Lá pelo ano de 2001 estava eu em um Concílio Examinatório na cidade de Americana/SP. Para os leitores que não são batistas vai aí uma explicação. Concílio Examinatório é uma reunião de pastores em que sabatinam o candidato ao Ministério Pastoral na área teológica, eclesiológica etc. Se o candidato for aprovado, durante aquelas longas horas de perguntas, o Concílio aprova-o e recomenda a sua Ordenação à Igreja, do contrário ele será reprovado e um novo Concílio pode ser feito depois de 180 dias. É um procedimento válido. Bem, estava eu neste Concílio e na parte final do exame em teologia foi feita a seguinte pergunta: “qual a posição do candidato em relação ao Milênio, é pré, pós ou amilenista?” O candidato pensou, pensou e respondeu: “não defini ainda o que sou”. Bastou isso para que dois pastores começassem a discutir suas “posições escatológicas”. Um requeria saber de qualquer jeito o que o candidato era e outro apenas valorizava a posição do candidato de não ter nenhuma posição.
Está é apenas uma prova do quanto a questão do Milênio fez a cabeça e o imaginário religioso no protestantismo. Há pastores que fazem amizades e desfazem dependendo da interpretação sobre o Milênio! Seminários teológicos são expressamente pré-milenistas e ensinam a doutrina claramente. Bíblias de estudo, como a Scofield, por exemplo, trabalham a interpretação bíblica a partir do pré-milenismo dispensacionalista do Gênesis ao Apocalipse.
Segundo Antonio Gouvêa Mendonça, um dos principais pesquisadores do protestantismo no Brasil falecido em 2007, a disputa entre pré-milenismo e pós-milenismo começou nos EUA por volta do século XIX. Enquanto o pós-milenismo tinha como pano de fundo o mito do progresso social, em que entendia que havia a possibilidade de uma vida de perfeita santidade, o que significava uma melhoria progressiva e constante da sociedade através dos indivíduos aperfeiçoados, esse progresso, portanto, viria pela ação normal da igreja que prepararia a segunda vinda de Cristo. O grande pregador do pós-milenismo foi Jonathan Edwards no século XVIII que, assim, incentivou as campanhas missionárias nos EUA e em outros países. Na concepção do pós-milenismo, o Reino de Deus, já a caminho, devia ser compartilhado com outros povos. Já o pré-milenismo é totalmente diferente, este entende que o Homem é incapaz de se aperfeiçoar. Assim, o Milênio (Reino de Deus) só seria possível com a volta de Cristo para implantá-lo. Essa concepção ganhou grande força a partir dos anos 70 do século XIX. O resultado foi o progressivo distanciamento entre a Igreja e o mundo, incompatibilizando-a com projetos de melhoria social. A Igreja, voltada para si mesma, concentrou-se na evangelização e nas missões estrangeiras. O pré-milenismo chocou-se de frente com o Evangelho Social, assim como contra qualquer forma de compromisso com mudanças estruturais da sociedade. O pós-milenismo foi inteiramente superado no Brasil pelo pré-milenismo.
Com o pré-milenismo assegurado no Brasil protestante, os livros de maior sucesso por aqui sempre foram os de escatologia, de péssimo gosto, diga-se de passagem. Recentemente Ricardo Quadros Gouvêa escreveu um artigo em que aponta os quarenta livros mais lidos pelos evangélicos durante quarenta anos (Revista Ultimato, Viçosa, ed. 315, nov./dez. 2008). Entre os autores estão: Hall Lindsay A agonia do grande planeta Terra; Frank Peretti, Este mundo tenebroso. O livro de Hall Lindsay produziu uma verdadeira paralisia da Igreja em relação ao mundo. A partir da concepção pré-milenista, com forte ênfase no fim do mundo, o livro de Lindsay partiu de uma hermenêutica literalista, algo que é clássico na postura fundamentalista, e empolgou uma porção de gente com o “fim do mundo” e a instauração do Milênio. Resultado disso: uma apatia quanto à atuação da Igreja na sociedade e sua participação política.
Criticou-se muito a Teologia da Libertação porque olhava para a dimensão social e pregava em cima das mazelas do povo. No caso da Teologia Protestante, o pré-milenismo tem/teve um efeito paralisante na Igreja. Logo no protestantismo que tem na sua razão de ser a crítica, a liberdade de consciência, a atuação no mundo para a glória de Deus. Com o pré-milenismo produziu-se a indiferença pelo mundo e pela sociedade. Até mesmo a ação no mundo do crente pregado pelo puritanismo como vocação divida o pré-milenismo solapou!
