1.12.09

A IMPREVISIBILIDADE DA VIDA E A FÉ EM DEUS

Estou trabalhando com a Igreja no Livro de Salmos. Considerando que os salmos são uns dos únicos textos do Antigo Testamento em que as palavras são dos homens para Deus, diferente do restante do AT em que as palavras são de Deus para os homens. Um livro de poesia, música, orações. São textos que revelam as aflições daquele que tem em Deus seu amigo, companheiro, alvo da sua adoração. Por isso os textos estão repletos de louvor, contrição, emoção, raiva, medo, clamor, lamentação, desespero, esperança, reivindicação, em suma os salmos é humano demais.

No último domingo de novembro coloquei diante da comunidade o Salmo 73. Um texto difícil para uma comunidade em que a maioria das pessoas tem extrema dificuldade em conciliar a fé com as contingências da vida. Muitos têm medo de questionar a sua fé em um mundo de desgraças e tragédias; um mundo em que pessoas boas morrem e pessoas más se dão bem em seus negócios escusos e fraudulentos. Essa é a questão do salmista: “quanto a mim, os meus pés quase tropeçaram; por pouco não escorreguei. Pois tive inveja dos arrogantes quando vi a prosperidade desses ímpios”. O autor é corajoso quando levanta a questão: aqueles que não estão nem aí para o Senhor se dão bem, e aqueles que temem a Deus nem tanto!

É preciso entender o salmo dentro do contexto teológico da época, a chamada teologia da retribuição. Como no AT ainda não havia nenhuma doutrina de pós-morte, pois entendiam que depois da morte tudo se acabava (Sl 115,17), acreditava-se que as bênçãos do Senhor eram para a vida presente. Quem fazia o bem recebia coisas boas, quem fazia o mal recebia coisas más. O autor do 73 irá comprovar empiricamente que esta lógica teológica não estava de acordo, pois isso não acontecia com ele, é a partir disso que ele começa a processar sua fé em cima dessas questões e chega a conclusões interessantes que foge e muito do conceito triunfalista do evangelho que vemos hoje.

Tentei mostrar à comunidade que é possível crer em Deus apesar do mal. Os cristãos hoje estão acostumados a entender que aqueles que têm fé em Deus nada de ruim os acontecem, estão isentas de problemas; neste sentido fazer a “vontade de Deus” é sinônimo de ausência de problemas na vida. A ideia de que o mal não atinge os crentes, como se Deus tivesse uma bolha protetora, não corresponde com a vida cotidiana; outros interpretam tudo que acontece no mundo pela perspectiva de Deus alegando que tudo tem um propósito, com esta maneira calvinista de entender, a guerra tem um propósito, a menina estuprada tem um propósito. Com essas duas concepções, as pessoas são levadas a não assumir a vida com suas mazelas e dilemas, com suas contingências e imprevisibilidade. O mal faz parte da vida. Se o evangelho fosse triunfalismo o profeta Isaías não teria sido cortado ao meio, as mães de Samaria não comeriam seus filhos para matar a fome, João Batista não teria sua cabeça cortada e Jesus, vítima da maldade humana, não teria sido crucificado! Crer em Deus apesar do mal é conviver com as incoerências da vida, com os absurdos, mas ter a certeza de que “Deus é a força do coração” (v.26).

Outra postura frente a imprevisibilidade da vida é a maturidade da fé no ato de crer em Deus como ato de amor. As pessoas se decepcionam com Deus quando são frustradas em seus desejos e vontades, porque a relação com Deus é baseada na posse: ele é um deus consumido. A questão é: se Deus não pode me proteger e a todos a minha volta, para que ele serve? Como se Deus fosse máquina para funcionar de acordo com alguns comandos.

A conclusão do salmista não é reivindicar riquezas, saúde como os outros que ele estava vendo. Apesar dos problemas da vida ele reafirma o seu amor a Deus, simplesmente porque Deus faz parte da vida. Por isso, apesar do mal e das ilógicas da vida ele conclui que “bom é estar perto de Deus”.

28.11.09

JUSTIÇA: QUAL?

Uma leitura a partir de John Rawls (1921-2002)

Esta nos jornais. Pessoas gritando nas ruas pedindo justiça. É a mãe que chora o filho assassinado; a família que não ver solução para o filho que é dependente químico; é o traficante que ganha seu dinheiro cheirado, fumado; é a corrupção na política mostrando ao povo a sua condição de bestializados diante de tramóias e contratos escusos; é a vítima de latrocínio com apenas vinte anos de idade; é a casa sendo roubada por garotos que deveriam estar na escola. Todas essas situações exigem justiça. Quem é vítima do mal quer ser compensado pela justiça: “ele tem que pagar”. Ocorre que em uma sociedade marcada pela individualidade, justiça é pensada como um conceito meritório, compensatório. As vítimas de injustiça querem ser compensadas de alguma forma; quanto ao agente da injustiça, cabe a ele pagar de alguma forma o mau que praticou.

Será que justiça é feita quando alguém sofre penalidades pelo delito que cometeu? E aqueles que não sofrem qualquer tipo de penalidade pelos seus crimes, como ficam? Quem sofre a injustiça é compensado, e quem a prática, como será restaurado? O sistema prisional resolve? Quem sofre a injustiça é vítima do mal, mas quem pratica a injustiça também o é. No sistema que enxerga apenas a vítima, ignora o agente, tratando-o como único responsável pela maldade praticada, quando na verdade são vitimas do mal quando aceitam voluntários ou involuntariamente praticar a injustiça.

Neste tema é interessante pensar em John Rawls (filósofo norte-americano). O problema é pensando a partir das construções sociais, das instituições que exercem poder sofre as pessoas. As estruturas são corrompidas pelo mal. Mas como as estruturas não podem se converter resta às pessoas transformá-las, uma vez que qualquer estrutura é criação humana.

Claramente partidário da filosofia de Kant (contratualismo), J. Rawls critica o utilitarismo da sociedade pós-moderna que escraviza o maior número de pessoas em detrimento do bem-estar de poucos. A base da desigualdade é a exploração do homem pelo homem, gerando com isso os dilemas sociais. Justiça para ele é o primeiro requisito de qualquer instituição social, mas não aquela meritória e condenatória, mas uma justiça mais humana e menos capitalista no sentido de que todos devem ter igualdade de oportunidades numa sociedade democrática. Quando o sistema econômico e social vigente produz desigualdades aberrantes, é preciso modificar leis que sejam justas para todos e não apenas para uma minoria da população. Ele é considerado um utopista por pensar assim. Quando propõe um neocontratualismo, onde todos agiriam em beneficio de todos, J. Rawls aponta que a injustiça é decorrente da incapacidade do Estado de gerir um contrato ético-social entre as pessoas.

Não sei se a ética socialista de J. Rawls resolveria o problema da justiça/injustiça, mas é fato que quando as pessoas têm no dinheiro a base da sua existência, ocorre que as relações humanas passa pelo dinheiro. Enquanto o dinheiro estiver no lugar da solidariedade, da compaixão, ele continuará produzindo injustiça. Enquanto o Estado sustentar a política econômica neoliberal, a injustiça sempre prosperará, principalmente para os mais desfavorecidos.

Seria interessante ver passeatas gritando por justiça para o agente da injustiça, pois ele também é uma vítima do mal. Para J. Rawls não são os casos de injustiça que precisam ser vistos atentamente, mas as estruturas políticas e sociais que necessitam passar pelo crivo da igualdade de oportunidades, isso é democracia.

25.11.09

O DEUS CONSUMIDO

Uma das características da nossa cultura é o individualismo. E sua vertente mais significativa é o consumo como estilo de vida. A dinâmica da vida em torno das mercadorias transformou o homem em mais uma mercadoria, indispensável, é claro, para o consumo, mas ainda assim marionete do mercado neoliberal.

Este processo de coisificação do humano começou com a Revolução Industrial, quando o homem entrou em contato com a natureza e por meio da técnica, modificou a natureza para o seu consumo, transformando o mundo moderno em um grande supermercado. Crítico da época, Karl Marx já alertava em seus escritos e jornais a condição exploratória do homem pelo homem e a demasiada ênfase no produto. Com seus escritos conseguiu modificar diversos comportamentos entre patrão e empregado, mas uma coisa ficou bem clara, a alienação do ser humano no mundo de consumo. Hoje o consumo é um deus na sociedade pós-moderna, forjou as relações das pessoas por meio do comprar-vender. Em outros termos, o consumismo bestializou as pessoas ao ponto de humanizar os objetos.

As concepções de Z. Bauman é perspicaz quando em seu livro, A modernidade líquida, coloca que os indivíduos nessa nova cultura não possuem critérios de escolha, o indivíduo consumidor sofre de uma angústia e lhe faltam orientação e critério, quando isso não ocorre o indivíduo se afoga na comilança. Parafraseando R. Descartes não funciona mais o penso, logo existo mas o compro, logo existo.

Na dialética, religião/economia, o discurso religioso é variado. Enquanto a teologia da libertação trabalha com a exploração e marginalização do sistema econômico, a teologia da prosperidade coaduna a fé com a economia, transformando o sucesso econômico sinônimo de agraciamento divino. Neste sentido há um “deus consumido”, onde a relação com a divindade passa por benefícios financeiros assim como uma fábrica/indústria processa e lapida a matéria-prima.

Assim como os shoppings centers das grandes cidades funcionam como verdadeiros templos ao deus consumo, e comprar nesses lugares é uma liturgia. Um tempo em que tudo passou a ser consumido do sexo até o café, as empresas de publicidade tem a função de criar desejos de compra no indivíduo que cresce vendo que quem tem é feliz.

A relação com Deus passa pelo crivo econômico: “o que Deus pode dá? qual o lucro que se pode ter?” As campanhas financeiras dos neopentecostais são verdadeiras marcas publicitárias. Impossível ver hoje pessoas se aproximarem de Deus para amar como ele ama, mas ter o que ele pode dar. Isso se reflete nas músicas que só cantam a vitória, nas orações que invocam o sucesso. Na verdade isso já virou epidemia e quem não à pega é anêmico.

14.11.09

HERMANÊUTICA APIMENTADA

O protestantismo de missão (batistas, congregacionais, presbiterianos e metodistas), sofre hoje com a incapacidade de dialogar com a cultura brasileira. É claro que há incursões neste campo a fim de explorar a dinâmica da cultura e o discurso protestante (o principal no ambiente batista é Jorge Pinheiro). Com uma mensagem que rejeitava o passado do “convertido”, o protestantismo desvalorizou a cultura nacional, não sendo capaz de uma ação de inculturação. Resultado disso são os Seminários, Institutos e Faculdades Teológicas que não têm em sua grade curricular disciplinas de cultura brasileira e teologia latino-americana (há exceções). Os pastores/teólogos desconhecem completamente a literatura brasileira e grandes nomes do pensar abrasileirado como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado, Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro. Em vez disso, a cultura saxônica, na sua vertente mais pragmática, a norte-americana, moldou o protestantismo brasileiro.

O que se produziu diante desse fato, foi um total descompasso com a cultura brasileira, e por tabela a incapacidade de discursar com propriedade para o povo brasileiro. Vários fatores ocorreram para uma leitura fundamentalista da Bíblia, a começar pela natureza missionária no país no século XIX.

Uma rápida visão pelas hermenêuticas no protestantismo fica mais ou menos assim: 1). O protestantismo de imigração valoriza uma hermenêutica a partir do método histórico-crítico, um esforço para determinar o sentido histórico do texto; 2). No protestantismo de missão a leitura se deu no embate com o catolicismo, sendo a Bíblia entendida como a Palavra de Deus somente mediante a iluminação do Espírito Santo era possível compreender o texto sagrado, o que não ocorria com o catolicismo, que tem no Magistério a diretriz hermenêutica (não incluo aqui o pentecostalismo porque a chave hermenêutica passa do texto para a experiência, não é o que se lê, mas o que se sente). Com isso a postura fundamentalista se enraizou por aqui. Desconsidera a natureza cultural e temporal da Bíblia, acreditando ser ela a “voz de Deus” em qualquer sentido e tempo, até mesmo como elemento para contradizer a ciência (a polêmica criacionismo x evolucionismo), uma leitura ainda medieval.

