali deixa de ser um
ser humano e passa a ser um “bicho” que precisa de jaula e, se possível, morrer
dentro dela. É assim que conclui Lizandra Pereira Demarchi, pesquisadora do
tema: “Para a grande maioria da população, o preso deixa de ser um indivíduo
dotado de direitos, e passa a ser tratado como coisa, que vive em um mundo à
parte da realidade, onde a força bruta do Estado anula o ser dotado de razão à
medida que passa a intimidá-lo com o pretexto de manter a ordem e a segurança
social” (3). Ainda que o preso tenha seus direitos adquiridos na Constituição
Federal de 1988, ele é visto, pela maioria da população, como um ser que, ao
cometer um crime e ser preso, perdeu a sua cidadania e passou a ser
uma “coisa” à disposição do sistema mais desumano e cruel que temos, o sistema
penitenciário brasileiro que abriga quase todas as mazelas em termos de
convivência e saúde.
Recentemente,
o país viu um dos seus principais líderes políticos ser preso (2016) com um
julgamento célere em primeira e segunda instância. Os seus recursos foram
negados um a um. Há quem diga que se trata de um preso comum e que não deveria
estar na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, mas sim em um presídio
comum. São as mesmas pessoas que entenderam que esse pretenso preso “comum” não
poderia ver o irmão quando do seu falecimento, direito que o Código Penal
faculta a todos os presos. Esse mesmo preso, foi condenado mais uma vez esta
semana a uma pena de mais de 12 anos. Ainda que o preso possa recorrer, é muito
provável que ele não deixe a prisão nos próximos anos.
Quando
a juíza proferiu a sua sentença e a mídia se ocupou em divulgar, foi possível
ver as manifestações eufóricas nas redes sociais por saber que um
ex-presidente, com todos os seus problemas que envolve o seu nome e seus dois mandatos,
iria ficar mais tempo ainda em uma prisão. Além das manifestações de pessoas partidárias
do novo presidente do país, que são até mesmo favoráveis a uma condenação sumária (se fosse
possível), houve manifestações de pastores no mesmo tom.
As
manifestações de pastores nas redes sociais por conta da segunda condenação de um
ex-presidente foi agradecia à “deus”. Houve quem dissesse que agora ele não
sairia mais da prisão “se deus quiser”. Até mesmo “louvores a deus” foram dados
por conta dessa segunda condenação.
Está
muito claro que não vivemos mais um cristianismo, mais sim uma espécie de pós-cristianismo
(na ausência de uma melhor nomenclatura). O que temos é um pseudo-cristianismo
bélico, guerreiro e vingativo. Não é mais possível “crer” na restauração de um
presidiário, qualquer que seja ele, antes a prisão é a condenação ao “inferno”,
lugar mais que merecido para os ladrões que temos por aqui. É claro, se puder
morrer, melhor ainda.
O
que podemos esperar de um pseudo-cristianismo assim? Justiça? Não! Vingança!
O
sistema judiciário brasileiro é operado a partir da vingança coletiva. Não que
o próprio Poder Judiciário assim o quer, mas porque a sociedade brasileira
assim espera. A sociedade torna o preso o seu “bode expiatório” e trata-o como
inimigo. Por isso, a pena não é para recuperar preso algum, antes a pena é para
satisfazer o desejo insaciável de vingança. E dentro dessa lógica maléfica, há
muitos evangélicos que partilham dela, defendendo a pena de morte, o porte de
armas de maneira irrestrita para o “cidadão de bem”. Apenas o aborto é
assassinato, afinal de contas o feto ainda não é um delinquente em potencial.
O pseudo-cristianismo não conhece a justiça, mas sim a vingança. A justiça de Deus
não é o mesmo que vingança. O Deus de Jesus faz o seu sol vir sobre justos e
injustos. Ele não diz para matar os inimigos, antes orar por eles (Mt 5,44-46).
Antes de condenar o sentenciado à morte, ele diz: “Hoje estarás comigo no
paraíso”. A vingança? Essa ele deixa bem claro que não faz parte da sua
caminhada (Mt 5,38-42). E quando ensina à orar ele diz: “Perdoa-nos as nossas
dívidas como também nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12). Para o Deus de Jesus, a justiça é restaurativa.
Um comentário:
Uma gota de sensatez - de efeito absoluto sobre corações abertos ao evangelho - em meio a este mar de insanidade de nossa sociedade (alias, mar as vezes revolto pelos tais "evangélicos". Parabéns!
Postar um comentário