Uma leitura de Lc 1, 31-53
É uma ótima época para presentear, comprar presente, festejar, comer, estar à mesa com a família e os amigos. A nossa cultura consumista conseguiu desvirtuar e transformar todas as comemorações religiosas em comércio. A páscoa deu lugar ao “coelhinho” o natal ao “papai Noel”. Tudo gira em torno de mercadoria, até Deus não escapa a isso.
Quando olhamos para as narrativas do nascimento nos evangelhos de Mateus (Mt) e Lucas (Lc), observamos o quanto os autores teologizou em torno do nascimento de Jesus. Embora não seja o objetivo discutir os enfoques teológicos de cada um, é interessante comparar as duas narrativas apenas para fim de constatação. Enquanto Mt se interessa por José, Lc por Maria; em Mt José e Maria moram em Belém, para Lc José foi para Belém por causa de um recenseamento; Mt faz Jesus ir para o Egito, em Lc Jesus volta para Nazaré; Mt coloca os “magos” como coadjuvantes, em Lc são os pastores. Isso mostra a particularidade de cada autor/comunidade e seu objetivo com a narrativa, cada um tentando buscar seu referencial teológico e comunitário. No evangelho de Mateus Jesus é apresentado como o novo Moisés, e por isso ele vai para o Egito, assim como Moisés, e Herodes manda matar criancinhas recém-nascidas assim como o Faraó; já Lucas quer mostrar a entrada da salvação na história – “Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor”. Lc não está preocupado em verificar fatos históricos e exatos. É mais um estilo literário, uma linguagem artística, uma narração livre com o fim de edificar e iluminar as vidas de seus leitores/ouvintes.
Se atendo, especificamente, no evangelho de Lucas, vemos a sua preocupação com os desfavorecidos, com os marginalizados, com os oprimidos pelo sistema político (representado pelos romanos), social (a divisão de classes entre os judeus) e religioso (o templo de Jerusalém como dominador do imaginário religioso). Ele tem um olhar todo especial para as mulheres. Logo no início de seu texto, Lc coloca como protagonistas Maria e Isabel. Numa cultura em que mulher não tinha nenhum valor, quer político, social, econômico e religioso, Lc dá proeminência às mulheres.
No texto de Lc 1, 31-53 está o que ficou conhecido como o “Cântico de Maria” ou o Magnificat. O anúncio do nascimento de Jesus, na teologia de Lc, provocou uma renovação de esperanças e forças; era a concretização dos sonhos do povo de Israel. Lc coloca na boca de Maria uma canção subversiva, contestatória, revolucionária. O nascimento de Jesus passa a significar a inversão dos valores, outrora considerados corretos; o nascimento passa a significar a redistribuição dos bens. Para Lc o nascimento de Jesus é um protesto, da parte de Deus, contra o abuso do necessitado pelo rico; é, ao mesmo tempo, a libertação dos oprimidos e dos fracos.
O “Cântico de Maria” significa a quebra de barreiras e preconceitos contra a mulher e o início da igualdade nas relações de gênero. Ocorre o surgimento de novas relações, não mais baseadas na exploração e no descaso pelo outro, mas na equidade. Se outrora o orgulho, aquele que se considera acima dos outros, detinha o poder, ele é destronado; se outrora os poderosos/ricos menosprezava e condenava o pobre ao descaso, agora ele é esvaziado de sua arrogância. Os humildes, aqueles que, no entender de Lc, não almejam o poder, são exaltados.
Para Lc o natal é contestação da situação de exploração econômica, social e religiosa. O nascimento do Messias é um nivelador das relações humanas; é a inversão daquilo que se considerava correto; é o desmantelamento de estruturas de poder que oprime e marginaliza pessoas.
Como seria bom se o natal de Lc fosse comemorado hoje.
5 comentários:
O foco, nos dias de hoje, é muito comercial e pouco religioso. O capitalismo entrou em todas as áreas, poucos comemoram o aniversariante.Forte abraço.
JOSE NUNES
Infelizmente o ser humano tende a se preocupar mais com entertenimento do que ler textos esclarecedores como esse e isso acaba refletindo no sucesso de abordagens equivocadas como a que temos(sociedade em geral)sobre o natal, vou usar esse texto para explicar porque não gosto de presentear com algo material no Natal. Natal é época de no máximo presentear com carinho os amigos que estimamos e não ocm bens materiais como é de hábito.
José e Paulo,
Agradeço os comentários de vocês. Fico contente em saber que há outras pessoas que compartilham das mesmas ideias.
Grato.
Alonso Gonçalves
O Natal é uma época em que a hipocrisia da sociedade se manifesta. O lugar de Jesus na vida das pessoas ainda continua sendo a manjedoura e não o coração, o lugar onde Jesus deve estar. A sociedade é hipócrita porque continua desvalorizando a pessoa do Cristo redentor e exaltando suas próprias vontades. Cada um come com os seus amigos e familiares, mas não repartem o pão e nem tão pouco multiplica-o na vida dos necessitados. Parabéns pela reflexão! Um abraço
Realmente as pessoas de hoje deixaram de lado o verdadeiro significados das coisas, não querem saber o motivo da data, mas querem saber o que vão ganhar com isso. Esta ficando muito vazia essa nova sociedade.
"Melhor do que todos os presentes por baixo da árvore de natal é a presença de uma família feliz"
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