O pregador, diante do texto de 2Tm 2,15,
diz, de maneira peremptória: o pastor precisa manejar bem essa palavra (mostrando a Bíblia para o
auditório). Para completar, ele recorre a 2Tm 4,2 e completa: essa palavra (mostrando a Bíblia para o auditório)
deve ser pregada a tempo e fora de tempo.
Associar a expressão “palavra” que
aparece no Novo Testamento com a “Bíblia”, é muito comum.
Essa associação se deve, na grande
maioria dos casos, a compreensão de que a Bíblia é a “palavra de Deus” e,
portanto, quando o texto fala de “palavra” está se referindo à Bíblia (texto
escrito).
Interpretar textos como 2Tm 2,15 (que maneje bem a palavra da verdade), 2Tm
4,2 (prega a palavra) ou Tg 1,22 (tornai-vos, pois, praticantes da palavra)
– para dar alguns exemplos –, como se os mesmos estivessem fazendo referência à
Bíblia, é um equívoco.
Aqui, não está em discussão se crer ou
não que a Bíblia é a “palavra de Deus”, não é essa a questão.
A questão se dá em torno da aplicação do
termo “palavra” – que aparece diversas vezes no Novo Testamento – ao texto bíblico,
ou seja, uma interpretação automática de uma expressão (palavra) sendo associada com uma ideia (Bíblia).
As razões, para não se interpretar a
expressão palavra como se estivesse
fazendo referência ao texto bíblico, podem ser elencadas assim:
1 – Quando o
Novo Testamento faz uso do termo Escritura,
ele não se refere a ele mesmo, ou seja, Novo Testamento. Isso é claro em textos
como o de Lucas 24,27 e 32. O texto de 2Tm 3,16 não contempla o Novo
Testamento, apenas o que hoje conhecemos como “Antigo Testamento” (a Bíblia Hebraica).
2 – Os textos
do Novo Testamento não estavam (todos) disponíveis para a comunidade primitiva
(os de Paulo? – 2Pe 3,15-16), portanto, a tradição oral era a única maneira de transmitir o Evangelho. Não por acaso que alguns textos do Novo Testamento traz a
permanência na tradição – algo já
fundamentado na trajetória do cristianismo
primitivo (2Ts 2,16; 3,6).
3 – Quando a palavra aparece no Novo Testamento ela
se refere ao Evangelho, pregado, ou
seja, o Evangelho de Jesus. Isso é
frequente em Atos dos Apóstolos, por exemplo, como também nos Evangelhos
Sinóticos (Mc 2,2 e 4,33; At 4,4 e 29).
4 – Nos textos
paulinos a palavra é Jesus, ou seja,
o Evangelho (2Co 2,17). A palavra da verdade não é um texto, mas sim uma pessoa – Jesus (2Co 6,7).
5 – Nos
escritos joaninos a concepção entre palavra
e Jesus ganha contornos radicais. As palavras
de Jesus são as palavras do Pai. Por
isso apenas uma pessoa poderia ser a verdade (Jo 14,6).
A partir disso, é possível dizer que a
expressão palavra no Novo Testamento
não alude ao texto bíblico. A palavra não
é texto, mas uma mensagem proclamada e, depois, uma pessoa.
Não se trata de pregar o texto bíblico em si, mas uma pessoa, a palavra de Deus, Jesus.
Dito isso, não é concebível associar o
termo palavra no Novo Testamento com Bíblia. Num primeiro momento a palavra é associada ao Evangelho – a proclamação da igreja a
respeito de Jesus – e não com a Bíblia.
Isso nunca foi possível com os autores do Novo Testamento.
Não por acaso que Tiago 1,22 traz “ouvintes”
da palavra. Ouvimos a palavra (Jesus) e tornamos praticantes dele, Jesus.
A essa altura pode surgir o
questionamento: e hoje, a palavra não
é o texto bíblico? Sim. Mas só porque ela nos mostra e nos dá a conhecer Jesus. Mas daí dizer que a expressão palavra se refere ao texto bíblico já é
outra coisa.
Assim, ninguém maneja Jesus como se fosse um livro a ser lido ou decorado, mas
vivido. Assim, é possível falar dele (Jesus) a toda a oportunidade – 2Tm 4,2 –,
pois ele é a palavra. Temos o acesso
a ele por meio do texto bíblico que chegou às nossas mãos porque a palavra (Evangelho de Cristo) foi
proclamado pelos primeiros cristãos.
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