É algo
recorrente. Ceia (celebração da comunhão)
como um momento de segregação. Segrega-se quem pode e quem não pode participar
em cima de critérios que são passíveis de serem desqualificados.
O denominacionalismo criou formas
distintas de celebrar a ceia (que prefiro chamar de comunhão). Cada denominação pratica a celebração de forma diferente e com conceitos variados. Como sacramento
(Santa Ceia) e como memorial (Ceia
do Senhor). O denominacionalismo também
restringiu a participação na mesa da comunhão
como mecanismo de censura para alguns grupos ou comportamentos. A Igreja
Católica, por exemplo, está discutindo a participação ou não de divorciados na
Eucaristia. No caso das igrejas
históricas a censura se dá pelo medo e pela culpa. No momento da celebração há um pedido para que os que
forem participar fiquem de pé. Logo já
se percebe quem irá participar ou não. O irmão/irmã não tem nem mesmo “chance”
de se levantar com os demais, se achar
que não deve participar. Além disso, é feita uma leitura do texto de 1Co 11
onde se valoriza mais ainda o versículo 28: “examine-se, pois, o homem a si
mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice”. Aqui é colocado um peso
moralista ao ponto de constranger os participantes a não comer e beber do que propriamente como um momento de celebração. Geralmente o “examine-se” se
dá em cima de pecados, erros
cometidos naquele dia ou semana.
Há algum
impedimento para não participar da comunhão?
Talvez o batismo, lembrará alguém. Sim, o denominacionalismo
nos ensinou que só participa da Ceia do
Senhor que for batizad@. Há algum
texto bíblico para isso? Não. Mas também é sabido que o batismo nas primeiras comunidades era algo inerente à caminhada com
Cristo. Logo, é possível que todos que participavam da comunhão eram batizados ou logo foram. Algo bem específico está na Didaqué, onde há instrução quanto aos
participantes da ceia de que deveriam
ser batizados (“Ninguém coma nem beba
de vossa Eucaristia, se não estiver batizado em nome do Senhor. Pois a respeito
dela disse o Senhor: não deis as coisas santas aos cães”). Mas o contexto é de falsidade, onde havia um temor quanto
aos verdadeiros membros da
comunidade. No Novo Testamento (NT) não há nada em específico quanto na Didaqué (considerada a primeira
formulação doutrinária dos primeiros cristãos).
Mas há algo em
1Co 11 que impede a participação na comunhão.
O que seria
participar de maneira indigna? Participar
de maneira descuidada, sem perceber que se trata da comunhão com Cristo e seu corpo
(a igreja). O indigno é alguém
que ainda não entendeu que a celebração da comunhão
é participação na vida comunitária. Era o caso dos irmãos em 1Co 11. Muitos estavam
comendo e bebendo (ficando bêbados mesmo, pois se tratava de vinho) sem esperar
o outro, sem experimentar uma comunhão;
sem perceber de que aquele momento era ajuntamento de uma gente que caminhava
em comunidade.
A esses que
assim faziam, o apóstolo pede para que se
examine. Trata-se de ver algum pecado específico? A questão está no
versículo 29: “discernir o corpo”. Para alguns se trata do corpo de Cristo mesmo, sendo possível pecar contra o seu sangue e corpo. O examine-se seria
por não entender que se tratava dos símbolos
da morte de Cristo. Aqui acompanho alguns comentaristas que entendem se
tratar do corpo-igreja. O “examine-se”
trata de uma postura quanto à participação. Não se trata de perfeição alcançada e aí sim participar
da comunhão. Antes, trata-se de
alguém que não entendeu o que é o ajuntamento
do corpo de Cristo (a igreja, um
tema desenvolvido por Paulo no capítulo 12). Daí que discernir (fazer um juízo correto sobre alguma coisa), é respeitar
a comunidade reunida em torno da mesa; considerando que tal momento é propício
para a celebração da comunhão com o
outro. Assim, quem despreza os membros da comunidade menos favorecidos, também despreza
a Cristo e ainda não entendeu a natureza de ser comunidade. Comer e beber na cultura do NT é algo bem diferente que
comer e beber no contexto ocidental. Lá, não se trata de uma simples reunião
entre amig@s, mas sim de relacionamentos; estreitamento de comunhão. Estar à mesa com o outro é mais que comida, é celebração de
vida.
A questão do examina-se se dá quanto à compreensão do
outro, não de si mesmo e as possíveis culpas geradas por um sistema religioso
opressor. É celebração de vida; celebração de uma comunidade que já experimenta a realidade da ressurreição. Para isso ser possível, é preciso discernir quanto ao que se trata o
ajuntamento da comunidade e isso se
dá pelo exame, ou seja, perceber que a
comunhão é com gente e o comer e beber é um meio para celebrar a presença de
Cristo no meio da comunidade de fé.
Referências
BRAKEMEIER,
Gottfried. A primeira carta do apóstolo
Paulo à comunidade de Corinto: um comentário exegético-teológico. São Leopoldo:
Sinodal/EST, 2008.
DIDAQUÉ:
catecismo dos primeiros cristãos. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
JEREMIAS,
Joachim. Estudos no Novo Testamento. São
Paulo: Academia Cristã, 2006.
LOPES, Augustus
Nicodemus. O culto espiritual: um
estudo em 1Coríntios sobre questões atuais e diretrizes bíblicas para o culto
cristão. São Paulo: Cultura Cristã, 1999.
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