Dessa hermenêutica os púlpitos de nossas igrejas bebem. Uma leitura do texto que passa pelo dogma, pelo confessionalismo, pela ética puritana, pelas declarações doutrinárias. Acentuando ainda mais um consenso em torno de uma interpretação que só servem para afirmar as mesmas doutrinas e práticas, e aí daquele que contrariar. Com uma interpretação tida como inspirada, a postura é reproduzir o que se aprendeu com as leituras pragmáticas e calculadas de autores estrangeiros. Uma rápida constatação: os comentários bíblicos de maior sucesso entre os pastores são O Novo Testamento interpretado versículo por versículo de R. N. Champlin (há também do AT e mais uma enciclopédia, esse é o cara); O novo comentário da Bíblia de F. Davidson; série Cultura Bíblica (publicação da Editora Mundo Cristão e Vida Nova), uma coletânea de comentários do AT e do NT; além disso, muita gente gostou do livro que nem mesmo me lembro do autor, A Bíblia tinha razão, uma “comprovação” arqueológica de que a Bíblia, de fato, era verídica, como se o texto precisasse de elementos externos para ser o que é. Todos os autores são estrangeiros. Eu mesmo na faculdade teológica (SP) tive como livro texto A interpretação bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia (Edições Vida Nova), de Roy B. Zuck. Sentiu a pretensão?

Penso que é urgente uma leitura latino-americana da Bíblia. Foi o tempo de comer livros de estrangeiros que não conhecem nada de nossa terra, do seu povo, da sua cultura, dos seus costumes. É preciso abrasileirar a Bíblia e começar a fazer uma hermenêutica apimentada, linguagem que nosso povo entende. Uma das grandes vantagens do método histórico-crítico foi demonstrar que a Bíblia não caiu do céu pronta, há um povo, uma cultura, um lugar. A leitura que os autores do NT fizeram do AT foi aculturada, Paulo mais ainda, helenizou totalmente o Evangelho.

A hermenêutica latino-americana valoriza a vida; valoriza a condição em que a pessoa vive; é um discurso que leva em consideração os anseios antes que doutrina. Há no nosso continente uma leitura bíblica com uma espiritualidade tão profunda que nossos púlpitos não sentem nem mesmo o gosto. Uma leitura que leva em consideração a rica ignorância do povo para com a Bíblia (C. Mesters), tendo como combustível hermenêutico a similaridade do povo/autores bíblicos com o nosso povo e seus dilemas. Aqui Jesus é mais humano e não tanto transcendente; os profetas falam a nossa língua quando condenam a opressão.

Há vários códigos de leitura da Bíblia, europeu, norte-americano, asiático, africano, marxista e filosófico. É preciso estabelecer o nosso código, com muito orgulho, latino-americano, e mais preciso ainda, brasileiro.

6.11.09

INQUIETAÇÕES DA VIDA

Assumindo a vida com suas ambiguidades

Há no entendimento de muitos o ateísmo de Friedrich Nietzsche, alguém que por defender a morte de Deus postulava um ateísmo cruel contra o Cristianismo.

Como entender a morte de Deus para Nietzsche? A sua afirmação, Deus está morto, significa dizer que nega a realidade do Sagrado? Parece que não.

Seu tempo é marcado por uma religião autoritária, contraditória, inimiga da vida. Um Deus à imagem e semelhança dos dominadores. Um Deus que estava fora do sistema político-social, mas que apregoava uma ética elitista, puritana, e ao mesmo tempo, se mostrava inacessível ao humano, a não ser pelo dogma. Uma religião que escravizava e tirava a alegria, a nobreza da vida humana, quando colocava toda a realidade da vida nas costas desse “Deus”, impedindo de ver a vida como ela é de fato, ou seja, projeção, construção, incertezas. Com essa assertiva, Deus está morto, Nietzsche não elimina a existência do numinoso, do Sagrado, mas somente o “deus moral” que sufoca a vida.

No seu mais conhecido livro Assim falou Zaratustra, Nietzsche expõe três transformações que representa a passagem para encarar a vida de outra maneira: camelo – corre carregado do peso existencial insuportável, trata-se da solidão, da angústia no deserto; leão – a força, o desejo da liberdade do sentido, o tomar a vida pelas mãos; menino – metáfora da liberdade e da reconstrução, inocência, um começo, um brinquedo. Na metáfora do menino nasce um novo ser, em que a justiça, o amor, a vida, o lúdico estão presentes. Com a figura do menino, Nietzsche quer a realização de uma vida sem rancor pela vida, sem ciúme, é o dizer sim à vida e suas contingências, é amar a sua realidade em todas as suas manifestações. Ao contrário da imagem do menino, a religião e o Cristianismo em especial, com seus recursos além-morte, contradiz a vida. Com isso não se nega o Transcendente, mas a dogmatização do Sagrado.

Apesar da sua dura crítica ao Cristianismo e sua força coerciva da natureza humana, Nietzsche é cativado pela figura de Cristo, que, aliás, para ele, foi o único cristão. Na cruz há o símbolo mais sublime que já existiu, ele foi um espírito livre. Mas há que separar Cristo do Cristianismo, pois este pregou contra o que escravizava o povo. O Cristianismo inventou os dogmas e por meio deles escraviza o povo.

Nietzsche apostou no niilismo para chegar a real condição do humano, a negação de todos os valores e conceitos científicos, religiosos e moral. Um crítico ferrenho da cultura Ocidental, mas ainda alguém que via no amor o sim para a vida, um amor que aceitasse a vida como ela é de fato, inclusive com a sua crueldade; aceitasse o mundo e suas ambiguidades e amá-lo por isso. O seu niilismo o levou a produzir uma concepção de Deus de forma límpida, não como interventor, dominador, usurpador da vida, mas um Deus que soubesse dançar.

Colocar em Deus os acontecimentos pessoais e mundiais é a negação da vida, foi o que Calvino fez! É tirar do ser humano a sua mais básica condição, a humanidade. Nisso Nietzsche contribui, e não é por acaso que ele foi e continua sendo um dos filósofos mais lidos. Nunca iremos aprender a lidar com o sofrimento, mas ele é, inexoravelmente, parte da vida.

4.11.09

CONTINGÊNCIAS DA VIDA

Uma reflexão a partir de Friedrich Nietzsche (1844-1900)

A vida é incertezas, ela não é matemática, ela é superação, desespero, esperança, amor, ódio... Eu não sei por que há pessoas que param na rua para aquelas ciganas lerem as mãos; há ainda àqueles que vão à cartomante para jogar os búzios e as cartas de tarô; sem contar os “profetas” que estão por aí dizendo o que vai acontecer. A vida é projeção, construção, nada pronto, é imperfeição e isso é uma bênção.

No aspecto religioso nossas igrejas estão cheias de pessoas procurando saber qual é a “vontade de Deus” para as suas vidas. É o jovem que diz que esta orando para ver se o namoro com a moça é da “vontade de Deus”; é uma família que esta com um enfermo em casa e sempre esta orando para saber qual é a “vontade de Deus”; a saída ilesa de um acidente é interpretada como “livramento de Deus”, portanto, não era da sua “vontade” a morte naquele momento, como se ele tivesse um relógio celestial em que marcasse a hora das pessoas morrerem. Apegamo-nos em algo que possa compensar a fragilidade, e a religião é uma dessas formas, ou um código simbólico para fazer uma leitura, ainda que ilusória em alguns momentos, da realidade.

Lembro-me de um caso que vi na tevê (escrevi um texto no dia 13/06/09 “Era possível um milagre?”) sobre o acidente do avião francês da companhia Air France. Bem, um programa de TV entrevistou um rapaz que no último minuto foi impedido de embarcar porque o avião já estava taxiando. Estavam no programa mais dois convidados: um astrólogo e um teólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Eles tentavam entender porque o jovem não morreu com todos os outros. Para encurtar aquelas bobagens, que nem mesmo tive paciência de acompanhar até o fim, o professor universitário afirmou que o jovem não entrou no voo porque ele precisava acertar alguma coisa em sua vida, por isso Deus o poupou. Simplesmente um absurdo. Uma postura recheada de conceitos calvinistas. Mas que Deus seria esse que poupou apenas uns e não mais de 200 pessoas? Se pudesse impedir, para quem entende que Deus permite tudo e se permite pode impedir, por que não segurou a aeronave no ar?

O fato, e podem discordar, é que, para não aceitar a vida e suas vicissitudes, as pessoas se valem de subterfúgios. Prova disso é a sociedade que vivemos onde o vazio existencial é preenchido por drogas, moda, compras, violência. Talvez as minhas reflexões não sejam interpretadas no sentido de alguém que quer buscar outros discursos para ler a vida, mas quando proponho Friedrich Nietzsche é porque ele foi filho de pastor luterano, portanto conhecia a Bíblia e até pensou em seguir o mesmo caminho do pai, mas que num dado momento percebeu que o cristianismo em voga era insatisfatório para responder aos anseios humanos, e parece que hoje a história se repete quando há um cristianismo que acentua seus valores, suas regras, suas receitas, em detrimento da vocação humana para a liberdade.

Nietzsche é influenciado, num primeiro momento, por Schopenhauer e sua obra O mundo como vontade e representação, uma filosofia pessimista da vida, mas ainda, no entender de Nietzsche uma metafísica da vontade. O que ficou dessa leitura foi a convicção de que o homem é um eterno insatisfeito. Um ser que comunga dor e prazer, e que, portanto, é ilusão conceber a vida sem dor.

As leituras em Schopenhauer e Dostoiévski levaram o jovem Nietzsche a ver a vida, a cultura e, principalmente, a ciência com outros olhos. Numa época em que o pensamento filosófico era impregnado de conceitos científicos, e, portanto, a vida tinha a sua causa e efeito, Nietzsche valoriza a vida e suas contingências desconsiderando o aspecto cientifico com a pretensão de explicar tudo a partir da razão. Ele via a vida não como lamentação; a tragédia não como expiação, mas como necessária ao crescimento vital da vida. A vida é uma constante transformação, e por isso, deve-se estar preparado para o inesperado, para a surpresa, para as batalhas que ela oferece.

Alguém que experimentou a solidão profundamente; experimentou a rejeição da sua bela Lou Salomé, aluna russa que não quis casar-se com ele; acometido de uma doença mental incurável, Nietzsche, mesmo doente, era saudável. Ele tirava proveito dos momentos mais dolorosos da vida.

Nietzsche concebe a tragédia como algo que ocorre, naturalmente, à vida. Ele aceita as contingências da vida de forma aberta, sem mediações, quer cientifica ou religiosa, pois a vida é assim, incertezas, vicissitudes.

Continuo...

1.11.09

NOVOS TEMPOS - II

Somos herdeiros de uma história. Nossa tradição é batista, fruto do protestantismo de missão que, inegavelmente, ajudou e muito a construir este país. Ideais políticos (sistema republicano com estado laico), filosóficos (positivismo), econômicos (liberalismo), religiosos (anti-clericalismo e anti-catolicismo) e educacionais (inovando com o método de leitura e ferramentas de ensino), ajudou na formação do país. A passagem do Brasil - Império para o Brasil - República, teve como participação efetiva dos protestantes que influenciaram homens como Rui Barbosa e Prudente de Moraes.

Como podemos contribuir para a nossa sociedade nesses novos tempos?

Aponto aqui alguns temas que considero relevantes.

Princípios: a defesa e a promoção dos princípios batistas são inegociáveis, eles definem quem nós somos. A autoridade da Bíblia na comunidade; a formação eclesiológica autônoma e democrática; a liberdade religiosa, moral e consciência; a separação Igreja-Estado. São bandeiras esquecidas no nosso meio. O fundamentalismo bíblico ofuscou os princípios batistas e nem mesmo os pastores conhecem eles, quanto mais os membros da igreja! Em novos tempos é imprescindível acentuar a identidade, e os batistas não são a Declaração Doutrinária da CBB, antes dela há os princípios defendidos com a vida, como, por exemplo, Thomas Helwis que morreu na prisão pela liberdade religiosa.

Pastoral: em vez de uma pastoral burocrática e administrativa, uma pastoral solidária e integral. A formação teológica não prepara o pastor/teólogo para lidar com os problemas da vida que afetam a todos. Há uma insistência na evangelização a todo o custo, e a pessoa no seu sentido mais integral é marginalizada. A mentalidade reinante é “ganhar almas para Cristo”, como se o homem fosse apenas “alma”. A sociedade, com suas mazelas e desafios éticos, não é considerada. Falta ainda uma visão holística; uma espiritualidade que não seja proselitista, mas humana.

