O
processo de institucionalização de
qualquer movimento tende a ser o caminho mais rápido. Até agora as previsões de
Max Weber continuam sendo válidas. Primeiro se dá o movimento com os seus “carismáticos”, um “profeta” ou “político”. A
crença é o principal veículo de
condução e apenas ela favorece o andamento do movimento. Quando o movimento
está querendo ter uma expressão maior e tem um número considerável de
pessoas surge à tradição. Agora o
grupo, até então movimento, procura
coesão, procura uma identidade – não
levando aqui as consequências de se usar esse termo, recomendo a leitura do texto
de Stuart Hall, A identidade cultural na
pós-modernidade –, e precisa de um conjunto de fatores que lhe dê uma
diretriz organizacional e doutrinaria. Aqui, na previsão de Weber, aparece a instituição. Agora se obedece não à crença, mas sim a tradição. Não é mais necessário o “carismático”, aparece à figura
do organizador do processo de institucionalização. É ele quem organiza as regras,
doutrinas, ritos e determina o que pode ou não pode fazer, agora não mais em
cima de uma crença e sim em cima de
uma tradição.
Com
o Novo Testamento o processo foi parecido e esse é um dos problemas que temos
com a leitura e a interpretação do texto.
Guy
Bonneau em seu texto Profetismo e instituição
no cristianismo primitivo analisa esse processo em que o carisma dá lugar à instituição e algumas mudanças na eclesiologia neotestamentária
definem os rumos do que entendemos por igreja hoje e sua liderança.
Num
primeiro momento há o profetismo. Nas
comunidades paulinas o profetismo era
o elemento que mantinha a comunidade em torno de pessoas carismáticas e aptas a
dirigir a atividade eclesial. A ênfase nos dons
espirituais se deve pelo fato de que a comunidade se entendia como iguais
em dignidade de todos com todos, por esse motivo a coesão, incluindo aí a
pluralidade em manifestações tão recorrentes nos textos de Paulo em Romanos e 1º
Coríntios sobre a diversidade dos dons
espirituais, era uma dádiva da manifestação do Espírito Santo, favorecendo
os carismas. Esse, os carismas, é um neologismo paulino para
indicar um dom do Espírito Santo ofertado a qualquer um na comunidade. A comunidade
é estruturada a partir do Espírito, ele é o doador da liderança
carismático-profética que dirige a comunidade por meio da distribuição de dons.
Quando
a comunidade passa a ser uma instituição e
não mais uma comunidade de iguais, a figura do Espírito Santo passa a ser
obnubilada, não esquecida. Ele deixa de ser um “agente” propagador dos carismas. O foco passa a ser os
ministérios ordenados, uma espécie de hierarquia, onde o Espírito Santo apenas
sopra na direção de alguns. A concepção de iguais deixa de ser uma realidade,
assim como era nas comunidades paulinas, e passa a ser uma relação de onde
alguém, ou um grupo, sustenta uma autoridade sacralizada e precisa proteger
algo, a tradição. É aqui em que o
Espírito não nivela mais a todos por meio dos dons espirituais.
Esse
processo neotestamentário é visível entre as cartas paulinas e as deuteropaulinas.
As chamadas cartas pastorais representam bem o cume desse processo e a disputa ente o profetismo e a instituição.
Recentemente o universo
batista brasileiro foi sacudido por conta de uma decisão da Ordem dos Pastores
Batistas do Brasil (OPBB) em aceitar no seu grêmio mulheres.
As reações foram diversas. Houve
de um tudo. Alguns aplaudiram, sem mesmo saber direito o que isso significava,
outros repudiaram prontamente, também sem conhecer com mais acuidade do que se
tratava. Outros foram contra por entenderem que a Bíblia estava sendo “rasgada”,
expressão de alguns. Os sentimentos estiveram à flor da pele, principalmente no
grupo que entende que precisa “proteger” a Bíblia como “palavra de Deus”. Bem
isso é uma outra história. O mais interessante é que os extremados estavam
propondo, e ainda continuam fazendo tal apologia, uma divisão
na OPBB por conta dessa decisão, não respeitando o processo democrático
e de direito de um órgão da Convenção Batista Brasileira e sua autonomia.
Bem, essa discussão em torno
da ordenação feminina serviu para trazer mais um tema para o debate. O símbolo pastor/a
pode ser interpretado apenas como pertencente à instituição
ou ele continua sendo um carisma? Pastor/a
é uma função ou ainda pode ser considerado
um dom do Espírito Santo?
A conta não é tão simples
assim. Sendo as comunidades paulinas dirigidas, incialmente, pelos carismáticos
– e essa designação não tem nenhuma relação aqui com o
movimento pentecostal, apenas uma identificação de pessoas que possuíam os dons
espirituais para contribuir com a edificação
do corpo de Cristo – e depois, muito tempo depois, por algumas razões que não
vem ao caso aqui, serem dirigidas pelos institucionais, é sensato
ignorar essa transição em que se deu a questão da liderança
neotestamentária na
comunidade e fechar a questão em torno do gênero homem e mulher?
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