(frase de Ovídio)
Saiu no O Jornal Batista de 31 de Janeiro de 2016 um texto que fala de saudade.
O autor, um pastor batista, procura fazer uma
comparação entre o que foi vivenciado em anos anteriores no universo eclesial
(batista, mais precisamente) e o que hoje é possível ver no atual cenário das
igrejas que passam (passaram) por mudanças em termos culturais e sociais.
O que chama atenção no referido texto, foi o “tom”
saudosista de uma reflexão que não levou em consideração as mutações da cultura
e que, inevitavelmente, respinga na realidade das igrejas. Além disso, é
perfeitamente coerente apontar o que era (que não necessariamente leva o título
de “melhor”) com o que é hoje. Mas também será possível apontar o que poderia
(ou deveria) acontecer para modificar o atual cenário?
Qualquer avaliação do “antes” e do “depois”, se
tratando de realidade eclesial, precisaria levar em consideração alguns temas:
- Impacto da mídia: a relação que o indivíduo
tem com a mídia forma a sua personalidade, escolhas e decisões. Os neopentecostais
souberam aproveitar bem isso;
- Cultura da imagem: um tempo em que uma imagem
ficou valendo mesmo mais que mil palavras. Aparelhos celulares foram substituídos
por pessoas; o parecer “bem” com a própria imagem é uma questão de
sobrevivência nas redes sociais;
- Aceleração da história: em épocas passadas a história era contada, compartilhada,
passada de uma geração à outra. Há uma aceleração da história, ou seja, as coisas acontecem apressadamente e não há “tempo”
para absorver, refletir e apurar. Daí o conflito de gerações que são visíveis nas
comunidades de fé;
- Consumismo como referencial de valor: há uma
vida para o consumo como bem avalia o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. As pessoas vivem para consumir e não vivem com o
que consomem. O “comprar” e o “ter” são duas categorias existenciais,
infelizmente;
- Rejeição do autoritarismo: qualquer tentativa
de cercear a “liberdade” é reprimida. Há uma tendência em curso de desconsiderar
qualquer figura que transmita “autoridade”. Nesse sentido está o professor, os
pais, o policial e o pastor (para ficar com alguns exemplos);
- Urbanização: as cidades estão cada vez mais
aceleradas e as pessoas preferem elas (desde o êxodo rural no país) ao campo. A urbanização traz mobilidade,
mas também desumaniza as pessoas.
Quando o autor do artigo no O Jornal Batista intitula seu texto com um provocativo Dá saudades!, ele está fazendo um exercício
de comparação, ou seja, o que era bom (por isso a saudade) e o que hoje não é
tão bom assim (por isso a reminiscência). Saudade é a ausência daquilo que não
se pode ter ou ver mais, porque foi um momento, uma fase, um tempo. Isso é
perfeitamente válido, quando a concepção é apenas subjetiva. Quando é uma
leitura abrangente, é preciso tratar causalidades, pelo menos.
Em todos os comparativos que o autor usou, esse
chamou atenção:
- “Dá saudades de quando falávamos para uma
pessoa procurar uma igreja próxima de sua casa, e hoje temos que dizer que a pessoa
procure uma igreja mais próxima da Bíblia”.
De que Bíblia se trata? Ou seria de doutrinas? Há muito tempo a Bíblia
deixou de ser um texto básico para as igrejas. Ela foi substituída por Declarações Doutrinárias e quando se estuda
com a Bíblia se trata na verdade de revistas
de EBD onde o autor repassa as suas percepções e lições. Está cada vez mais
difícil procurar uma igreja mais próxima da Bíblia. Ela (a Bíblia) assusta, desconstrói
sistemas, muda perspectivas e ninguém, históricos, pentecostais ou
neopentecostais, querem olhar para a Bíblia com lupa, ela contraria práticas,
ela destrona poderes, ela promove o empoderamento do pobre e marginalizado.
O texto tem como característica um anacronismo
cultural e social. Além de não indicar (ou mesmo sonhar) com outras
possibilidades, sejam elas de "tom" pessimista, otimista ou de esperança. Qualquer avaliação
que procura abranger comportamentos e pessoas, não pode deixar de fora o
movimento da história e a mutante cultura na qual todos nós estamos inseridos.
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