Estrutura denominacional: a organização denominacional é empresarial. Analiso as condições da estrutura da CBESP. Na última assembleia o tom foi empreendedorismo. Não há problema nenhum em ouvir profissionais da área de finanças e imprensa, o problema esta em querer transportar conceitos empresariais para a Igreja. Já sofremos muito com o modelo eclesiástico-organizacional baseado na industrialização, dividindo a igreja por departamentos, desconsiderando completamente a liberalidade dos dons espirituais. Sendo os batistas autônomos e democráticos, e a CBESP/CBB sendo instituições a serviço da Igreja, essas poderiam promover um amplo debate sobre as questões que preocupam o país. O que os batistas têm a dizer sobre células-tronco? Qual a opinião dos batistas sobre o aborto? Como reagimos frente ao descaso do poder público com algumas necessidades vitais da promoção humana? Qual nossa postura com políticos envolvidos em escândalos financeiros? Alguém aí já viu os batistas entregando um projeto de lei no Congresso Nacional com no mínimo um milhão de assinaturas? Onde está a nossa capacidade de comunicação? Até quando os batistas iram ver os neopentecostais fazendo uma lavagem cerebral na cabeça do povo com este evangelho marqueteiro? Não é apenas um pastor que representa a opinião dos batistas, por isso a necessidade de discussão e apontamentos que falem pelos batistas de modo geral. Para isso ocorrer a estrutura denominacional precisa estar atenta a isso, não é apenas campanhas missionárias que resolveram o problema.

Essas são algumas provocações que faço. Respeito aqueles que pensam de forma diferente, mas insisto nisso: novos tempos exigem novas leituras. A minha preocupação é se estamos prontos ou quando estaremos prontos para refletir com seriedade esses temas.

31.10.09

NOVOS TEMPOS - I

Na edição de 15/Out, o Jornal Batista trouxe como tema de capa o alerta de que os batistas estão passando por uma crise identitária. O editor, Fábio Aguiar Lisboa, colheu depoimentos dos pastores/teólogos Zaqueu Moreira, Irland Azevedo, Carlos Peff, Israel Belo e Isaltino Gomes. Cada um deles apontou as razões de uma pretensa crise denominacional. O teor do discurso girou em torno dos princípios defendidos pelos batistas na sua história e a falta de conhecimento desses princípios por parte dos pastores e membros; identidade frente às outras denominações; formação teológica; estrutura denominacional e seu fortalecimento etc.

Na última quinta-feira de outubro, a Ordem dos Pastores Batistas do Vale se reuniu em Registro, reuniões periódicas que tem como principal objetivo a comunhão, a inspiração, a conversa entre os pastores, diga-se de passagem, muito salutar. Neste encontro discutimos as dificuldades que enfrentamos no cotidiano pastoral, os dilemas da vida, a igreja, as posturas adotadas e uma incógnita sobre o futuro. Discussão que se houvesse tempo não acabaria tão cedo.

Acontece que esses dois fenômenos que acabei de relatar não ocorreram por acaso, de fato há uma inquietação na sociedade e as igrejas sentem isso, principalmente os pastores, de como fazer uma leitura apropriada desses novos tempos que passamos. Tempos de reestruturação econômica; aumento da vulnerabilidade social; da falta de sentido; da pluralização religiosa; da comercialização do evangelho. Diante dessas questões os batistas, como ramo do protestantismo, necessita refletir sobre isso e contribuir com sua história e tradição.

Diante dessa ânsia por diálogo coloco aqui alguns apontamentos sobre temas que considero importantes, e, como pastor batista, procuro refletir.

Leitura pós-moderna: esta cada vez mais escassa a capacidade de fazer uma leitura realista e destituída de qualquer preconceito sobre a cultura que vivemos. A tendência é sempre demonizar o surgimento de novidades exóticas e comportamentos esdrúxulos. A realidade não pode ser vista apenas com a Bíblia na mão, mas, parafraseando Karl Barth quando assumiu o pastorado em Safenwill, numa mão a Bíblia e noutra o jornal (os acontecimentos). As coisas estão acontecendo na sociedade com seus dilemas diários e a Igreja inerte a isso, pregando sobre predestinação, pré-milenismo, modelos de crescimento de igreja se é ou não com propósito etc. Acontece que as pessoas estão cada vez mais desesperadas precisando de esperança, e a Igreja parece que não consegue fazer esta leitura de forma adequada.

Pluralismo religioso: os tempos mudaram, as pessoas aderem a uma religião, seita ou movimento não mais pela sua doutrina, mas pelo preenchimento existencial. Dado interessante é que na cidade de São Paulo o Budismo tem crescido assustadoramente, principalmente entre a classe média. No Brasil a hegemonia cultural-religiosa já deixou de ser católica. Existem outras vertentes que estão conquistando espaço. Parece que não estamos preparados para discutir o que chamo de “democratização religiosa”. Não há mais espaço para o proselitismo baseado no medo e na dor (embora esse imaginário ainda reine no interior do país). As pessoas são instruídas; as empresas hoje oferecem palestras de filosofia; as pessoas estão mais informadas e ao mesmo tempo necessitadas de sentido, uma vez que para muitos a visão da história é pessimista. Não é por acaso que a tevê Globo esta promovendo a Série “Sagrado”, um diálogo aberto com todas as versões religiosas do país. Representando o protestantismo esta o pr. Israel Belo (IB Itacuruçá/RJ). E como não poderia ser diferente, as críticas surgiram, mas, inegavelmente, é este o caminho para os próximos anos, o diálogo. O ecumenismo, rejeitado pelos batistas com tanto fervor, será pauta obrigatória. Como um dos princípios batistas é a liberdade religiosa e de consciência, poderemos contribuir com os nossos quatrocentos anos de história para o diálogo respeitoso e fraterno, algo que os católicos perceberam há muito tempo e realizam um diálogo fraterno e respeitoso com os luteranos, metodistas e presbiterianos independentes.

Teologia latino-americana: a formação teológica dos pastores hoje ainda é norte-americana. É só olhar a proliferação de teologias sistemáticas traduzidas no mercado editorial brasileiro. Os livros que abarrotam as livrarias são, na sua esmagadora maioria, traduções de autores que fizeram sucesso lá fora. No meio acadêmico (seminários ou faculdades teológicas da denominação) não se privilegia a leitura de autores da América Latina. Há uma repulsa pelos pensadores católicos, mas são eles que fazem teologia latina hoje. A Missão Integral (evangélica) e a Teologia da Libertação (católica) podem dar as mãos em termos de metodologia, mas os batistas continuam ignorando isso. É necessária uma formação contextualizada; uma leitura a partir da realidade brasileira; uma teologia com calor e pimenta. Enquanto reproduzirmos tendências, métodos, modelos eclesiológicos, livros e teologias importadas, nosso povo irá continuar sendo indecifrável para nós.

Continuo no próximo texto, até lá...

23.10.09

REPENSANDO O PROTESTANTISMO

O que poderia ser diferente

Neste mês a Reforma Protestante comemora 492 anos (31 de outubro de 1517). Os herdeiros desse movimento são, indubitavelmente, os luteranos, presbiterianos, anglicanos, batistas, metodistas e congregacionais. Recentemente postei alguns comentários numa revista online (Ultimato) argumentando que os pentecostais não fazem parte da matriz protestante, a não ser a presença da Bíblia nos cultos que não é tanto valorizada mais que a tal “profecia oral”, e a reação dos internautas pentecostais foram bastante incisivas no sentido de colocar o pentecostalismo no espectro protestante, argumentei que os pentecostais habitam um universo religioso totalmente contraditório do protestantismo em diversos aspectos, desde identidade, teologia e liturgia. Desta mesma ideia compartilham Antonio Gouvêa Mendonça que foi uma das maiores autoridades em protestantismo no Brasil, e Rubem Alves, que dispensa qualquer comentário, ambos colocando a peculiaridade do protestantismo e o antagonismo do pentecostalismo.

A proposta aqui é fazer uma leitura de alguns símbolos do protestantismo e apontar o que poderia ser diferente. Para isso conto com os textos de Rubem Alves*, Antonio Gouvêa Mendonça** e Prócoro Velasques Filho.***

Cultura: até hoje sofremos com a questão cultural, ainda mais aqui no Brasil que não têm na sua raiz religiosa o protestantismo, como nos EUA, mas o catolicismo. A natureza iconoclasta do protestantismo afastou qualquer imagem do imaginário religioso alegando paganismo, compensando essa lacuna, não satisfatória, com a centralidade da Bíblia e a música, daí a crise simbólica no protestantismo, chegando, em alguns segmentos, o repudio da cruz nos templos. É inquestionável a contribuição do protestantismo à cultura moderna, mas Paul Tillich, em seu texto A era protestante, aponta que apesar de não separar o sagrado do profano o protestantismo se afastou da cultura, esquecendo-se que o Reino de Deus se dá quando a cultura em geral é santificada. O prejuízo desse distanciamento é a completa separação da Igreja com a cultura do lugar, uma vez que “conversão” compreende em separar o indivíduo do seu ambiente vivencial. Com isso, o pastor é sempre procurado para ser juiz em determinadas situações que ultrapassam os muros do templo; se os adolescentes podem ou não participar de festa junina na escola; a dança é colocada como pecado e anormal para crentes; até pouco tempo atrás o cinema era demonizado. Lembro-me de que uma Igreja Batista do Estado de São Paulo saiu em carro alegórico no carnaval deste ano e as críticas foram aterrorizantes! Aqui essa distancia Igreja-cultura é mais evidente devido ao protestantismo de missão que enfatizou demasiadamente a regeneração e a santificação, com isso o comportamento se tornou a chave hermenêutica para a fé. O prejuízo disso é a falta da poesia, da boa música popular brasileira, da literatura de qualidade. O que fazer para unir cultura e Igreja no protestantismo? Uma velha questão.

Bíblia: como herança da Reforma, a Bíblia terá sempre a primazia na Igreja. Isso tem o seu lado positivo e negativo. Colocar a Bíblia no centro da fé cristã foi um grande feito de Martinho Lutero, mas o fundamentalismo corrompeu o texto fazendo uma leitura literalista e dogmática. A pretensão de possuir o conhecimento absoluto do texto sagrado levou a dogmatização de doutrinas suprimindo, desta forma, o livre exame, herança da Reforma. Hoje, como bem observa Rubem Alves, não há livre exame da Bíblia, pois não cabem mais o pressuposto da dúvida, da consciência. Assim como a Igreja Católica tem no Magistério a diretriz em que os fieis devem crer, o protestantismo produziu o mesmo com suas “Declarações Doutrinárias”. Qualquer um que acene para outra interpretação é taxado de “herege”. Parece que o texto deixou de produzir consolo, comunhão, experiência com Deus (que, aliás, no protestantismo não vem primeiro, antes o logos que o pathos) e se transformou em bula doutrinaria apenas, ignorando seu contexto histórico, literário e a sua diversidade teológica.

Culto: uma liturgia centralizada na Bíblia, com música contemporânea, o culto protestante tem uma diversidade incrível. Ocorre hoje a perda de sentido em símbolos tradicionais para o protestantismo como batismo e ceia do Senhor. Como a teologia sacrificialista é predominante, a ceia é vista como morte, recordação do sacrifício expiatório. Essa leitura é comum, a menos enfatizada é a dos evangelhos em que o momento de celebração da ceia é momento de alegria, pois se celebra a presença do Ressuscitado no meio da comunidade. Com essa postura diante da ceia, o protestantismo colocou esse símbolo como apenas acessório no culto, diferente da teologia romana que compreende a eucaristia como centro da vida em comunidade e absoluta na liturgia. Como por aqui o protestantismo de missão não separou culto de reunião evangelística, o culto perdeu a solenidade que deveria ter para com Deus, colocando em seu lugar o “pecador” o “perdido”, hoje mais ainda, o “visitante”, onde tudo no culto gira em torno dele, um prejuízo que custa a ser reparado em nossas igrejas. Tanto é assim que em muitas igrejas a ceia é no domingo de manhã onde se entende que há somente os membros da igreja, e não num domingo à noite, pois é culto “público”, evangelístico e aquele momento de celebração não deve ser compartilhado pelos “visitantes”. Tenho insistido em minha comunidade que o culto é para Deus, portanto celebração, adoração. A ceia do Senhor é a única possibilidade de vivenciar a comunhão com Cristo e seu corpo, ou seja, a Igreja. Não é rol de membros que determina se alguém pertence ou não à Igreja, rol de membros é questão administrativa, mas sua participação na comunhão do corpo de Cristo.