Como consequência do exagero dessa posição escatológica, colhemos um povo apático e desmotivado para encarar a sociedade. Quando o Reino de Deus ficou lá, o aqui parece que não conta mais. Vai demorar a mudar este imaginário fatalista, mas é preciso começar.
"Escrever é construir, através do texto, um modelo específico de leitor" (Humberto Eco)
23.6.10
OS EQUÍVOCOS EM RELAÇÃO AO REINO
Não é novidade nenhuma na exegese contemporânea da teologia bíblica do Novo Testamento de que a mensagem principal, primeira, primordial de Jesus foi o Reino de Deus. Ele inicia sua caminhada na Galiléia pregando sobre o Reino de Deus (Mc 1,14-15). Dentro da perspectiva do Antigo Testamento sobre o reinado de Deus, Jesus materializa a presença do Reino a partir das suas ações e pastoral: acolhe os marginalizados da sociedade; expulsa o mal pelo poder de Deus; leva as boas novas do Evangelho. Jesus respira o Reino; sua vida está em função do Reino.
Como é incrível a total desconsideração da teologia protestante (se é que podemos chamar assim) quanto a temática do Reino de Deus. Apenas para levantamento: quantas literaturas para a EBD há sobre o Reino de Deus? Livros? Autores/teólogos que escrevem e dão palestras sobre o tema? Quase nada! É um tema relegado, desconsiderado. No cenário religioso brasileiro temos algumas manifestações que nem mesmo cogitam sobre o Reino. Entre os neopentecostais a ênfase está na prosperidade, no dinheiro como instrumento de bênção de Deus, embora a IURD tenha no seu nome “Reino de Deus”, mas é puramente no sentido financeiro e territorial. Entre os pentecostais o tema nunca foi enfatizado, pois a preocupação era (e é) com o Espírito Santo, o poder, a unção.
O protestantismo (batistas) olhou para Jesus apenas sob a perspectiva do berço, da cruz e da pedra. A história da teologia protestante ignorou completamente o aspecto do Reino de Deus na vida de Jesus. A discussão e maior preocupação foi sobre sua divindade, homem ou Deus? O aspecto pastoral da ação de Jesus foi omitido. Quantos livros sobre o Reino de Deus temos? Nas teologias sistemáticas que tantos gostam o Reino de Deus, na área de cristologia, não aparece! Apenas na discussão sobre o Milênio o Reino irá aparecer, mas ainda em cima de uma discussão inútil: ainda virá, já está aqui, é pré, pós ou a?
Alguns equívocos que fizeram com que o Reino de Deus fosse marginalizado na vida da Igreja. Faço apenas alguns apontamentos. O primeiro deles foi, indubitavelmente, confundir Reino de Deus com expansionismo: essa é uma prática que vêm desde o catolicismo português e passa pelos missionários protestantes no século XIX. Reino de Deus ficou sendo abrir templos; levar o nome da Igreja era o mesmo que expandir o Reino de Deus; conquistar território era o Reino de Deus. Onde não houvesse uma determinada denominação era preciso ter, pois era a expansão do Reino de Deus. Vem daí a nossa dificuldade em entender que em outras vertentes do Cristianismo o Reino de Deus também se manifesta. É claro que o fundamentalismo é o segundo fator de marginalização do Reino de Deus. Com a excessiva preocupação com a “sã doutrina” como a inerrância da Bíblia, a hermenêutica literalista do texto, esqueceu-se do principal, o Evangelho.
O terceiro elemento que marginalizou a concepção do Reino de Deus na Igreja foi o pré-milenismo. O pré-milenismo proliferou na teologia protestante, livros, palestras, seminários, como o PV, Bíblias como a Scofield e a Anotada, além dos pentecostais com suas teorias mirabolantes sobre o “fim do mundo”. Jesus virá, estabelecerá o seu Reino por mil anos, o mal será extirpado e aí haverá paz. Com essa assertiva o pré-milenismo imprimiu no imaginário religioso um final feliz nos fins dos tempos, portanto, o povo é apenas espectadores aqui, vendo as coisas acontecerem e aguardando o céu. Canta-se isso: “sou peregrino aqui, em terra estranha estou...”. Resultado: omissão política e social; desvalorização da cultura.
