15.1.25

IGREJAS-CHURCHES

A leitura social passa pelas mudanças socioculturais de uma sociedade. A religião está nesse bojo e faz a sua parte enquanto sistema organizado de bens simbólicos.

Como pastor de uma igreja histórica, sou crítico das igrejas que adotam uma teologia “church”. Não é apenas a estética do templo e o nome em inglês para chamar atenção. Antes, é a mensagem que é proferida com uma carga emocional pesada aliada ao agudo do teclado e a linguagem adotada pelo pastor-coach com o fim de provocar a subjetividade e alcançar os anseios da intimidade que está permeada pelo status neoliberal de conceber a vida e suas relações. Tudo isso torna o encontro nas igrejas-churches individualista, ainda que a pessoa esteja cercada por uma multidão.   

Como cientista da religião, entendo o movimento e sei apontar suas causas e bases.

Com o esvaziamento da hegemonia legitimadora da religião a partir da modernidade, a pluralidade de sentidos e significações, valores e critérios, modelos e padrões, linguagens e discursos, símbolos e signos, ganhou força. A tradição e a autoridade não conferem mais organização e os ajuntamentos se dão a partir de consensos entre grupos. É nesse terreno que as igrejas históricas operam, por ainda tatearem a “doutrina e a liturgia” como ordenamento do seu mundo religioso.

Por outro lado, com a crise da modernidade esgotou-se algumas tendências, abrindo espaço para uma reação nem sempre racionalista. Assim, há um desencanto com a razão, a aceitação da perda do que era antes um fundamento, a rejeição de grandes narrativas globais e o surgimento do ser humano que se constrói a partir da estetização e do apelo político-ideológico.

É nesse terreno que as igrejas-churches caminham muito bem.

Como as igrejas no Brasil não cumprem um papel social (algo que até mesmo a Igreja Católica já deixou de fazer), o indivíduo se encontra no ambiente evangélico como alguém que procura anestesiar suas angústias e acalentar seus sentimentos. Quando a boa música toca sua subjetividade, ele está pronto para receber a mensagem que irá resolver os seus problemas e suas necessidades que estão no mais particular das suas relações sociais (há valor terapêutico nisso, é preciso dar o crédito). O pastor-coach sabe disso e por essa razão ele precisa ostentar seu Rolex de R$ 800 mil e usar personagens bíblicos como pontes para deixar claro como esses personagens alcançaram a vitória na vida quando decidiram tomar uma decisão de mudança de pensamento.

Alguns vão dizer que isso é uma releitura da “teologia da prosperidade”. Não necessariamente. Aquela ainda tinha o elemento “conquista de Deus para a sua vida”. Na “teologia coach”, o elemento deixa de ser “conquista de Deus para a sua vida” e passa a ter o slogan: “a mudança começa em você, agora!”.

O resultado disso para as igrejas históricas é mais complexo que essa simplificação aqui, mas de maneira prática há um impasse interessante.

Há pastores que não sabem se continuam vivendo suas tradições teológicas (se é que ainda há alguma) e, ao mesmo tempo, vão modificando suas liturgias para “alcançar” esse público “church”; ou, se migram direto para esse “universo church” e passam a pregar cada vez mais mensagens como essa de Davi e Golias no seu nível coach: “Você nasceu para enfrentar os seus gigantes. Seja como Davi, corte a cabeça do Golias”.

3 comentários:

Geraldinho Farias disse...

Preferem ser "essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha Teologia formada sobre tudo"...

Verner disse...

Belíssima reflexão. Entendo que as "igrejas church" são um movimento. Não tende a se solidificar, ainda que causem estrago e frustrações. A exposição bíblica (e as aplicações do texto) sempre será o melhor alimento para o rebanho!

Anônimo disse...

Ótimo texto e também concordo.
Porém, o que me chama atenção é o espaço perdido pelas igrejas históricas e tradicionais que não acompanharam e deixaram lacunas que foram preenchidas, sejam litúrgicas, linguagem entc