Se apropriando do evangelho de Mateus, que
juntamente com Tiago são explicitamente judaico-cristãos, mais especificamente
o capítulo 18 (cap. 18), faço uma leitura do texto olhando para a comunidade
mateana que reflete a fé em Jesus como o Messias e procura resolver seus
problemas internos.
É uma comunidade que enfrenta problemas
externos (os fariseus, principalmente) e internos (a própria comunidade). Quando
o autor quer falar a sua comunidade ele mesmo nos dá uma chave de leitura,
utilizando a palavra irmãos (gr. adelfoz). O
cap. 18 é conhecido como o “discurso comunitário”, o centro da experiência eclesial
no evangelho de Mt. O ponto central do discurso é a graça de Deus fechando o
capítulo com os versículos 21ss.
Na comunidade que vivência a graça de
Deus não há maior ou menor. Daí a pergunta dos discípulos não serem condizentes
com o real sentido de ser comunidade: “quem é o maior no reino dos céus?” A
criança é metaforicamente utilizada para dizer: na comunidade da graça de Deus
não deve haver reivindicação de prioridade, de superioridade, de posição. Antes
deve haver humildade, franqueza, respeito, consideração.
Mais a frente o autor de Mt utiliza a
palavra pequeninos. Quem são os
pequeninos? São os fracos da comunidade; são os que necessitam de atenção. Traduzindo
para uma linguagem coloquial, são os irmãos que tem dificuldades em frequentar
os encontros da comunidade; dificuldades em fazer uma leitura atenta da Bíblia;
são aqueles que possuem debilidades em sua fé, e quem não as tem? São aqueles em
que não se pode contar muito. Para com esses pequeninos o cuidado deve ser
dobrado. É melhor morrer do que fazer um desses tropeçar no caminho do
discipulado.
O autor do evangelho de Mt usa até mesmo
uma linguagem apocalíptica para defender os pequeninos da comunidade. Utiliza-se
de fogo, inferno. Quando ele fala de mão, pé, olho é uma linguagem simbólica para
exemplificar as ações dentro da comunidade (vs. 8-10). Sem dúvida a questão do imaginário
infernal como julgamento definitivo está presente no evangelho de Mt, mas aqui
no cap. 18 está se dirigindo à comunidade. Aqui é configurada uma situação em
que o membro da comunidade se afastou do seu maior objetivo, a própria
comunidade. Para Mt é o falso irmão, e o “fogo” (símbolo tão controverso no
Novo Testamento) é a frustração angustiante de que está afastado do que Deus
deseja para a comunidade. Nesse caso, o texto não está falando de gente que não
conhece a Cristo, mas sim de pessoas que dizem ter tido uma experiência com
ele. Esse é o mesmo caso no cap. 25 versos 41-42, o julgamento final levará em
conta a atuação ao próximo, e aqueles que não corresponderam quanto a essa
prática, o destino será o inferno. Ele encerra a questão dos pequeninos contado
a parábola da ovelha perdida, ou seja, deixa a noventa e nove no aprisco e sai
a procura daquele que se perdeu. Tudo isso para dizer: não deixem que suas
pequenas coisas afastem ou façam perecer os pequeninos da comunidade.
E quanto aos erros que toda comunidade
tem? Mt irá regulamentar isso a partir do vs 15: “se teu irmão pecar contra
ti...”. O roteiro é apresentado: primeiro entre as partes envolvidas, depois se
não houver solução duas pessoas, persistindo, a igreja, recusando ouvir a igreja,
tratar como alguém que nunca teve ou perdeu o senso de comunidade
(gentio/publicano). Mas o foco maior mesmo está na boca de Pedro: “até quantas
vezes devo perdoar, sete vezes?” O perdão na comunidade não é uma questão de
contabilidade. Assim como Deus que nos libera perdão numa rotação máxima, deve
ser a comunidade para com os erros do próximo. Mais uma vez Mt encerra contando
a parábola conhecida como “credor incompassivo”. Uma grande dívida foi perdoada
(o Pai e sua infinita graça) e mesmo assim aquele homem decidiu cobrar uma ínfima
quantia de outro.
A graça na comunidade é assim: ela nos
nivela, não existindo maior ou menor, todos como crianças; a graça exige
cuidado para com os pequeninos (fracos) da comunidade e perdão para os erros
que com certeza aparecem na comunidade. Essa é a graça de ser dependente da
graça de Deus e de ser comunidade.
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