Teria outros pontos para abordar no protestantismo que nós tanto gostamos como, por exemplo, a questão da liberdade, a consciência, mas deixa para uma próxima. Fica aqui um desejo de reflexão e uma singela contribuição: vamos continuar nos reformando, pois essa é a principal característica do protestantismo.

* Rubem ALVES. Religião e repressão. São Paulo: Teológica/Loyola, 2005.
** Antonio Gouvêa MENDONÇA. Protestantes, pentecostais & ecumênicos: o campo religioso e seus personagens. São Bernardo do Campo: UMESP, 2008.
*** Antonio Gouvêa MENDONÇA e Prócoro Velasques FILHO. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990.

15.10.09

E POR FALAR EM INFERNO...

Um dia desses uma adolescente da igreja perguntou-me sobre o inferno. Talvez porque não me ouve pregar sobre o assunto ou dizer que fulano ou cicrano vai para o inferno senão aceitar Jesus... Na conversa ela quis saber se acredito ou não no inferno e depois qual era minha opinião sobre o tal “lago de fogo”. Quem vai para o inferno? Como saber se alguém vai para o inferno? Perguntas como essas atormentam algumas pessoas, ainda mais quando encontram aqueles pregadores que só sabem falar do inferno e a graça de Deus e seu amor não são enfatizados.

O tema é complexo. Na Idade Média foi muito enfatizado. Terrorismo era feito com as pessoas que não aceitavam o cristianismo como religião. Hoje há muitos ainda que apelam para o inferno como instrumento de convencimento. Sem levar em consideração aqueles que mandam outros para o inferno.

Apesar de hoje poucas pessoas acreditarem que irá para o inferno (pesquisa Vox Populi demonstrou que 83% das pessoas acreditam que passarão a eternidade no Paraíso), o fato é que no imaginário religioso as pessoas ainda carregam a teologia da recompensa: se fez coisas erradas aqui vai para o inferno, se fez coisas boas vai para o céu. Isso é ensinado para os infantis que quando fazem alguma coisa errada logo ouve: “olha, Papai do céu castiga”. O nosso senso de justiça é meritório e compensatório.

A tradição bíblica estar inserida em uma cultura grega, no caso do Novo Testamento. É importante pensar na palavra e seu contexto. Num primeiro momento a palavra hebraica sheol designava morada de todos os seres humanos, independentes se bons ou maus. Na tradução dos Setenta (hebraico-grego), a cultura grega imperou no texto traduzindo sheol para hades. Ambos os conceitos não tinham nenhuma intenção de apontar como um lugar de castigo aonde iria os maus. Com a predominância da cultura grega no texto sagrado, cultura essa que separava alma-corpo, ideia que o Antigo Testamento não conhece, compreendeu que para a alma haveria de ter um lugar especifico, tanto para bons quanto para maus. Assim alguns textos do Novo Testamento trazem essa concepção, por exemplo, Mt 11,20-24.

Dentro da tradição religiosa do Novo Testamento, os autores liam a transcendência com meios disponíveis para a época, no caso a concepção e o conceito de inferno. Daí as conhecidas imagens como: fogo inextinguível (algo dolorido); choro e ranger de dentes (vivencia de uma situação que não pode ser alterada); verme que não morre (ausência de paz interior). Essas imagens são tiradas da experiência humana, da dor, do desespero, da frustração, de amputação da liberdade e vivencia de cárcere; alguém chamado à luz, mas vive em trevas. O inferno é o endurecimento de uma pessoa no mal, portanto não é um lugar para aonde ir, mas um estado em que se encontra. O homem criou o inferno (ausência de Deus) quando odiou o próximo, explorou o irmão, quando matou, quando se amou a si mesmo mais que o próximo. Inferno nunca pode ser considerado uma ação positiva de Deus. Quando se entende o inferno como um meio que Deus encontrou para castigar aqueles que disseram um não a ele, fica patenteada a completa ignorância do amor, da graça e misericórdia de Deus. Inferno, neste sentido, é a culminância do mal. É a petrificação na maldade, é a interrogação de Ivan, um dos personagens de Dostoievski em Os irmãos Karamazovi: “com um tal inferno no peito, como é possível viver?”

O inferno não tem mais sentido depois da morte-ressurreição de Jesus Cristo. Como bem lembra Jürgen Moltmann, “se ainda houvesse perdidos no inferno, isso seria uma tragédia para Cristo”.

Assim como as parábolas são metáforas, as imagens que o Novo Testamento apresenta sobre inferno também o são. As passagens que tratam do assunto estão sempre ligadas a problemáticas e vivencias na vida cristã, não têm intenção nenhuma de provar se o inferno existe ou não. O evangelho de Marcos 9,42-47 é um exemplo disso, em que o tropeçar um dos pequeninos crentes da comunidade é sinônimo de inferno.

Inferno é criado quando alguém diz um não decisivo a Deus e isso é perpetuado depois da morte, agora não me pergunte como isso será que eu não faço nem ideia.

Textos de apoio
BOFF, Leonardo. A vida para além da morte. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1973.
MOLTMANN, Jürgen. No fim, o início: breve tratado sobre a esperança. Trad. Irineu J. Rabuske. São Paulo: Loyola, 2007.
SEGUNDO, Juan Luis. “A presença ou ausência do imaginário infernal”. Ciberteologia, Ano II, n.º 11.
QUEIRUGA, Andrés Torres. O que queremos dizer quando dizemos “inferno”? Trad. Paulo Bazaglia. São Paulo: Paulus, 1996 (Col. Teologia Hoje).

Pr. Alonso Gonçalves

8.10.09

ENTRE O ALTAR E O PALANQUE

Dilma Rousseff na Assembleia de Deus

Não é de hoje que os candidatos a presidência da república levam em consideração o número de evangélicos-eleitores do país, que chega a ser 15% da população brasileira. Começou com Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro mandato, logo ele que se diz ateu, indo a reuniões de igrejas evangélicas.

Com a possível candidatura de Marina Silva (PV-Acre) em 2010, que é ligada à Assembleia de Deus, de propósito ou não (mais sim que não) Dilma Rousseff (PT) – ministra-chefe da Casa Civil – vem colecionando encontros com os evangélicos do país. Já esteve com os “Hernandes” e agora é vista na Igreja Assembleia de Deus em São Paulo numa reunião que comemorava o aniversário do seu papa, José Wellington Costa, e disparou elogios aos assembleianos. O discurso dela se inicia saudando a todos com "queridos irmãos e irmãs, que a paz do Senhor esteja com vocês", apesar de não ser religiosa. É claro que os evangélicos não são os únicos a se encontrar com a candidata petista, ela já esteve com o Pe. Marcelo Rossi e seus encontros pop; participou de celebrações com os católicos carismáticos da Canção Nova; por último se reuniu com os líderes assembleianos em vistas a 2010. Registra-se que entre os presentes estava lá o presbiteriano e ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PR), assegurando apoio e prometendo preparar palanque para Dilma no Rio.

O que mais chamou atenção na noite inesquecível com a ministra foi a palavra do deputado federal e pastor assembleiano Hidekazu Takayama (PSC). Defendeu abertamente a candidatura de Dilma, e como não podia faltar o conhecido espírito messiânico que este povo tem em líderes políticos, disse: “em suas mãos está o destino do nosso país".

Ao lado da Universal, a Assembleia de Deus é a igreja que mais tem sucesso eleitoral. Elege deputados com um discurso ainda batido: “é preciso ter gente nossa lá, para que no caso de perseguição...”. A campanha é aberta, declarada. A união palanque-altar é evidente. Em templos assembleianos há lugar de “honra” para políticos e tribuna para discursar. Para quem tem memória, a Assembleia de Deus foi a principal opositora da candidatura do presidente Lula, alegando que ele promoveria o fechamento das igrejas e apoiaria o casamento homossexual, e hoje...

Ainda não chegamos em 2010, mas já dá para ter uma ideia o que será isso. Não se esta criticando a postura dos candidatos de participarem de reuniões evangélicas, mas a postura dos evangélicos diante de candidatos a presidência da república. Não há uma postura profética que nasce da consciência límpida de que a igreja tem deveres sociais e éticos, e que a ela cabe uma ação responsável de cidadania como expressão de santidade a Deus e compromisso com o povo. Parece que o número de evangélicos no país não tem contribuído em nada para influenciar a vida social e política. Os conchavos são feitos em vista de benefícios corporativos; manipulam-se os votos dos fiéis com um discurso apocalíptico e reivindica apoio irrestrito a um candidato de consenso.

Os líderes assembleianos perderam a oportunidade para falar se a secretária da Receita Federal, Dra. Lina, entrou ou não em seu gabinete; perderam a oportunidade de entregarem um manifesto reivindicando melhorias em instalações públicas como hospitais e escolas; perderam a oportunidade de pregar contra a corrupção e o cuidado para com o dinheiro público e sua devida aplicação; perderam a oportunidade de afirmar que a igreja estará de olho tanto para fiscalizar como também, se preciso for, apontar os desvios de conduta de quaisquer políticos deste país. Enquanto isso não ocorre parece que o altar será usado mais para palanque.

Fonte: Notícias Yahoo: www.yahoo.com.br

Textos de apoio
Robinson CAVALCANTI. A igreja, o país e o mundo: desafios a uma fé engajada. Viçosa: Ultimato, 2000.
Ricardo MARIANO. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999.

3.10.09

O ANTICRISTO DO VATICANO

A oportunidade que os milenaristas estavam esperando

Há sempre aqueles que aguardam uma notícia para acentuar ainda mais as suas concepções “escatológicas” do fim do mundo, do aparecimento do Anticristo. Isto não é de hoje. Saddan Hussein já foi o Anticristo, Hitler também, os diversos papas nem se fala, a União Européia já foi a besta uma par de vezes. Os “escatólogos” estão sempre procurando chifre na cabeça de cavalo para corroborar suas ideias de finais dos tempos, segunda volta de Cristo e isso se dá principalmente no ambiente pentecostal. É claro que no pentecostalismo a visão de mundo é marcada pela distinção bem clara de Bem e Mal, onde o pecado e o sofrimento são causados por Satanás. Só com o milênio as coisas irão voltar à normalidade e felicidade, quando Cristo voltar e estabelecer o milênio, que, aliás, já foi alvo de diversas teorias e até hoje a quem perca tempo e amigos por defender suas teorias milenares. Os crentes, portanto, não precisam se preocupar com este mundo, pois ele “jaz do maligno”. Os pentecostais adoram este tema, há conferencias escatológicas, acredito que eles são até mais fanáticos que os adventistas que só sabem falar da segunda vinda de Cristo e do sábado. Um livro que deu o que falar, publicado pela CPAD, foi o tal O Alinhamento dos Planetas de Lawrence Olson. Livro recomendado pelo Conselho de Doutrina da Convenção Geral das Assembléias de Deus, aonde o autor chega a afirmar que o satélite artificial norte-americano Skylab que caiu sobre a Terra em 1982 era sinal da segunda vinda de Cristo. O assunto agora é outro, é o Anticristo sancionado pelo Papa Bento XVI.

Recentemente o Papa Bento XVI publicou uma encíclica (Caritas in Veritate) em que ele aborda diversos assuntos relacionados a economia, política e questões sociais. Um texto que antecederia a reunia do G-8 na Itália. Nesta encíclica, Bento XVI defende um plano econômico mundial que teria como fim sanar as crises econômicas e ajudar os países mais pobres, para isso ele defende uma Autoridade política mundial. Não vou aqui entrar em detalhes na encíclica papal, que não é o objetivo, mas comentar a repercussão disso no ambiente pentecostal.

A proposta de Bento XVI, uma Autoridade política mundial, que, aliás, não é uma ideia dele e muito menos nova, pois o Papa João XXIII da década de 60 com a encíclica Pacem in Terris defendeu a mesma coisa, levou os pentecostais a levantar novamente os supostos “sinais” da segunda volta de Cristo e o arrebatamento da Igreja.

