Na Idade Média a igreja propagou sua supremacia nas diversas instâncias do pensamento: da ciência à arte. O predomínio do sagrado frente ao profano aprofundou ainda mais esta dicotomia, forçando a uma secularização que estava à vista. De fato ela veio com o advento do Iluminismo, movimento cultural-filosófico importante para o pensamento no Ocidente. Com os postulados do Iluminismo, veio a crítica à religião e suas formas de expressão, tornando esta uma esfera obsoleta para o progresso humano. As democracias surgem; a ciência toma o lugar de Deus; a liberdade individual é acentuada; a matéria é domada; o universo é desvendado; o mundo torna-se um meio para se alcançar um fim, onde a depredação ambiental é justificada pelo progresso científico. Frente a isso, a Revolução Industrial torna possível a luta de classes: ricos e pobres. Diante dessas mudanças, a teologia formula discursos que adéquam ou contestam esta forma de vida; a igreja é chamada a viabilizar maneiras de vivenciar a fé nesse universo pluralista.
O capitalismo, por enquanto, continua sendo a matriz econômica do Ocidente. Ele proporcionou a globalização; estabeleceu a mercadoria em detrimento ao humano; consolidou o mercado especulativo que não respeita governos, culturas ou povos; aprofundou a desigualdade entre as pessoas; favoreceu ainda mais os donos de capital.
Diante dessa analise macro do contexto, convém pensar nas posturas que as vertentes do cristianismo no Brasil tomaram/tomam para enfrentar este cenário. Vejo pelo menos quatro posturas: protestantismo histórico, pentecostais, neopentecostais e teologia da libertação.
No protestantismo a postura frente aos desafios da sociedade é de completa omissão. Isso se deve pelo fato de que o protestantismo dessacralizou o mundo, tornando-o utilitário, secular e passageiro. Espera-se pelo seu fim: a vida não pertence a este mundo, “somos peregrinos aqui” como ensina um hino do Cantor Cristão. Não poderia ser diferente, pois aqui o protestantismo de missão se caracterizou por afastar-se completamente da ação política. O foco foi centralizado no indivíduo: convertendo o indivíduo, convertem-se as estruturas. A intenção era formar cristãos autônomos e críticos, daí a ênfase protestante na educação secular. Parece que isso não funcionou, e hoje há uma grande apatia por parte do protestantismo em relação à vida política do país. É claro que houve esforços para se pensar o político no movimento evangélico, por exemplo, a Missão Integral, mas esta ainda sofre de auto-afirmação.
No universo pentecostal clássico, a maneira de encarar o problema é ainda mais inconsciente. Com uma liturgia carrega de emoção, contraponto ao protestantismo histórico que tem na voz/razão a sua razão de ser, os pentecostais fazem um discurso de entrega e gostam muito de usar aquele versículo de que o “mundo jaz do maligno”. Com isso esta patenteada a completa separação para com as circunstâncias sociais. Tem-se no culto o momento de catarse emocional; lugar de presenciar a glória de Deus, e diante da glória de Deus as desigualdades da vida são pequenas; a vida cristã é legitimada pela luta constante, pois é desta forma que o crente prova que esta com Deus. O corpo do indivíduo torna-se meio para aliviar o sofrimento do dia-a-dia, daí a oração por cura e o “falar em línguas”.
Com uma postura totalmente diferente do pentecostalismo clássico, os neopentecostais vêm se notabilizando pelo discurso de conquista e vitória financeira e física. Com o lema “o melhor desta terra é meu”, os neopentecostais fazem reuniões para empresários, fogueiras santas, campanhas financeiras. Com uma teologia de prosperidade, os neopentecostais assimilam o capitalismo e torna seus adeptos participantes desse queijo.
Com a teologia da libertação há um processo de conscientização do pobre e uma postura contestatória. Uma forma de denunciar e de reivindicar mais humanidade para com os pobres do continente. As pessoas não são demonizadas, mas sim as estruturas sociais.
A igreja é agência de transformação histórica (Robinson Cavalcanti). A ela é dado o poder profético frente às situações da vida. Como portadora do Reino de Deus, a igreja torna-se promotora da vida em suas diversas dimensões. Não é com posturas paliativas que será transformada esta realidade, mas com medidas concretas que tomem como centro o ser humano como imagem e semelhança de Deus.
Converter o indivíduo, não transforma um país; intimizar as mazelas da vida e compensá-las numa liturgia não resolvem o problema social; adequar-se ao discurso capitalista agrava mais ainda a vida daqueles que não possuem nada; conscientizar o pobre de seu estado já é um começo, municiá-lo de coragem e formas legitimas de lutar pela terra e pelo pão de cada dia é formar agentes transformadores de realidades.
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