A
reflexão sobre a igreja sempre ocupou um espaço considerável na produção
teológica. Diversos teólogos de diferentes concepções, conservadores ou
progressistas, tem se dedicado ao tema em vários momentos da história da
igreja. Roger Haight, que ficou conhecido pelo seu livro Jesus, símbolo de Deus (São Paulo: Paulinas, 2005) e por conta desse texto recebeu notificação por meio da Congregação da Doutrina da Fé, dedicou-se ao tema da igreja no livro A comunidade cristã na
história (2012).

Com
o objetivo de contribuir ao debate eclesiológico, trago alguns apontamentos a
partir da eclesiologia de Roger
Haight que procura fazer uma distinção espacial na eclesiologia que ele
adjetiva como sendo de cima ou de baixo.
O
método que Haight delineia é comparativo-dialético. De um lado o modelo de uma eclesiologia de cima do outro o modelo
de uma eclesiologia de baixo. Aqui
iremos ver suas percepções quanto a eclesiologia
de cima.
Em
uma eclesiologia pensada e
constituída a partir de cima, o exclusivismo é tido como a única
possibilidade de refletir a eclesiologia. Ao contrário do pluralismo, não há um
reconhecimento, embora possa ter um entendimento quanto à natureza plural da eclesiologia, o discurso será
exclusivista. Sendo o pluralismo uma
importante chave hermenêutica e dialógica no atual cenário da teologia
contemporânea, a eclesiologia de cima tende
a ter uma “tradição particular que se sobrepõe às outras” (HAIGHT, 2012, p.
38). Essa postura procura invalidar as demais tradições quando uma comunidade
de fé, dependente de sua trajetória histórica e de sua tradição teológica e
hermenêutica, ou seja, a linguagem é sempre uma condição para formular o
discurso seja ele exclusivista ou pluralista, cria-se uma imaginação de que há apenas uma única igreja universal e essa única igreja procura estender às demais
a sua maneira de ser e pensar a fé cristã. Sendo assim, “a única igreja
verdadeira, de modo que, ao descrever-se, ela descreve o modo como toda a
igreja deve ser” (HAIGHT, 2012, p. 38). Indubitavelmente Haight está pensando
na Igreja Católica quando descreve os elementos que compõem uma eclesiologia de cima, mas sua observação
pode, facilmente, mas com algumas restrições devido ao sistema católico ser
diferente em alguns aspectos às demais igrejas, no caso do protestantismo histórico,
ser aplicado a uma determinada denominação cristã que sempre procura acentuar a
sua condição de exclusividade e de igreja mais “verdadeira” que outras.
Outro
aspecto de um modelo eclesiológico que parte de cima para baixo é a
necessidade de estar em constante contato – ou rememorá-lo sempre – com o
fundamento que legitima a autoridade. Como bem faz menção Haight, as escrituras é que dão a base e a
autoridade da igreja, mas no caso da Igreja Católica, além da escritura, há também os concílios e o magistério que detém o mesmo
grau de autoridade da escritura. No
âmbito do protestantismo histórico há o símbolo da teologia sistemática e as declarações
doutrinárias que exercem o mesmo papel do magistério católico. A linguagem de uma eclesiologia de cima é uma linguagem doutrinária, onde a tradição se
solidificou no dogma e ele, então, detém o domínio na comunidade e delimita as
fronteiras por onde ela deve caminhar na reflexão da fé. Uma vez que a autoridade
da igreja é estendida a outros segmentos de controle eclesial, a comunidade de
fé fica refém do seu próprio
discurso, que se torna repressor, e passa a se comportar como uma “igreja que
se insurge contra o mundo e a cultura humana; o mundo é conceituado como aquilo
que está fora da igreja. Em contraste com o mundo em sua secularidade, a igreja
define a esfera do sagrado” (HAIGHT, 2012, p. 39).
Assim
como a Igreja Católica, alvo das reflexões de Haight quanto a uma eclesiologia de cima, tem suas dificuldades
dialógicas com a sociedade (mundo) por conta da sua tradição doutrinária enrijecida pelo dogma, a realidade no
protestantismo histórico não é muito diferente também.
No
âmbito do protestantismo histórico as
publicações doutrinárias conhecidas como teologia
sistemática faz a função de normatizar a doutrina. Em ambientes teológicos
confessionais, a teologia
sistemática deixa de ser um recurso literário,
ou seja, uma maneira de descrever e pensar a fé a partir de sistemas
teológicos, e passa a ser, como publicação em si, um sistema de pensamento
teológico-doutrinário que norteia a concepção de fé dos futuros pastores e
pastoras.
Em uma eclesiologia de
cima, a estrutura e organização da igreja é de cima para baixo,
naturalmente. Tomando como exemplo a igreja romana medieval, Haight observa a
estrutura hierárquica da igreja começando com Deus, Cristo, o Espírito, Pedro,
o papa, o bispo, o sacerdote e último, dentro de um modelo piramidal, o leigo
(HAIGHT, 2012, p. 42). Para Juan Antônio Estrada (2005, p. 228), essa estrutura
como se apresenta é um equívoco quanto ao entendimento da atuação e ação do
Espírito Santo. Para ele, o Espírito Santo age na base da igreja e não no cume
hierárquico. A questão é que este modelo eclesiológico tende “a ver a sua
estrutura de ministérios em correspondência com a vontade de Deus” (HAIGHT,
2012, p. 44), ou seja, não é uma forma de condicionamento da história, mas sim
um mandato divino. Como bem salienta
Haight, essa não é uma prerrogativa da Igreja Católica, “grosso modo, outras igrejas fazem a mesma coisa” (HAIGHT, 2012, p.
44). A necessidade da prerrogativa divina
para a constituição da eclesiologia é uma prática atestada tanto na
realidade católica quanto na realidade protestante. A principal característica
de uma eclesiologia de cima “é a
convicção de que é possível respaldar-se nessas fontes autoritativas divinas da
teologia e no correspondente método de recurso a elas para estabelecer uma
estrutura sobrenatural, divina ou revelada da igreja” (HAIGHT, 2012, p. 44).
Em síntese, os principais elementos que, para Haight, compõem hermeneuticamente uma eclesiologia
de cima são:
(a) a tendência em situar à igreja como se ela estivesse fora do contexto da história, e sua
concepção assume um caráter de a-histórica ignorando as ambiguidades de
vivenciar os acontecimentos da história, uma igreja com essa dimensão tende a
assumir um papel exclusivista diante
da sociedade e das demais religiões;
(b) o aspecto doutrinário como único recurso legítimo na
construção do discurso, e, não obstante a isso, o seu enrijecimento nesse
discurso como característica de uma pretensa fidelidade a um sistema sancionado
pela vontade divina, portanto, uma
eclesiologia que tende a ignorar outras tradições religiosas e,
consequentemente, se fechando para o diálogo com essas tradições como também
para com a sociedade quando se acrisola em seu imaginário doutrinário;
(c) um sistema dominado de cima para baixo onde os
ministérios ordenados têm a primazia e os tidos leigos não tem a mesma oportunidade de servir com os seus dons
concedidos pelo Espírito Santo.
Referências
ESTRADA, Juan Antônio. Para compreender como surgiu a igreja.
São Paulo: Paulinas, 2005.
HAIGHT, Roger. A comunidade cristã na história: eclesiologia histórica. São Paulo:
Paulinas, 2012, vol. 1.
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