O Reino de Deus tem uma dupla dimensão: aqui e lá, o famoso já e ainda não. Ele tem o seu início com Jesus e a continuação com a Igreja. Esta, a Igreja, nunca poderá ser confundida com o Reino, ele tem dimensões próprias, mas o Reino será propagado com a ajuda e mediação da Igreja.
Como é incrível a total desconsideração da teologia protestante (se é que podemos chamar assim) quanto a temática do Reino de Deus. Apenas para levantamento: quantas literaturas para a EBD há sobre o Reino de Deus? Livros? Autores/teólogos que escrevem e dão palestras sobre o tema? Quase nada! É um tema relegado, desconsiderado. No cenário religioso brasileiro temos algumas manifestações que nem mesmo cogitam sobre o Reino. Entre os neopentecostais a ênfase está na prosperidade, no dinheiro como instrumento de bênção de Deus, embora a IURD tenha no seu nome “Reino de Deus”, mas é puramente no sentido financeiro e territorial. Entre os pentecostais o tema nunca foi enfatizado, pois a preocupação era (e é) com o Espírito Santo, o poder, a unção.
O protestantismo (batistas) olhou para Jesus apenas sob a perspectiva do berço, da cruz e da pedra. A história da teologia protestante ignorou completamente o aspecto do Reino de Deus na vida de Jesus. A discussão e maior preocupação foi sobre sua divindade, homem ou Deus? O aspecto pastoral da ação de Jesus foi omitido. Quantos livros sobre o Reino de Deus temos? Nas teologias sistemáticas que tantos gostam o Reino de Deus, na área de cristologia, não aparece! Apenas na discussão sobre o Milênio o Reino irá aparecer, mas ainda em cima de uma discussão inútil: ainda virá, já está aqui, é pré, pós ou a?
Alguns equívocos que fizeram com que o Reino de Deus fosse marginalizado na vida da Igreja. Faço apenas alguns apontamentos. O primeiro deles foi, indubitavelmente, confundir Reino de Deus com expansionismo: essa é uma prática que vêm desde o catolicismo português e passa pelos missionários protestantes no século XIX. Reino de Deus ficou sendo abrir templos; levar o nome da Igreja era o mesmo que expandir o Reino de Deus; conquistar território era o Reino de Deus. Onde não houvesse uma determinada denominação era preciso ter, pois era a expansão do Reino de Deus. Vem daí a nossa dificuldade em entender que em outras vertentes do Cristianismo o Reino de Deus também se manifesta. É claro que o fundamentalismo é o segundo fator de marginalização do Reino de Deus. Com a excessiva preocupação com a “sã doutrina” como a inerrância da Bíblia, a hermenêutica literalista do texto, esqueceu-se do principal, o Evangelho.
O terceiro elemento que marginalizou a concepção do Reino de Deus na Igreja foi o pré-milenismo. O pré-milenismo proliferou na teologia protestante, livros, palestras, seminários, como o PV, Bíblias como a Scofield e a Anotada, além dos pentecostais com suas teorias mirabolantes sobre o “fim do mundo”. Jesus virá, estabelecerá o seu Reino por mil anos, o mal será extirpado e aí haverá paz. Com essa assertiva o pré-milenismo imprimiu no imaginário religioso um final feliz nos fins dos tempos, portanto, o povo é apenas espectadores aqui, vendo as coisas acontecerem e aguardando o céu. Canta-se isso: “sou peregrino aqui, em terra estranha estou...”. Resultado: omissão política e social; desvalorização da cultura.
O Reino de Deus tem uma dupla dimensão: aqui e lá, o famoso já e ainda não. Ele tem o seu início com Jesus e a continuação com a Igreja. Esta, a Igreja, nunca poderá ser confundida com o Reino, ele tem dimensões próprias, mas o Reino será propagado com a ajuda e mediação da Igreja.
9.6.10
IGREJA: ENTRE A MASSA E A MINORIA
Vendo esses dias o blog Genizah, vejo a seguinte notícia: Igreja Mundial Renovada. É a mais nova cisão da Igreja Mundial do Poder de Deus. O braço direito do então Valdemiro Santiago, o senhor Roberto Damásio, fundou a Igreja Mundial Renovada com os mesmos caracteres da sua antiga igreja, a IMPD. Não tenho nenhum interesse em saber quem está traindo quem, quem está abrindo mais uma casa de espetáculo. O que achei interessante na matéria do Genizah é a frase do mais novo pop star do mundo das celebridades bizarras. Ele disse: “A Igreja que fundei e abri é melhor do que a primeira de onde vim! A gloria será minha, a igreja é minha, eu sou o dono dela e ninguém me tira”. Palavras de profunda sabedoria espiritual.
