4.11.09

CONTINGÊNCIAS DA VIDA

Uma reflexão a partir de Friedrich Nietzsche (1844-1900)

A vida é incertezas, ela não é matemática, ela é superação, desespero, esperança, amor, ódio... Eu não sei por que há pessoas que param na rua para aquelas ciganas lerem as mãos; há ainda àqueles que vão à cartomante para jogar os búzios e as cartas de tarô; sem contar os “profetas” que estão por aí dizendo o que vai acontecer. A vida é projeção, construção, nada pronto, é imperfeição e isso é uma bênção.

No aspecto religioso nossas igrejas estão cheias de pessoas procurando saber qual é a “vontade de Deus” para as suas vidas. É o jovem que diz que esta orando para ver se o namoro com a moça é da “vontade de Deus”; é uma família que esta com um enfermo em casa e sempre esta orando para saber qual é a “vontade de Deus”; a saída ilesa de um acidente é interpretada como “livramento de Deus”, portanto, não era da sua “vontade” a morte naquele momento, como se ele tivesse um relógio celestial em que marcasse a hora das pessoas morrerem. Apegamo-nos em algo que possa compensar a fragilidade, e a religião é uma dessas formas, ou um código simbólico para fazer uma leitura, ainda que ilusória em alguns momentos, da realidade.

Lembro-me de um caso que vi na tevê (escrevi um texto no dia 13/06/09 “Era possível um milagre?”) sobre o acidente do avião francês da companhia Air France. Bem, um programa de TV entrevistou um rapaz que no último minuto foi impedido de embarcar porque o avião já estava taxiando. Estavam no programa mais dois convidados: um astrólogo e um teólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Eles tentavam entender porque o jovem não morreu com todos os outros. Para encurtar aquelas bobagens, que nem mesmo tive paciência de acompanhar até o fim, o professor universitário afirmou que o jovem não entrou no voo porque ele precisava acertar alguma coisa em sua vida, por isso Deus o poupou. Simplesmente um absurdo. Uma postura recheada de conceitos calvinistas. Mas que Deus seria esse que poupou apenas uns e não mais de 200 pessoas? Se pudesse impedir, para quem entende que Deus permite tudo e se permite pode impedir, por que não segurou a aeronave no ar?

O fato, e podem discordar, é que, para não aceitar a vida e suas vicissitudes, as pessoas se valem de subterfúgios. Prova disso é a sociedade que vivemos onde o vazio existencial é preenchido por drogas, moda, compras, violência. Talvez as minhas reflexões não sejam interpretadas no sentido de alguém que quer buscar outros discursos para ler a vida, mas quando proponho Friedrich Nietzsche é porque ele foi filho de pastor luterano, portanto conhecia a Bíblia e até pensou em seguir o mesmo caminho do pai, mas que num dado momento percebeu que o cristianismo em voga era insatisfatório para responder aos anseios humanos, e parece que hoje a história se repete quando há um cristianismo que acentua seus valores, suas regras, suas receitas, em detrimento da vocação humana para a liberdade.

Nietzsche é influenciado, num primeiro momento, por Schopenhauer e sua obra O mundo como vontade e representação, uma filosofia pessimista da vida, mas ainda, no entender de Nietzsche uma metafísica da vontade. O que ficou dessa leitura foi a convicção de que o homem é um eterno insatisfeito. Um ser que comunga dor e prazer, e que, portanto, é ilusão conceber a vida sem dor.

As leituras em Schopenhauer e Dostoiévski levaram o jovem Nietzsche a ver a vida, a cultura e, principalmente, a ciência com outros olhos. Numa época em que o pensamento filosófico era impregnado de conceitos científicos, e, portanto, a vida tinha a sua causa e efeito, Nietzsche valoriza a vida e suas contingências desconsiderando o aspecto cientifico com a pretensão de explicar tudo a partir da razão. Ele via a vida não como lamentação; a tragédia não como expiação, mas como necessária ao crescimento vital da vida. A vida é uma constante transformação, e por isso, deve-se estar preparado para o inesperado, para a surpresa, para as batalhas que ela oferece.

Alguém que experimentou a solidão profundamente; experimentou a rejeição da sua bela Lou Salomé, aluna russa que não quis casar-se com ele; acometido de uma doença mental incurável, Nietzsche, mesmo doente, era saudável. Ele tirava proveito dos momentos mais dolorosos da vida.

Nietzsche concebe a tragédia como algo que ocorre, naturalmente, à vida. Ele aceita as contingências da vida de forma aberta, sem mediações, quer cientifica ou religiosa, pois a vida é assim, incertezas, vicissitudes.

Continuo...

2 comentários:

Claudinei Paulino disse...

Puxa cara, vc escreveu algo que eu estava para escrever, rs. A contingência! Acredito que o não ver a vida pela ótica da contingência é viver sem liberdade, é apelar para um fatalismo ou uma ação pedagógica de Deus. Não consigo mais ver Deus dessa forma. Belo texto. Um abração

Alonso S. Gonçalves disse...

Hi! Cheguei primeiro (rrssrr). Acho que nossas ideias batm , por isso a mesma temática e disposição teológica. O segundo texto irá tratar da inquietação religiosa, acredito que vc vai gostar.

Obrigado pela gentileza de acompanha meus textos, se puder divulgue o blog com seus contatos.

Valeu!