5.9.10

UMA "NOVA" ESPIRITUALIDADE

Leituras em Marià Corbí Quiñonero e Dietrich Bonhoeffer

É claro que aqui não é a Europa. Por lá o Cristianismo passou por um processo de secularização decorrente das duas guerras mundiais. O surgimento da Filosofia da Vida e a preocupação de teólogos como Paul Tillich dentre outros, buscaram fazer uma ponte entre aquela realidade e o Cristianismo. A contribuição de Tillich no debate Cristianismo e Cultura foram essenciais.

Os dois pensadores do subtítulo em questão fizeram o mesmo caminho: compreender a realidade e buscar pontes, meios para um diálogo entre Religião e Sociedade, mais especificamente com a pós-modernidade. Bonhoeffer foi encarcerado no regime totalitário de Adolf Hitler a partir de cinco de abril de 1943. O seu templo foi a prisão, seu gabinete pastoral foi uma cela, suas ovelhas foram os presos, sua espiritualidade era para os não-religiosos. Bonhoeffer faz questão de frisar que Jesus nunca, e nem se quer deixou, a impressão de mostrar às pessoas que elas eram realmente piores quando na verdade eram de fato; com os ladrões na cruz ele não fez nenhuma tentativa de convencimento, até que um deles dirigiu a palavra a ele. Essa tentativa de ser mais religioso que Deus é pedantismo espiritual. É por isso que o luterano preferia a companhia de “não-crentes” à de piedosos que só falavam a respeito de Deus.

Outro pensador é Marià Corbí Quiñonero. Para Corbí a espiritualidade hoje precisa passar por novos modelos. Partindo sobre os pressupostos de que o mundo passa/ou por transformações e mudanças culturais, Marià Corbí entende que vivemos um grande trânsito cultural, não há mais condições para um etnocentrismo ou o fundamentalismo coexistir com esta dinâmica, ainda que haja em países e culturas esta mentalidade, mas, segundo ele, será inevitável a superação dessas formas de vê o mundo pela globalização e a secularização. Entendendo que as religiões foram desenvolvidas em uma época pré-industrial, e, que, portanto, as crenças e a maneira de ver o mundo passa pelo mito, pelos símbolos, pelas narrações sagradas, Corbí acredita que esta maneira de ver o mundo foi superada ocorrendo a primeira secularização. Esta se deu quando o cristianismo travou sangrentas guerras em nome de Deus, de forma inevitável, a secularização abarcou o Estado e a vida pública das pessoas, deixando a opção religiosa sob a escolha de cada um. Este processo teve como impulsionador o Iluminismo. Com isso Corbí entende que as religiões entraram numa crise de sentido por não saber dialogar ou se inserir neste processo, surgindo então dois caminhos: postura conciliatória de diálogo e compreensão dos novos tempos ou fundamentalismo, se fechando para o mundo e suas transformações. Mas isso não é tudo nesta crise religiosa, o espanhol entende que a segunda secularização é pior que a primeira. Na primeira é dado ao indivíduo escolher, ainda uma religião institucional, a segunda secularização passa pela espiritualidade, ou seja, é quando o indivíduo entende que não precisa da mediação institucional ou ortodoxa para vivenciar a sua espiritualidade. Desse modo a religião e a espiritualidade não são mais inseparáveis, são dicotômicas de fato.

Recentemente a Revista Época publicou uma reportagem intitulada “A nova reforma protestante”. Além de ouvir alguns pastores/teólogos sobre o tema, a revista trouxe uma reportagem sobre o senhor Rani Rosique. Um cirurgião geral de 49 anos em Ariquemes, cidade de 80 mil habitantes do interior de Rondônia. Este homem reúne-se periodicamente com vizinhos, conhecidos e amigos, umas quinze pessoas ao todo, para falar sobre a Bíblia, orar e cantar na área de uma casa. Depois a confraternização: chá com bolachas. Rosique pratica sua fé assim, em pequenos grupos de oração, comunhão e estudo da Bíblia. Para a Revista Época, Rani pode ser visto como um “símbolo” do período de transição que a igreja evangélica brasileira atravessa. Um tempo em que ritos, doutrinas, tradições, dogmas, jargões e hierarquias estão sob profundo processo de revisão, apontando para uma relação com o Divino muito diferente daquela divulgada nos horários pagos da TV.

Estou em uma cidade pequena em que a religiosidade ainda é uma marca. Mas já vivenciamos discursos claros que envolvem a separação entre espiritualidade e o pertencimento a uma igreja. Penso que é um momento de reformular mesmo os modelos e a forma que entendemos um grupo de pessoas que se reúne periodicamente entre quatro paredes. Se não surgir um Cristianismo que propõe o seguimento de Jesus, a comunhão de fato, a maneira de vivenciar a fé e sua incrível necessidade de diálogo, irá surgir cada vez mais grupos como o do senhor Rani Rosique, o que é salutar também.

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