O Jornal Mensageiro da Paz (Ago/09, p. 13) da CGADB, traz uma matéria colocando o assunto em destaque: “O Vaticano definitivamente entrou no grupo dos que, seguindo o espírito des¬se tempo, preparam, consciente ou inconscientemente, o cenário para o advento do Anticris¬to, que e apresentado na Bíblia como o líder de um futuro go¬verno mundial controlador e re¬gulador (Ap 13.16-17) que será aceito por todo o planeta, o que subtende que o próprio Vaticano devera aceitar sua autoridade”. A matéria para encerrar nota: “O cenário para a ascensão do Anti¬cristo esta sendo preparado, com aquiescência do Vaticano”. Ainda para fomentar o assunto, o programa “Movimento Pentecostal” que vai ao ar na Rede TV, trouxe um “especialista” em escatologia assembleiana, Pr. José Prado Veiga (Assembléia de Deus na Lapa – SP), para relatar o que essa notícia representa. Prontamente o “escatólogo” assegurou que não resta mais nada para acontecer, que isto é a última coisa para a volta de Cristo e o aparecimento do Anticristo. A apresentadora, Carla Ribas, ficou atônita. Fez uma expressão de apavoro misturada com satisfação por estar “no poder de Cristo”. A entrevista se encerra com um apelo para se achegar a Deus o quanto antes e quem já esta nos “caminhos do Senhor” permaneça, pois as coisas estão indo para o seu fim.

O Anticristo do Vaticano é mais uma oportunidade para aqueles que gostam de fazer terrorismo com pobres incautos. Mais uma vez essa postura de esperar pelos finalmentes do mundo coloca os crentes dentro de um casulo, acentuando a completa omissão e descaso para com as coisas que estão acontecendo com o mundo e nossa sociedade. Com este discurso de que o mundo “jaz do maligno” e que, portanto, não resta fazer mais nada a não ser esperar por Cristo, provoca esse fatalismo que o protestantismo já bebeu e os pentecostais gostam de afirmar, pois isso é o combustível para a sua própria sobrevivência. É uma pena.

29.9.09

PROTESTANTES E PENTECOSTAIS - II

Entre o Espírito Santo e a teologia

O movimento pentecostal irá comemorar seu 1º centenário em 2010 e 2011. As principais vertentes do pentecostalismo chamado de “clássico” no país são a Congregação Cristã no Brasil (1910) e Assembleia de Deus, ministério Belém (1911). Essas duas denominações têm origens diferentes, daí a completa distinção entre as duas. A primeira descende de imigrantes italianos (Congregação Cristã) e a segunda (Assembleia de Deus) surge de uma divisão da Primeira Igreja Batista em Belém do Pará. Notavelmente, as duas surgem como expressão e expansão do pentecostalismo dos Estados Unidos, mas a eclesiologia, de modo geral, tem no protestantismo a sua matriz. A Congregação Cristã se aproxima muito do modo presbiteriano, principalmente na concepção de predestinação; já a Assembleia de Deus tem na eclesiologia batista a sua forma de ser, acrescentando apenas a liturgia desorganizada e a centralidade no êxtase em detrimento do texto sagrado. Entre protestantes e pentecostais sempre houve divergências, algumas mais agudas e outras irrisórias.

Pensaremos em dois conceitos que sempre trouxeram divergências entre protestantes e pentecostais.

O Espírito Santo: as denominações históricas sempre padeceram com o movimento carismático. A doutrina do Espírito Santo sempre foi um problema tanto para protestantes quanto para pentecostais. No protestantismo o Espírito Santo, em conjunto com as outras duas pessoas da Trindade, Deus Pai e Deus Filho, sempre teve uma posição de consolador. A liturgia é centrada no Filho de Deus, Jesus Cristo; o culto é redentivo; o discurso é racionalizado. Na década de 1950-1960, o protestantismo histórico sofreu com divisões causadas pela interpretação da doutrina do Espírito Santo pelo movimento carismático. Os batistas, diante do fenômeno, desligaram várias igrejas do Estado de Minas Gerais da Convenção Batista Brasileira, surgindo aí a Convenção Batista Nacional. Logo o Espírito Santo, responsável pela unidade do corpo de Cristo o “causador” de inúmeras divisões. Já no pentecostalismo o Espírito Santo funciona como meio de poder. Enquanto que na eclesiologia protestante o culto é centralizado na pessoa de Jesus Cristo, no pentecostalismo é no Espírito Santo. Isso é ainda mais notório com a doutrina da “segunda bênção”. Depois de aceitar a Cristo o crente pentecostal necessita buscar o “batismo” no Espírito Santo. Aceitar a Cristo não é o suficiente, é preciso pedalar atrás do Espírito Santo. No universo pentecostal o Espírito Santo é sinônimo de poder, de unção, de profecia e revelação. O crente pentecostal “cheio do Espírito Santo” é mais poderoso, ele fala mais em “línguas estranhas” (e bota estranha nisso).

Por sua vez, os pentecostais acusam os protestantes de não terem o Espírito Santo. Já que na liturgia protestante não há incentivo para pular, gritar e rodopiar, os pentecostais costumam chamar os históricos de “frios”. É uma pena ver que a doutrina do Espírito Santo no pentecostalismo é desvirtuada do restante da bíblia, atentando-se apenas ao texto de Atos para validar as suas experiências. Neste sentido a obra do Espírito Santo não seria para testificar o fruto do Espírito no cristão como Paulo ensina em Gálatas como amor, paz, alegria, bondade, mansidão. Por outro lado, é notável a total ausência da dinâmica do Espírito Santo na eclesiologia protestante. É considerável estranho no culto qualquer manifestação emocional.

Teologia: é senso comum que os protestantes entendem melhor e estudam mais o texto sagrado. É claro que isso é devido à supremacia do texto na Reforma, daí a preocupação em interpretá-lo da melhor forma possível. Até pouco tempo, mas ainda ocorrem, os pentecostais acusavam os protestantes de terem apenas a “letra” e não o Espírito. É sabido que os pentecostais não têm nenhuma tradição na teologia, por este fato os poucos seminários ou institutos bíblicos que existem os professores, na sua maioria, são protestantes. A formação para o ministério pastoral é outro abismo que separam protestantes e pentecostais. Enquanto no primeiro é necessário um curso teológico equivalente e autêntico, no segundo o que conta é a experiência com Deus e a força do gogó. Há alguns anos os pentecostais vêm investindo na Escola Bíblica Dominical, acordaram para o fato de que a igreja não sobrevive apenas de gritaria e êxtase e que aprofundamento bíblico é necessário, isso é bom, muito bom mesmo. A questão teológica ainda é um problema no pentecostalismo. Aqueles que possuem algum curso mediano em doutrinas fundamentais se colocam no direito de subjugar aqueles que não têm. A história se repete, antes era quem falava em “línguas estranhas” era considerado espiritual, o mesmo problema que Paulo enfrentou em 1Co 14, agora parece que é o tal “curso teológico” que dá o direito de ser alguma coisa na igreja e subjugar o outro.

24.9.09

PROTESTANTES E PENTECOSTAIS - I

Leituras em Antonio Gouvêa Mendonça

O conceito protestante carrega uma série de fatores, símbolos e comportamentos. Alguns diriam que protestantes mesmo são os luteranos e presbiterianos que tem na matriz religiosa Martinho Lutero e João Calvino, mais Lutero que Calvino. Por este fato, alguns movimentos pós-Reforma como os anabatistas, anglicanismo e batista no século XVII não são protestantes. Considerando a convergência de princípios, outros colocariam esses e outros movimentos, como o metodismo, no espectro do protestantismo. A matriz seria luteranos, presbiterianos (dentro disso calvinistas e zwinglianos), anglicanos e anabatistas. Sendo os herdeiros os congregacionais, batistas e metodistas. O traço característico dessa identificação seria os três princípios de Martinho Lutero: solus Christus, sola Fide e sola Scriptura.

Os protestantes e pentecostais habitam mundos simbólicos diferentes. São esses traços que gostaria de explorar a partir das análises de Antonio Gouvêa Mendonça. A pergunta é válida: é protestante o pentecostalismo, o mesmo cabe, é pentecostal o neopentecostalismo? A. G. Mendonça sempre foi relutante em qualificar o pentecostalismo como protestantismo, recebeu muitas críticas por isso, mas sempre ensinou que protestante não tem nada a ver com pentecostalismo e vice-versa. Embora a matriz referencial do pentecostalismo seja o protestantismo, como a eclesiologia e doutrinas centrais, há muitos outros fatores que não permitem enquadrar o pentecostalismo dentro do protestantismo. As diferenças se mostram pelo menos em dois sentidos: epistemológico (origem do discurso) e litúrgico (formas eclesiológicas).

A origem do discurso no protestantismo sempre foi o texto sagrado, não poderia ser diferente depois da Reforma. O texto ocupa um lugar de destaque na liturgia, a Escola Bíblica Dominical é típica do protestantismo, estuda a “Palavra de Deus”. Decorre daí a ênfase na hermenêutica e exegese do texto sagrado, dos porquês da bíblia. Hoje, a eclesiologia protestante sofre com esta bibliolatria. O momento do sermão o pregador reivindica a boca de Deus falando e alguns se aproveitam deste imaginário para falar bobagens. No universo pentecostal o texto sagrado até tem o seu valor, mas a leitura é literalista e voltada para o cotidiano. Passagens de guerras, por exemplo, são usadas para alimentar o fiel do poder de Deus para enfrentar as lutas diárias. Sem dúvida esta concepção é marcada pela situação socio-econômica. Assim como o catolicismo tem no Magistério a outra via de verdades, juntamente com a bíblia, no pentecostalismo cabem os “profetas” que “revelam” situações, em geral genérica e superficial, mas que tem o mesmo peso de verdade que o texto sagrado.

A liturgia no protestantismo é calcada na fala, na racionalidade. Manipula-se as palavras, a linguagem e o objetivo é o convencimento. Não se tem uma liturgia ritual, mas um discurso lógico e demonstrativo. Isso tem um custo, e muito alto para a eclesiologia protestante que sofre com a crise de símbolos. Os meios simbólicos são racionalizados e não experimentados, coisa que o catolicismo popular não sente nem um pouquinho. Já para os pentecostais o discurso se dá na igreja (templo), daí as reuniões praticamente todos os dias da semana. No templo Deus se manifesta, os participantes sentem-se inseridos em algo maior. O problema que eles enfrentam é com a arrogância espiritual de alguns que possuem, principalmente, o “dom de línguas”, menosprezando aqueles que não têm. Com uma liturgia carregada de emocionalismo, os pentecostais usam frases feitas, jargões e manifestações de êxtase é rotina. Essa dinâmica litúrgica tem seu paralelo mais próximo com as religiões afro-brasileiras, onde o transe e o êxtase fazem parte do esvaziamento do fiel.

Com isso não se pretende acentuar diferenças, mas comparar universos simbólicos que chegam a ser completamente antagônico. Pentecostais não são protestantes e protestantes não são pentecostais, como diria A. G. Mendonça.

Para saber mais:
Prof. Dr. Antonio Gouvêa Mendonça (1922-2007), presbiteriano, foi professor na Universidade Metodista de São Paulo e Universidade Presbiteriana Mackenzie. Dedicou sua vida os estudos do protestantismo e seus segmentos.
MENDONÇA, A. G. Protestantes, pentecostais & ecumênicos: o campo religioso e seus personagens. 2ª ed. São Bernardo do Campo: UMESP, 2008.
AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. São Paulo: Vida Nova, 2004.
CAMPOS, Leonildo Silveira. “As origens norte-americanas do pentecostalismo brasileiro”. Revista da USP, São Paulo, n.º 67, Set/Nov-2005.

12.9.09

AS NOVAS RELÍQUIAS

A magia dos objetos no neopentecostalismo

A sociologia da religião tem como discurso comum que as representações religiosas são representações que exprimem realidades coletivas, fazendo parte disso os ritos, o símbolo, o comportamento e a doutrina como elementos necessários para se manter o lócus mundi do fiel. O imaginário religioso é composto de simbologia e elementos que invocam tal realidade do sagrado. As religiões estão repletas disso, mesmo de forma inconsciente.