Segundo o sociólogo Ricardo Mariano (mestre e doutor em Ciências Sociais pela USP) no seu livro Neopentecostais, sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Loyola, 1999), o neopentecostalismo é um empreendimento profundamente lucrativo. Abrir igrejas é um negócio como outro qualquer. A clientela é vasta; o produto muda apenas de mão, de bispo para apóstolo; a propaganda é feita pela TV com slogan chamativo. As pretensões é crescer, crescer e crescer.
É interessante a diversidade do Evangelho neste país. Enquanto prego na minha tranquila e abençoada comunidade sobre ser semelhante à Cristo, amar o irmão, dialogar com aquele que discordamos, os membros vê na TV pastor vendendo semente; missionário pedindo para comprar uma tal de “Nossa TV” extorquindo o povo em nome de uma pretensa programação “santa”; outro com seus milagres e unções reivindicando a mão de Deus. Já estou cheio disso e acho que você também.
Lendo um dos teólogos mais importantes da América Latina, Juan Luis Segundo, o seu livro Teologia aberta para o leigo adulto: essa comunidade chamada Igreja (Loyola, 1976), Segundo faz uma observação: a Igreja sempre será minoria. Ele faz uma distinção entre massa e minoria. A Igreja de fato será sempre aquela em que pessoas que seguem de fato a Jesus Cristo, participam do seu projeto chamado Reino de Deus e transmitem aos outros a fé recebida. Segundo coloca que Jesus nunca pretendeu alcançar a massa; Paulo nunca teve intenção de conquistar um império. Para o teólogo uruguaio, Igreja será aquela em que o amor ao próximo seja a primeira e principal doutrina. Igreja será minoria sempre, porque nem todos estão interessados em diminuir para que o outro cresça.
A massa pode ser manipulada (e é). A minoria pode mudar algumas coisas, mas não tem a pretensão de mudar o mundo, mas a sua volta. A Igreja de Cristo é minoria. É a dificuldade de relacionamento dos Doze; é a possibilidade dos fortes carregarem as fraquezas dos fracos; é a mutualidade na compaixão e no amor cristão.
Acho que estou fadado a lidar sempre com a minoria, pois é nela que me identifico como pastor.
Segundo o sociólogo Ricardo Mariano (mestre e doutor em Ciências Sociais pela USP) no seu livro Neopentecostais, sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Loyola, 1999), o neopentecostalismo é um empreendimento profundamente lucrativo. Abrir igrejas é um negócio como outro qualquer. A clientela é vasta; o produto muda apenas de mão, de bispo para apóstolo; a propaganda é feita pela TV com slogan chamativo. As pretensões é crescer, crescer e crescer.
É interessante a diversidade do Evangelho neste país. Enquanto prego na minha tranquila e abençoada comunidade sobre ser semelhante à Cristo, amar o irmão, dialogar com aquele que discordamos, os membros vê na TV pastor vendendo semente; missionário pedindo para comprar uma tal de “Nossa TV” extorquindo o povo em nome de uma pretensa programação “santa”; outro com seus milagres e unções reivindicando a mão de Deus. Já estou cheio disso e acho que você também.
Lendo um dos teólogos mais importantes da América Latina, Juan Luis Segundo, o seu livro Teologia aberta para o leigo adulto: essa comunidade chamada Igreja (Loyola, 1976), Segundo faz uma observação: a Igreja sempre será minoria. Ele faz uma distinção entre massa e minoria. A Igreja de fato será sempre aquela em que pessoas que seguem de fato a Jesus Cristo, participam do seu projeto chamado Reino de Deus e transmitem aos outros a fé recebida. Segundo coloca que Jesus nunca pretendeu alcançar a massa; Paulo nunca teve intenção de conquistar um império. Para o teólogo uruguaio, Igreja será aquela em que o amor ao próximo seja a primeira e principal doutrina. Igreja será minoria sempre, porque nem todos estão interessados em diminuir para que o outro cresça.
A massa pode ser manipulada (e é). A minoria pode mudar algumas coisas, mas não tem a pretensão de mudar o mundo, mas a sua volta. A Igreja de Cristo é minoria. É a dificuldade de relacionamento dos Doze; é a possibilidade dos fortes carregarem as fraquezas dos fracos; é a mutualidade na compaixão e no amor cristão.
Acho que estou fadado a lidar sempre com a minoria, pois é nela que me identifico como pastor.
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