Recorrentemente
manuais de Teologia Sistemática (TS) afirmam
que o Novo Testamento é inspirado. Palavra
grega de difícil precisão (theopneustos)
usada exclusivamente em 2Tm 3,16. Termo, sabidamente, grego, uma vez que a
concepção helênica de theopneustos
carrega um sentido extático.
A
preocupação da TS com o Novo Testamento (NT), nesse sentido de inspiração, se dá em relação ao texto da
Bíblia Hebraica (Antigo Testamento). Entende-se que precisa de credibilidade para que o mesmo possa ter
status de “revelação”. Se os textos
do NT não forem inspirados, no
sentido de Escrituras, o esboço
teológico construído a partir dele poderia estar comprometido.
Definitivamente
para a TS não se trata de um conjunto de textos que foram sendo concatenados
com o tempo, sendo um dos propósitos, alimentar a caminhada de uma gente a
partir da memória de Jesus e dos Apóstolos. Isso com todos os problemas
advindos das traduções e cópias do NT, tema que a Crítica Textual debate.
Fato
é que a palavra Escritura, num primeiro
momento, não tem um sentido teológico.
Quer apenas significar grafia ou
escrever. O entendimento de “escritos sagrados” se dá no helenismo, com os registros dos templos ou livros de magia. Entrando
aqui cartas e decretos do Imperador, por ser alguém “semidivino”.
Para
a Bíblia Hebraica Escritura é katab, escrever. Depois haverá toda uma
reflexão em torno da escrita como sagrada.
Quando
a TS trata de inspiração das Escrituras coloca
em igualdade o Antigo Testamento (Bíblia Hebraica) e os escritos (textos) do
NT. Argumentam que “o Novo Testamento, à semelhança do Antigo, reivindica a virtude de ser Escritura
Sagrada, escrito profético, e toda a Escritura e todos os escritos proféticos devem
ser considerados inspirados por Deus”.
Nesse enunciado há uma postura igualitária entre o Antigo e o Novo Testamento
quanto à sua natureza de Escritura,
agora com o sentido teológico definido. Outra questão é que o Novo Testamento reivindica, ou seja, não há algo tão
claro, mas é algo implícito. Essa reivindicação
se dá porque o texto do NT é profético.
Quando
a TS trata de 2Tm 3,16, admite que se trata do Antigo Testamento. Isso porque
todas as vezes que a palavra Escritura aparece
no NT está se referindo exclusivamente à Bíblia Hebraica (AT) e não ao NT – “E, começando por Moisés, discorrendo por
todos os profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as
Escrituras” (Lc 24,27). Como não há outro termo para lidar com isso, recorre-se a 2Pe 3,16 a fim de validar o NT frente ao Antigo quanto à
sua inspiração. Por mais que esse
argumento seja levado em consideração, há um problema: apenas as “cartas de
Paulo” seriam inspiradas? E os
Evangelhos Sinóticos? E o Evangelho de João? Hebreus? Lucas e Atos dos
Apóstolos?
Outro
argumento se dá com o texto de 1Tm 5,18 onde parte do versículo está em Lucas
10,7. Isso ratifica de que há status
de Escritura no Evangelho de Lucas. Se
esse argumento servir para dar credibilidade
ao Evangelho de Lucas, deveria haver outros textos que fizessem o mesmo com
o restante do NT e, sabidamente, não há.
Quanto
ao texto de 2Pe 1,20-21 não há consenso de que se trate do NT, apenas do Antigo
Testamento e sua condição interpretativa.
Parece
que o NT não reivindica uma condição de
inspiração. Não se trata de um tema
explícito em relação ao status do
Antigo Testamento. Os textos que a TS trata para dar status de inspiração ao
NT são discutíveis quanto ao seu alcance exegético.
A
necessidade apologética de
reivindicar inspiração para o NT não
se sustenta dentro do NT. Uma necessidade dogmatizante
não pode anular a construção literária do NT.
Os
primeiros cristãos não tinham interesse em
escrever algo “deles” porque tinham as Escrituras
(AT). Outra razão, eles tinham a mensagem do Reino de Deus proclamada por
Jesus. Além disso, as primeiras comunidades cristãs eram fortemente escatológicas, ou seja, esperavam o fim
iminente de “todas as coisas”. Com isso, não havia uma preocupação em querer escrever algo como Escritura para as demais gerações.
Teologicamente
o NT tem autoridade apostólica, ou
seja, ele está “baseado” nos ensinos dos apóstolos. Essa concepção se dá,
principalmente, em escritos tardios do NT (At 2,42; Ef 2,20 e 3,5; 2Pe 3,2).
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