Na história cristã, mais especificamente no período da Reforma, havia uma valorização extrema nas relíquias e indulgências. A magia evocada era para com os túmulos dos mártires; lugares sagrados que operavam milagres; peregrinações; tudo isso decorrente da união fé-Estado e os anos de paganismo do império romano. Com a promessa de milagres, as relíquias eram comercializadas nos templos e as indulgências vendidas. Havia ossos dos apóstolos; algemas de Pedro; lascas da cruz etc. Gregório I, considerado intelectual para a época, comenta os inúmeros milagres ocorridos por intermédio das relíquias. A Reforma Protestante com Lutero teve seu ponto culminante, todos sabem disso, devido as indulgências que Roma cobrava para liberar “almas” do purgatório.

Com o protestantismo o culto foi racionalizado e a liturgia enxugada de todas as possíveis bizarrices. O prejuízo foi a quase total ausência de elementos simbólicos no culto sendo, até mesmo, a cruz desprezada como símbolo nos templos protestantes. Pagamos um preço por isso, uma liturgia que centraliza a racionalidade, sendo quase totalmente desprovida de símbolos que integrem o corpo e forneça consolo para as situações-limites.

Desde o surgimento dos neopentecostais esta havendo comercialização de novas relíquias e indulgências. O elemento mágico é usado e abusado pelos universais, internacionais e mundiais. As bizarrices que se vê nem choca mais. Com práticas até então vistas nos cultos afro-brasileiros, os neopentecostais ungem objetos que tem como função serem miraculosos: o sabonete da prosperidade, a rosa ungida, a fogueira santa de Israel, o sal grosso, o copo com água em cima da TV ou rádio etc. Recentemente a novel empresa do ramo, a IMPD, lançou no mercado a “chave da vitória”, mediante uma oferta, simbólica, de R$ 100,00 o “cliente” recebe a chave. Até que é pouco, comparado aos R$ 900,00 do mais novo integrante da teologia da prosperidade, S. Malafaia, que já esta sendo chamado de “malacheia”, que dá em troca da oferta uma Bíblia de batalha espiritual e vitória financeira e, de brinde, a “unção financeira” em parceira comercial com Morris Cerullo.

Pesquisador da IURD, Leonildo Silveira Campos (UMESP), em sua tese de doutorado, Teatro, templo e mercado: uma análise da organização, rituais, marketing e eficácia comunicativa de um empreendimento neopentecostal, Petrópolis: Vozes, 1996 – tendo como objeto de pesquisa a IURD, uma das principais referências no estudo neopentecostal – deixa claro que na IURD os pastores são incentivados a descobrir em que as pessoas crêem para que, a partir disso, realizem um trabalho pedagógico e mágico. Daí as novas relíquias com a promessa de dar a bênção; as novas indulgências como a “oração forte” do homem de Deus que determina a vitória.

Sinceramente não sei o que vão inventar mais. Depois da oração para a “troca do anjo da guarda” na IURD não faço nenhuma previsão. Só vamos saber quando estes homens da TV tiverem mais uma reunião/visão com Deus para balanço e novas estratégias de “mercado religioso”.

4.9.09

OS PREGADORES ELETRÔNICOS

Os pregadores eletrônicos estão na TV praticamente todos os dias. O que estão fazendo pelo país? Qual tem sido a influência que esses homens televisivos têm dado ao país?

Pelo que se vêem, na agenda dos pregadores eletrônicos, os problemas nacionais não são objeto de atenção. Usam os meios de comunicação para promover seus impérios econômicos-midiáticos e não para emitir opinião que realmente importa para o país. Cada um procurado se dar bem nesse grande supermercado religioso. Lançando-se mão de instrumentos duvidosos e crendices esdrúxulas para atrair o povo.

Os pregadores eletrônicos estão na TV já algum tempo, e o que têm mudado no país com a presença deles? Antes alegava que os evangélicos precisavam de voz e imagem para serem ouvidos e pregarem a Palavra de Deus; diziam ainda que o Brasil seria de Jesus quando tivesse no Congresso Nacional homens comprometidos com Deus. O que vimos? Deputados com malas de dinheiro; um “bispo” Rodrigues investigado por participar da “máfia das sanguessugas”. Os pregadores eletrônicos estão na TV e cada um deles fala uma língua diferente para o público. Na Rede TV o horário dos “homens de Deus” começa cedo e vai até o horário da tarde, o que se ouve? A propaganda de produtos é escandalosa, é o “shop time” dos evangélicos; existe até mesmo grife evangélica; a ênfase nos milagres e curas como também no ganho financeiro; um Silas vendendo a “unção financeira” por R$ 900,00 dizendo que não estar nem aí para as críticas, logo ele que sempre criticou a teologia da prosperidade e os modos operacionais da IURD; um R. R. Soares conquistando mais “patrocinadores” para o seu Show da Fé; um Edir sendo investigado por lavagem de dinheiro, o que não é novidade nenhuma; um tal de Feliciano vendendo seus produtos e DVDs em que pula mais que pipoca, reivindicando um avivamento genuíno apenas no seu “ministério” e “programa”; um Valdomiro que quer a todo custo derrubar a empresa rival, a IURD, e para isso faz uma lavagem cerebral com pessoas de baixa renda vendendo óleo sagrado e reivindicando que somente na sua “igreja” a mão de Deus está.

Não esta se negando ter programas evangélicos, até porque a TV nos últimos anos foi muito democratizada devido a disputa de audiência entre as gigantes da telecomunicação como Globo, Record, Band, SBT e Rede TV. Esta se pedindo coerência. Fico contente em ver que os presbiterianos do Brasil têm um programa de TV e o Rev. Hernandes Dias Lopes trás uma palavra aos corações dos brasileiros sem pedir nada em troca; fico contente em ver que Dom Fernando, da Diocese de Santo Amaro, leva em seus programas convidados para falar de problemas que as pessoas enfrentam, não sendo, necessariamente espiritual. Enquanto isso os pregadores eletrônicos não se posicionaram frente aos problemas de ética e conduta no Congresso Nacional; não há uma fala consciente dos problemas sociais do país; não se vê reivindicação para melhorar escolas, estradas e acelerar a reforma política; se vê sim, nas eleições, conchavos e barganhas sendo firmadas para angariar votos dos “fiéis”.

Além disso, ainda há os membros de nossas igrejas que estão cada vez mais sendo pastoreados pelos pregadores eletrônicos, alguns até colocando em dúvida os fundamentos da sua fé.

Alguém poderia levantar a questão dizendo que escrevo isso porque os batistas não têm um programa de TV. Hoje os batistas não têm mesmo em rede nacional um programa de TV, apenas programas regionais. Um dia poderá ter, e quando tiver um espero que a principal postura seja ter coerência e o compromisso com os problemas do país, não para vender o evangelho, mas para transformar pessoas por ele.

21.8.09

UM ESTADO NÃO TÃO LAICO ASSIM

Quem nunca entrou numa repartição pública e não viu um crucifixo? Nas câmaras de vereadores, no Congresso Nacional, nas prefeituras, enfim, os crucifixos estão em quase todas as repartições públicas. Essa presença maciça de imagens religiosas incomodou o cidadão Daniel Sottomaior Pereira que entrou com uma representação junto ao Ministério Público Federal por se sentir ofendido com uma imagem de crucifixo num determinado órgão público, alegando a laicidade do Estado, a liberdade de crença e a impessoalidade da administração pública. Não por surpresa, uma juíza da 3ª Vara Cível Federal de São Paulo, Maria Lúcia Lencastre Ursaia, determinou que os símbolos religiosos (crucifixos, imagens, entre outros) poderão permanecer nos órgãos públicos. A decisão liminar da juíza indeferiu o pedido do Ministério Público Federal (MPF) para a retirada dos símbolos dos prédios públicos. Alegou a juíza que "o Estado laico foi a primeira organização política que garantiu a liberdade religiosa. A liberdade de crença, de culto e a tolerância religiosa foram aceitas graças ao Estado laico e não como oposição a ele. Assim sendo, a laicidade não pode se expressar na eliminação dos símbolos religiosos, mas na tolerância aos mesmos". A magistrada Maria Lúcia, entendeu que as imagens não ferem a Constituição que garante a liberdade religiosa. Parece que o Estado não é tão laico assim.

Se voltarmos um pouco na história, descobrimos que a luta por um Estado laico começa com os protestantes ingleses. Numa época em que o absolutismo religioso e político reinavam no velho continente, a Inglaterra passou pela chamada Revolução Gloriosa (1688-1689) influenciada pelos liberais da época, garantindo a superioridade da lei sobre a vontade do rei e garantindo a liberdade religiosa. É neste processo que os primeiros batistas ingleses irão dar a sua vida pela liberdade religiosa na Inglaterra como Thomas Helwys que em 1612, na prisão, já escrevia sobre isso: “a religião do homem está entre Deus e eles: o rei não tem que responder por ela e nem pode o rei ser juiz entre Deus e o homem. Que haja, pois, heréticos, turcos ou judeus ou outros mais, não cabe ao poder terreno puni-los de maneira nenhuma”. Helwys pagou com a própria vida a defesa da liberdade religiosa.

A Inglaterra foi a potência que foi nos anos que se seguiram a Revolução Gloriosa devido a laicidade do Estado. A tolerância religiosa veio acompanhada de liberdade política e expressão filosófica, além de abrir as fronteiras para o avanço do capitalismo.

A liberdade religiosa é consolidada com as colônias norte-americanas ocupadas por dissidentes do governo inglês, formada na sua maioria por batistas. Mas foi na Constituição dos Estados Unidos de 1787, que a liberdade religiosa é estabelecida entre outras como a liberdade de expressão, de imprensa etc. Uma Constituição que servirá de modelo para a novel republica que se formava aqui no Brasil.

Parece que o Estado não é tão laico assim. O Brasil, onde não há uma religião oficial, têm na sua Constituição garantida a laicidade do Estado. Mas como o país é considerado católico, é predominante a presença de imagens em repartições públicas, e logo o Cristo crucificado. É em baixo dessas imagens que sentenças injustas são proferidas; senadores têm seus processos de decoro arquivados.

É uma pena senhor Daniel Sottomaior Pereira, o Estado é laico, mas nem tanto assim. Numa coisa a juíza esta certa, a tolerância religiosa deve sempre prevalecer, mas não a preferência exagerada por uma determinada tradição do cristianismo. A laicidade do Estado não impede um pastor batista, Rick Warren, orar na posse do presidente Barack Obama; a laicidade do Estado não impede um governante pedir a Deus sabedoria e discernimento para governar. Agora a laicidade do Estado impede a supremacia de uma religião sobre a outra.

15.8.09

EVANGELHO DA PROSPERIDADE

Há um novo evangelho sendo pregado. O evangelho pregado hoje não é aquele que diz que Jesus não tinha onde reclinar a cabeça (Mt 8,20); não é o evangelho do “buscai primeiro o Reino de Deus” (Mt 6,33). É o evangelho da prosperidade, do ganho financeiro, da bênção econômica de Deus, da unção financeira.

Não é novidade nenhuma que os neopentecostais – Universal (IURD), Internacional e Mundial – se apropriaram da teologia da prosperidade surgida nos EUA. O discurso de recompensa financeira é uma constante, como diz uma música da IURD: “o melhor desta terra é meu”. Todo mundo sabe que Edir Macedo, R. R. Soares e Valdomiro Santiago usam de elementos mágicos para obter vultuosas ofertas. Aliás, é devido a esse excessivo ganho financeiro que o Ministério Público do Estado de São Paulo move processos contra o fundador da IURD, Edir Macedo, e “sua quadrilha”. Acusação: uso de ofertas dos fiéis para comprar empresas, terrenos, carros e manter a TV Record. Esse processo não é de hoje, mas nas últimas semanas a disputa Globo versus Record tem se transformado numa verdadeira tela quente. O evangelho da prosperidade deu certo e um império econômico-midiático foi construído em nome da fé.

