A eclesiologia batista e suas
contradições: dons espirituais ou votação de cargos?
Vez
ou outra escuto alguém dizer que a Igreja
Batista é uma das melhores denominações
do Brasil. Esse preciosismo se deve, em grande parte, à formação batista no
Brasil que herdou o legado material, teológico e identitário dos missionários
que aqui estiveram.
É
sabido também que muitas pessoas que hoje pertencem a uma Igreja Batista, desconhecem a história do movimento e muito menos aquilo
que baliza suas posturas. Há um desconhecimento quanto aos princípios batistas que
são, notadamente, confundidos com doutrinas
batistas. Há ainda quem diga que os batistas
têm uma ortodoxia e a Declaração Doutrinária da Convenção Batista
Brasileira é uma “regra de fé e prática”.
O
que é uma Igreja Batista?
De
acordo com a Declaração Doutrinária da
Convenção Batista Brasileira, uma Igreja
Batista “é uma congregação local de pessoas regeneradas e batizadas após
profissão de fé. É nesse sentido que a palavra ‘igreja’ é empregada no maior
número de vezes nos livros do Novo Testamento”. Com essa assertiva, os batistas se entendem como uma igreja
neotestamentária e procuram ser fiéis ao que o Novo Testamento ensina sobre
igreja. Deste modo, afirmam a autonomia das igrejas, daí não é possível nomear
como Igreja Batista, mas sim Igrejas
Batistas, por conta da sua pluralidade e sistema congregacional. Como igrejas autônomas e democráticas, elas
não possuem um sistema centralizador, ou seja, cada igreja é soberana em suas decisões administrativas, que são
tomadas democraticamente e isso é o que caracteriza a forma de governo de uma Igreja Batista. A democracia é sua forte
característica e implica em uma participação igualitária dos membros de uma
comunidade local, homens e mulheres, nas decisões a serem tomadas quanto aos
rumos da comunidade. Isso é o ideal.
Segundo
a Declaração Doutrinária da CBB quanto
a natureza da igreja, ela é expressa
em dizer que se trata de uma igreja nos
moldes do Novo Testamento. Será?
Aponto
algumas contradições da eclesiologia ideal
(Declaração Doutrinária da CBB e
Novo Testamento) e a real (com seu modus operandi na realidade das
igrejas).
Em
uma igreja neotestamentária não havia cargos a serem votados, pelo menos na de
tradição paulina. Nem mesmo no caso
de Matias foi uma votação, mas sim uma sorte entre dois nomes (At 1,15-26). Logo,
votação para assumir cargos e funções na comunidade não havia. O Novo Testamento traz os dons espirituais como condição para o exercício
das funções e possíveis cargos. Mesmo que haja uma certa compatibilidade
entre votação e dons espirituais, é algo raro nas Igrejas Batistas. Ainda predomina a perspectiva dos cargos e a votação como condição para exercê-los. As disputas entre as pessoas para
os respectivos cargos são acirradas e
as assembleias se transformam em batalhas para assumir determinada posição, uma vez que ela pode conferir empoderamento.
No Novo Testamento, há pelo menos quatro listas sobre os dons espirituais – (Rm 12,3-8; 1Co 12 e 14; Ef 4,11-13; 1Pe
4,10-11) – todas elas tratam de algo outorgado pelo Espírito Santo que dispõe como
lhe cabe dentro da comunidade de fé.
Uma
vez com os respectivos cargos, as
pessoas passam a exercer uma função
dentro da comunidade que só cabe a ele ou ela. Assim, outra pessoa não poderia
fazer, mesmo que tenha condições para isso, porquê já foi votado quem deve/deveria realizar tal atividade. Aquelas pessoas que no memento da votação se sentiram pressionadas a aceitar algum cargo, assim que possível deixa de
exercer tal função.
A
igreja ideal, do Novo Testamento, tem
nos dons espirituais sua maneira de
se organizar, onde cada um servi uns aos outros “conforme o dom que recebeu”
(1Pe 4,10). Se recebeu não há
necessidade de ser votado. Se a
comunidade reconhece os dons de
alguém, logo não é preciso votar para que tal pessoa exerça suas funções dentro da comunidade.
Esse
antagonismo batista se dá em confundir
práticas do Novo Testamento com sistema de governo de uma Igreja Batista. Na prática do Novo Testamento, os dons
espirituais são imprescindíveis. No sistema
de governo de uma Igreja Batista,
a votação é elemento preponderante na
condução de uma comunidade. Isso leva/levou ao equívoco de votar em funções que o
Espírito Santo já capacitara para tal, mas a igreja, desprovida de um inventário de dons e seus respectivos ministérios, desconhece a dinâmica dos dons
e as pessoas que assim possam exercê-los dentro da comunidade e fora dela.
Consulta
Declaração
Doutrinária da Convenção Batista Brasileira. Rio de Janeiro: JUERP, 1986.
Juan Antônio Estrada. Para compreender como surgiu a igreja. São Paulo: Paulinas, 2005.
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