Outro problema é a velha ideia de que o nosso problema é a liturgia. Se a liturgia for “saudável”, a igreja é boa. Se cantar os hinos tradicionais, é uma igreja ótima. Se não houver coreografia, melhor ainda. Nutriu-se a ideia de que uma igreja saudável teologicamente é uma igreja com uma liturgia “correta”. Que bobagem. O Novo Testamento não fala de liturgia, mas sim de louvor, adoração, oração, ajuntamento, comunhão. A liturgia se adéqua ao seu contexto e não ao contrário. Não tem propósito dizer que os irmãos africanos não podem usar seus atabaques nas celebrações; como também dizer que os irmãos do Nordeste não deveriam usar os instrumentos típicos de sua região! Agora julgar a espiritualidade de alguém ou de uma igreja por conta da sua liturgia é ignorância bíblica. Olhemos os inúmeros exemplos no Antigo Testamento: Isaías chama atenção do povo para um detalhe em suas celebrações, estava tudo muito bonito, pomposo e impecável, mas as vidas dos celebrantes estavam em ruínas (Is 1)! O mesmo é com Malaquias, Ageu e Amós! É inacreditável que exista gente por aí dividindo igreja por conta de liturgia.
Andando por aí ouço vários pregadores falando de doutrina. Alguns até mesmo sabem o que estão dizendo, tem uma clara ideia dos sistemas doutrinários e tornam esses o critério para ser cristão. Esses agem como se o próprio Jesus tivesse formulado algum dogma e doutrina. Agora outros quando falam de doutrina não tem nem mesmo ideia do que esta falando. Não conhece os sistemas doutrinários em suas diferentes vertentes, católico, protestante e pentecostal. Formulam mensagens de doutrinação cobrando algo das pessoas que nem mesmo podem entender o sistema teológico de Calvino ou Lutero. Agora quando vão para a Bíblia falar de doutrina, se esquecem de fazer uma exegese básica do texto para perceber que doutrina nos evangelhos sinóticos não é o mesmo que doutrina nas pastorais. A doutrina de Jesus era estranha aos fariseus e escribas de seu tempo, melhor, a doutrina de Jesus não tinha nada a ver com as formulações dogmáticas e pesadas dos fariseus e escribas. A doutrina em Marcos 1,21-28 é Jesus integrar a comunidade de fé um homem que há muito tempo estava excluído do convívio religioso por conta de um espírito maligno. Não tem nada a ver com doutrinação, mas sim com vida, com transformação. Agora se for pensar em doutrina nas pastorais, é evidente que o problema é com o gnosticismo e a ideia de doutrina não está relacionada ao evangelho ou a pregação, mas sim a tradição dos apóstolos e seus ensinamentos.
Parece que o nosso problema continua sendo a doutrina correta. Ela precisa ser unívoca. Na doutrina correta não há diversidade de interpretação. Ela precisa ser aceita de ponto a ponta e quando assim se faz leva-se o título de ortodoxo.
Enquanto houver pessoas confundindo o ser cristão com o fazer alguma coisa na igreja; enquanto houver uma equivocada ideia de que a liturgia é o coração da igreja; quando a doutrina correta – seja lá o que for isso –, servi de corte entre os ortodoxos e os progressistas... o nosso problema continuará sendo um punhado de gente que vai ao templo e acha que é igreja brigando para fazer algo e esquecendo de ser; gente que acha que a liturgia é o termômetro de uma “igreja saudável”; e a doutrina ser usada para validar ou desqualificar pessoas, continuaremos tendo problemas.
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