A nova sensação desse evangelho é o pregador pentecostal Silas Malafaia. Conhecido por não ter papas na língua, falar o que pensa e “profetizar” coisas dúbias, Silas, um ferrenho crítico dos modos operacionais da IURD e seus programas, entrou para o seleto grupo daqueles que vê no evangelho da prosperidade a saída para a crise financeira mundial e ganho pessoal das bênçãos financeiras. Com uma parceria com o então “novo” Kenneth Hagin dos EUA, o Dr. Morris Cerullo, Silas lançou no Brasil a Bíblia de Batalha Espiritual e Vitória Financeira, algo de fato inédito no país que tem em seu mercado editorial bíblias de diversas tendências de estudo, mas nunca uma que só interpretasse a Bíblia por uma ótica financeira. Com Morris Cerullo, Silas declara a “unção financeira” sobre as pessoas e a única coisa que pede em troca é um ato de fé, uma oferta de R$ 900,00. A sua cruzada pelo Brasil era conhecida como “Vitória em Cristo”, agora é “Vida Vitoriosa para Você”. As mensagens, que antes eram sobre os esdrúxulos costumes da sua denominação (Assembleia de Deus) dentre outras coisas, agora é vida abençoada financeiramente, receitas para prosperar, passos para uma vida vitoriosa e etc.

O evangelho esta sendo identificado com bênçãos e ausência de sofrimento, perdas e dor. O apelo hoje para seguir a Cristo envolve a pergunta: “o que vou ganhar com isso?”

10.8.09

MEGAIGREJAS OU ECLESIOLAS?

É comum em roda de pastores a famosa pergunta: “quantos membros a sua igreja têm?” Em alguns casos, o desenvolvimento ministerial e sua avaliação dependem da resposta a esta pergunta. O coeficiente ministerial é dado pela quantidade de membros, pelo suntuoso templo e pela receita. Esses ingredientes formam um ministério profícuo e abençoado por Deus.

Quando pensamos em crescimento de igreja receitas não faltam no mercado religioso. Olhando os neopentecostais vemos a clara cartilha: teologia da prosperidade. No protestantismo histórico as receitas foram abundantes. Apareceram livros, seminários, conferências, palestrantes renomados internacionalmente, todos com uma forma infalível de crescimento de igreja. Neste cenário, não seguindo necessariamente uma ordem cronológica, surgiu Bill Hybels e sua “Rede Ministerial”. A ênfase esta nos dons espirituais, “pessoas certas nos lugares certos pelas razões certas”. Igrejas no Brasil se identificaram com este modelo e logo, como é de costume por aqui, exportaram o produto com patente norte-americana. Christian Schwarz lançou “o desenvolvimento natural da igreja”. O alemão defende oito marcas de qualidade para uma igreja saudável que não precisa, necessariamente, de remendos, porque naturalmente, como um organismo vivo que é, ela cresce. Do ponto de vista teológico o livro de Schwarz é bom, mas no Brasil a sua ideia não chegou a “pegar”. Agora quem de fato pegou mesmo foi o livro do pastor batista Rick Warren com “a igreja com propósitos”. Foi uma febre. A pergunta para os pastores era se eles estavam ou não com a igreja com propósitos. Os ministérios que a Bíblia apresenta para a igreja, Warren transforma em propósitos dando uma cara empresarial com pesquisa de campo para atingir uma clientela específica. Por lá deu certo e Warren inaugurou o movimento da megaigrejas. No decorrer dos anos muita coisa surgiu para o crescimento da igreja e a igreja, em alguns casos, sofreu com isso. Refiro-me, mais especificadamente, ao movimento do G12 que destruiu comunidades e dividiu denominações.

O movimento da megaigrejas virou a cabeça de muitos lideres. Há um sonho de ter uma grande igreja para pastorear, exercer poder, ser reconhecido, ter a opinião respeitada. Isso se mostra neste meu texto por exemplo. Alguém poderá indagar: “quem é o Pr. Alonso Gonçalves?” Como não sou pastor de uma grande igreja, a minha opinião sobre o crescimento da igreja tende a ser irrisória, ou até mesmo considerada invejosa. Se fosse ao contrário, com certeza a minha opinião seria aceita, seria convidado para falar em congressos e conferências, ministrar aulas sobre o meu sucesso empresarial, digo, pastoral!

Não me importo em pastorear uma igreja pequena; de não ter a opinião respeitada; de não ser convidado para falar em grandes concentrações evangélicas. Não sou pastor de uma grande igreja, mas de uma eclesiola. Uma comunidade em que sei o nome das pessoas; sei em quem se pode contar e quem não; sei os problemas e participo deles bem de perto; posso ser contrariado nas opiniões; posso participar dos aniversários, casamentos, batismos dos filhos dos filhos. Como minha preocupação não é numérica e muito menos financeira, mas espiritual e humana, vejo as debilidades e qualidades de um rebanho que esta em construção, já que meu único propósito é ver Cristo sendo formado cada vez mais neles (Gl 4,19).

1.8.09

ENTRE A CRUZ E O REINO DE DEUS

Na Memorial em Iporanga estamos trabalhando com alguns temas da fé: Deus, Jesus Cristo, Espírito Santo, Salvação, Pecado, Igreja etc. Com esta série de sermões, estou tentando mostrar outras dimensões desses temas que viraram tabu no protestantismo. No primeiro domingo de julho pregamos sobre Jesus Cristo. Embora com um discurso ameno e descompromissado com teorias teológicas elaboradas, procurei passar para a comunidade temas como Reino de Deus e o rosto humano de Deus revelado por Jesus de Nazaré, em contraponto com a teologia do sacrifício que perdura no nosso imaginário religioso. Com isso levantamos questões sobre a morte de Jesus: “o que o levou à morte?” A resposta comum entre os cristãos é de que Jesus veio para morrer em nosso lugar, e desde o início ele tinha isso em mente, sabendo, inclusive, que era o Filho de Deus. Dessa perspectiva saem os três temas que envolvem Jesus: o berço, a cruz e a pedra.

A teologia do sacrifício predomina na tradição protestante. A teologia da expiação é notória: Jesus Cristo morreu por nossos pecados; sua morte na cruz garantiu o nosso acesso a Deus e possibilitou a salvação para a humanidade. Daí a ênfase no sangue de Jesus que “me lavou” ou “salvos pelo sangue”. Imagens que estão presentes em nosso Cantor Cristão de forma até exagerada. Já com os católicos, a teologia do sacrifício é ainda pior, na Eucaristia come-se a carne e bebe-se do sangue, é a transubstanciação.

A exegese contemporânea, principalmente as pesquisas do teólogo alemão Rudolf Bultmann, mostraram a impossibilidade de determinar um rosto e uma missão única para Jesus. Isso se dá porque as comunidades interpretam Jesus de modo diferente, nenhuma delas trata do Nazareno de forma uníssona. Por estarem em diferentes lugares e possuírem uma teologia própria, as comunidades deram um rosto a Jesus totalmente comprometido com o seu contexto. A ressurreição é a chave hermenêutica das comunidades. É a partir dela que a cristologia da Igreja Primitiva irá se desenvolver. Por este fato a pluralidade de títulos cristológicos a Jesus: Senhor, Messias, Justo, Salvador e etc. Mas numa coisa as fontes evangélicas concordam: o tema da sua mensagem foi o Reino de Deus e o comprometimento da sua vida foi revelar o rosto humano de Deus.

Os evangelhos mostram que Jesus não começou pregando a si mesmo, muito menos dizendo que veio para morrer por nós na cruz, ele iniciou seu ministério pregando o Reino de Deus (Mc 1,14-15). A conversão era para o Reino de Deus que havia chegado. Reino de Deus é a realização de uma esperança; a superação do mal; é o senhorio de Deus sobre nossas vidas. É de Alfred Firmin Loisy a frase: “Jesus pregou o Reino e o que veio foi a Igreja”. A igreja não é o Reino de Deus, mas sim promotora; aquela que contribui para a continuação do Reino de Deus. Infelizmente a igreja esqueceu isso. Nos manuais de teologia sistemática não há nenhuma seção sobre o Reino; no nosso hinário o tema é escasso; no púlpito um tema quase abolido.

Conforme o evangelho, Jesus vai para cruz porque se opõe ao Deus da religião e àqueles que manipulavam o Sagrado de forma inconsequente (Mc 11,15-18). A cruz foi uma consequência da sua mensagem; a ressurreição foi a sua confirmação.

Como não formulamos uma teologia do Reino, colhemos a total ignorância da igreja para com os valores do Reino de Deus; desconsideramos a mensagem política e espiritual do Reino de Deus. Como resultado: uma conversão que nega o passado e o presente da pessoa; uma teologia fatalista de que o mundo vai piorar mesmo, e as coisas que acontecem é nada mais que os sinais dos tempos; uma fé que não se engaja com as questões do país, onde se demoniza o mundo e assimila-se a opressão e o descaso. É isso que colhemos como resultado de anos do predomínio da teologia do sacrifício. A igreja ainda não desceu Jesus da cruz.

Deslocar Jesus de seu contexto é ignorar o que motivou a sua vida, e com certeza a cruz não foi a sua máxima idealização, se assim o fosse a oração no jardim não teria sentido – “passe de mim esse cálice”. Fico com uma frase do teólogo salvadorenho Ignácio Ellacuria no seu livro “Conversión de la Iglesia al Reino de Dios”: o Jesus histórico não buscou nem a morte nem a ressurreição em si mesmas, mas o anúncio, até a morte, do Reino de Deus, que trouxe consigo a ressurreição.

Entre a cruz e o Reino fico com os dois: primeiro o Reino e como consequência a cruz; primeiro o Reino e como consequência a ressurreição.

IGREJA E SOCIEDADE

Na Idade Média a igreja propagou sua supremacia nas diversas instâncias do pensamento: da ciência à arte. O predomínio do sagrado frente ao profano aprofundou ainda mais esta dicotomia, forçando a uma secularização que estava à vista. De fato ela veio com o advento do Iluminismo, movimento cultural-filosófico importante para o pensamento no Ocidente. Com os postulados do Iluminismo, veio a crítica à religião e suas formas de expressão, tornando esta uma esfera obsoleta para o progresso humano. As democracias surgem; a ciência toma o lugar de Deus; a liberdade individual é acentuada; a matéria é domada; o universo é desvendado; o mundo torna-se um meio para se alcançar um fim, onde a depredação ambiental é justificada pelo progresso científico. Frente a isso, a Revolução Industrial torna possível a luta de classes: ricos e pobres. Diante dessas mudanças, a teologia formula discursos que adéquam ou contestam esta forma de vida; a igreja é chamada a viabilizar maneiras de vivenciar a fé nesse universo pluralista.

O capitalismo, por enquanto, continua sendo a matriz econômica do Ocidente. Ele proporcionou a globalização; estabeleceu a mercadoria em detrimento ao humano; consolidou o mercado especulativo que não respeita governos, culturas ou povos; aprofundou a desigualdade entre as pessoas; favoreceu ainda mais os donos de capital.

Diante dessa analise macro do contexto, convém pensar nas posturas que as vertentes do cristianismo no Brasil tomaram/tomam para enfrentar este cenário. Vejo pelo menos quatro posturas: protestantismo histórico, pentecostais, neopentecostais e teologia da libertação.

No protestantismo a postura frente aos desafios da sociedade é de completa omissão. Isso se deve pelo fato de que o protestantismo dessacralizou o mundo, tornando-o utilitário, secular e passageiro. Espera-se pelo seu fim: a vida não pertence a este mundo, “somos peregrinos aqui” como ensina um hino do Cantor Cristão. Não poderia ser diferente, pois aqui o protestantismo de missão se caracterizou por afastar-se completamente da ação política. O foco foi centralizado no indivíduo: convertendo o indivíduo, convertem-se as estruturas. A intenção era formar cristãos autônomos e críticos, daí a ênfase protestante na educação secular. Parece que isso não funcionou, e hoje há uma grande apatia por parte do protestantismo em relação à vida política do país. É claro que houve esforços para se pensar o político no movimento evangélico, por exemplo, a Missão Integral, mas esta ainda sofre de auto-afirmação.

No universo pentecostal clássico, a maneira de encarar o problema é ainda mais inconsciente. Com uma liturgia carrega de emoção, contraponto ao protestantismo histórico que tem na voz/razão a sua razão de ser, os pentecostais fazem um discurso de entrega e gostam muito de usar aquele versículo de que o “mundo jaz do maligno”. Com isso esta patenteada a completa separação para com as circunstâncias sociais. Tem-se no culto o momento de catarse emocional; lugar de presenciar a glória de Deus, e diante da glória de Deus as desigualdades da vida são pequenas; a vida cristã é legitimada pela luta constante, pois é desta forma que o crente prova que esta com Deus. O corpo do indivíduo torna-se meio para aliviar o sofrimento do dia-a-dia, daí a oração por cura e o “falar em línguas”.

Com uma postura totalmente diferente do pentecostalismo clássico, os neopentecostais vêm se notabilizando pelo discurso de conquista e vitória financeira e física. Com o lema “o melhor desta terra é meu”, os neopentecostais fazem reuniões para empresários, fogueiras santas, campanhas financeiras. Com uma teologia de prosperidade, os neopentecostais assimilam o capitalismo e torna seus adeptos participantes desse queijo.

Com a teologia da libertação há um processo de conscientização do pobre e uma postura contestatória. Uma forma de denunciar e de reivindicar mais humanidade para com os pobres do continente. As pessoas não são demonizadas, mas sim as estruturas sociais.

A igreja é agência de transformação histórica (Robinson Cavalcanti). A ela é dado o poder profético frente às situações da vida. Como portadora do Reino de Deus, a igreja torna-se promotora da vida em suas diversas dimensões. Não é com posturas paliativas que será transformada esta realidade, mas com medidas concretas que tomem como centro o ser humano como imagem e semelhança de Deus.

Converter o indivíduo, não transforma um país; intimizar as mazelas da vida e compensá-las numa liturgia não resolvem o problema social; adequar-se ao discurso capitalista agrava mais ainda a vida daqueles que não possuem nada; conscientizar o pobre de seu estado já é um começo, municiá-lo de coragem e formas legitimas de lutar pela terra e pelo pão de cada dia é formar agentes transformadores de realidades.

21.7.09

IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS EM IPORANGA

Um empreendimento que não deu certo

A Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) tem na Igreja Universal do Reino de Deus o seu embrião. Com um discurso milagreiro, a IMPD adota a estratégia da “cura divina" como meio de conquistar adeptos para o movimento. Com o slogan “a mão de Deus está aqui Brasil” o então “apóstolo” Valdemiro Santiago tem na TV o mecanismo ideal para alcançar o “Brasil” para o único lugar que Deus está, ou seja, na Igreja Mundial do Poder de Deus. Com isso, Valdemiro tem aberto em quase todos os lugares a sua agência de cura divina, sempre se valendo da magia e do culto a sua personalidade para atrair pessoas. Mas na cidade de Iporanga no Vale do Ribeira (região sul do Estado de São Paulo), a IMPD fechou suas portas no primeiro mês de funcionamento. Por que isso ocorreu? Seria por falta de pastor? Não. Seria por falta de frequentadores? Não. Sempre há pessoas impressionadas com o “sobrenatural”.

Iporanga. Cidade com cerca de cinco mil habitantes, situada na região mais pobre do Estado de São Paulo; índice IDH muito baixo; renda per capita por família não passa de duzentos reais na sua maioria; deslocada de um grande centro urbano; sua subsistência esta no turismo, funcionalismo público, agricultura familiar e repasses de verbas governamentais; uma das cidades que mais tem participantes nos programas sociais do governo federal como Bolsa Família; uma juventude envolvida com drogas e vida ociosa; um índice alarmante de gravidez precoce. Por que uma igreja que reivindica a “mão de Deus e seu poder” fecharia as suas portas numa cidade como essa?

A questão esta no empreendimento que não deu certo devido à clientela não ser adequada para os objetivos da empresa. É exatamente assim, com uma linguagem mercadológica que a IMPD deve ser encarada. Em Iporanga a IMPD fechou porque a sua maior preocupação esta em satisfazer as necessidades visíveis e imediatas das pessoas. Como a IMPD não tem uma mensagem em que Cristo é o agente transformador da condição humana, em Iporanga ela não daria certo mesmo. Uma igreja interessada no ganho financeiro também não atenderia os anseios desse povo, porque aqui a oferta/dízimo não esta baseada na barganha com Deus, mas na continuação do evangelho na cidade.

Aqui não cabe megaigrejas sensacionalistas que tem na TV seu elemento disseminador de bobagens e crendices ridículas. Não cabe aqui uma igreja que não preze pela comunhão com o irmão, pela ajuda as suas necessidades espirituais, físicas e financeiras. Fecha mesmo uma igreja que não tem compromisso ético-espiritual com as necessidades do município.

Parece que o “poder de Deus” não conseguiu penetrar na pequena, mas aconchegante, cidade de Iporanga, onde não há megaigrejas, mas Igreja que proclama Cristo autor da salvação e tem o culto como meio de adoração a Deus, somente a ele.

16.7.09

ESPÍRITO E VIDA

O Espírito Santo em Jürgen Moltmann

Minhas leituras em J. Moltmann tem modelado minhas perspectivas teológicas nas diversas áreas: Deus, Jesus Cristo, Reino de Deus, Igreja, Ecologia e Espírito Santo. Dentro deste último tema, J. Moltmann desenvolveu uma teologia da vida que tem no Espírito Santo a razão de ser. Escreveu: O Espírito da vida: uma peneumatologia integral. Petrópolis: Vozes, 1999; outro texto menos elaborado teologicamente para alcançar o grande público, foi A fonte da vida: o Espírito Santo e a teologia da vida. São Paulo: Loyola, 2002, com alguns artigos inéditos. Com uma perspectiva ecumênica, J. Moltmann articula sua peneumatologia a partir de várias fontes teológicas. Além de utilizar fontes evangélicas, ele abre um profícuo diálogo com a Igreja Oriental e, principalmente, a mística judaica, além, de assumir alguns conceitos da filosofia da vida.

No nosso contexto, o tema Espírito Santo, sempre foi controverso. A teologia reformada não dispensou uma atenta atenção para o assunto, alguns manuais de sistemática nem se quer menciona a temática. Com a chegada dos pentecostais, as coisas ficaram ainda mais no campo da animosidade. Com um discurso carismático, os pentecostais alegavam/alegam vivenciar a plenitude do Espírito Santo e sua evidência era o “falar em línguas”, é claro que este não é o único critério de avaliação deste grupo religioso, mas o principal elemento identitário. O Espírito Santo foi o principal meio de divisão entre as denominações históricas, logo ele que é responsável pela unidade da igreja. No ambiente pentecostal a liturgia gira em torno do Espírito Santo, o culto é o espaço para a sua manifestação e veículo social amenizador de sofrimentos. Os protestantes históricos ainda relutam com o tema e qualquer manifestação que fuja da normalidade em sua liturgia é considerada estranha.

Com J. Moltmann há um novo paradigma para se pensar o Espírito Santo, não mais no campo das emoções (pentecostais) ou puramente doutrinário (protestantismo histórico), mas no processo da vida política, social e ecológica. O próprio J. Moltmann crítica a completa ausência do movimento pentecostal com as questões que envolvem a todos como a política e a ecologia. Ele não concebe um Espírito outorgado fugindo dos conflitos do mundo e se encasulando numa religião ilusória.

O Espírito da Vida tem como missão promover a vida. Foi por este motivo que Deus nos enviou o seu Espírito, para promover e preservar a vida. Dentro desta perspectiva, a missão não é a expansão da fé cristã a partir do proselitismo, mas a paixão pelo Reino de Deus. O Espírito Santo envolve a vida e sua renovação. J. Moltmann faz questão de ficar com o termo hebraico para espírito, ruah, que quer dizer fôlego da vida de Deus. Daí a sua concepção de que o Espírito Santo não pode ficar enclausurado na economia da salvação, mas também numa economia ecológica da salvação. A sua peneumatologia parte de que a criação é obra de Deus e que, portanto, deve-se entender o Espírito Santo no mundo criado, portanto, é legítimo dizer que J. Moltmann tem uma peneumatologia ecológica. A vida é amada por Deus e o seu Espírito está em toda a sua criação, sendo assim a igreja deve engajar-se em promover a vida. Para J. Moltmann, o Espírito Santo não esta limitado à igreja e seu horário de culto, ele pertence ao mundo, e na teologia latino-americana, a igreja torna-se sinal da ação salvífica do Espírito Santo no mundo.

1.7.09

TEOLOGIA DA PROSPERIDADE OU MISSÃO INTEGRAL: UMA BREVE COMPARAÇÃO

As duas correntes teológicas não têm nada a ver uma com a outra. A primeira “pegou” e a outra nem se quer chegou a sair do berçário.

Interessante pontuar algumas diferenças entre essas duas correntes. A teologia da prosperidade é notória no meio neopentecostal. O discurso vitorioso, a confissão positiva, a bênção mediante barganhas, a fé para ser vitorioso na vida financeira e física etc., não vale muito a pena alongar esta lista. Como não sou sociólogo da religião, mas curioso, arrisco-me em apontar, ainda que dentro de um olhar leigo sobre o tema, algumas pistas do porquê teologia da prosperidade e não missão integral.

Pesquisadores do tema, teologia da prosperidade, vão colocar seu surgimento nos Estados Unidos, e seu principal expoente, Kenneth Hagin entre outros. De lá saíram várias aberrações teológicas como Benny Hinn e diversos modismos apareceram com clara intenção de exportação. Como toda teologia é fruto de uma cultura, a teologia da prosperidade não poderia ser diferente. A potência responsável pela estabilização econômica do mundo, e por meio das armas e ideologia pressionar nações, há muito tempo se comporta como a “polícia do mundo” e conseguiu por meio de sua moeda e filmes impregnar o Ocidente com a sua cultura e modo operacional econômico. Pragmáticos, donos da verdade absoluta, fundamentalistas em quase todos os assuntos, os Estados Unidos passa uma imagem de opulência financeira e defensores do capitalismo selvagem neoliberal. Não é por acaso que a crise econômica mundial teve sua origem lá. Diante desse quadro, só poderia mesmo vir de lá a teologia da prosperidade.

No Brasil a febre pega lá pelos anos 70. Com a igreja brasileira sofrendo profundas mudanças, os líderes pentecostais importam o produto; assimila a sociedade de consumo; adéqua a mensagem ao mercado empresarial e formula um discurso triunfalista, repleto de prescrições como andar no sal grosso, passar pela “porta”, a campanha dos 318 pastores etc. Seus partidários são: R. R. Soares, Edir Macedo, Valnice Milhomens entre outros.

Os evangélicos dão ao mundo uma postura diante das mudanças que estavam acontecendo: o Congresso Mundial de Evangelização em Lausanne, 1974, que deu origem ao Pacto de Lausanne, cujo relator foi John Stott, eminente teólogo inglês. Combustível para o que seria a missão integral no continente latino-americano, teólogos como Orlando Costas, Samuel Escobar e René Padilla, formularam uma teologia holística para as necessidades do continente. É claro que missão integral sofreu diversas acusações quando equiparada com a teologia da libertação – ela seria uma adaptação evangélica da teologia da libertação e que por isso não teve impulso o suficiente para sair do berço. De fato ela não teve bases para se desenrolar, ou seja, ela não teve povo para digeri-la. Missão integral ficou nos livros, que por sinal são bons do ponto de vista metodológico e teológico, nos congressos, nas revistas. Com a teologia da libertação, da qual sou um partidário convicto, foi diferente, esta teve povo, as chamadas Comunidades Eclesiais de Base. Com as reuniões do CELAM em Medellín e Puebla, ela ganhou força mesmo sendo bombardeada pela Santa Sé e sua Congregação para a Doutrina da Fé. Com um discurso teológico impregnado pela práxis libertadora, a teologia da libertação ganhou proporções mundiais. As semelhanças com a missão integral são claras: o que fazer diante do avanço do capitalismo neoliberal desumano? René Padilla, já em Lausanne, fez duras críticas ao imperialismo norte-americano, propondo, entre outras coisas, a rejeição do cristianismo com o famoso slogan norte-americano: “american way of life” (maneira americana de vida).

Missão integral: Reino de Deus e seus valores holísticos; uma comunidade que alimente o espírito coletivo de mudanças concretas; uma mensagem que seja “o evangelho todo, para o homem todo”; uma evangelização que tenha na sua agenda não apenas assistencialismo social, mas postura profética e comprometida em mudar realidades.

Teologia da prosperidade: sofrimento é coisa do diabo; a fé serve para conquistar bênçãos; todo o crente deve reivindicar prosperidade, a ausência dela significa falta de fé; a enfermidade é sinal de pecado; o mundo e tudo que nele há esta aí para ser conquistado.

Não dá nem para comparar.