Na edição de 15/Out, o Jornal Batista trouxe como tema de capa o alerta de que os batistas estão passando por uma crise identitária. O editor, Fábio Aguiar Lisboa, colheu depoimentos dos pastores/teólogos Zaqueu Moreira, Irland Azevedo, Carlos Peff, Israel Belo e Isaltino Gomes. Cada um deles apontou as razões de uma pretensa crise denominacional. O teor do discurso girou em torno dos princípios defendidos pelos batistas na sua história e a falta de conhecimento desses princípios por parte dos pastores e membros; identidade frente às outras denominações; formação teológica; estrutura denominacional e seu fortalecimento etc.
Na última quinta-feira de outubro, a Ordem dos Pastores Batistas do Vale se reuniu em Registro, reuniões periódicas que tem como principal objetivo a comunhão, a inspiração, a conversa entre os pastores, diga-se de passagem, muito salutar. Neste encontro discutimos as dificuldades que enfrentamos no cotidiano pastoral, os dilemas da vida, a igreja, as posturas adotadas e uma incógnita sobre o futuro. Discussão que se houvesse tempo não acabaria tão cedo.
Acontece que esses dois fenômenos que acabei de relatar não ocorreram por acaso, de fato há uma inquietação na sociedade e as igrejas sentem isso, principalmente os pastores, de como fazer uma leitura apropriada desses novos tempos que passamos. Tempos de reestruturação econômica; aumento da vulnerabilidade social; da falta de sentido; da pluralização religiosa; da comercialização do evangelho. Diante dessas questões os batistas, como ramo do protestantismo, necessita refletir sobre isso e contribuir com sua história e tradição.
Diante dessa ânsia por diálogo coloco aqui alguns apontamentos sobre temas que considero importantes, e, como pastor batista, procuro refletir.
Leitura pós-moderna: esta cada vez mais escassa a capacidade de fazer uma leitura realista e destituída de qualquer preconceito sobre a cultura que vivemos. A tendência é sempre demonizar o surgimento de novidades exóticas e comportamentos esdrúxulos. A realidade não pode ser vista apenas com a Bíblia na mão, mas, parafraseando Karl Barth quando assumiu o pastorado em Safenwill, numa mão a Bíblia e noutra o jornal (os acontecimentos). As coisas estão acontecendo na sociedade com seus dilemas diários e a Igreja inerte a isso, pregando sobre predestinação, pré-milenismo, modelos de crescimento de igreja se é ou não com propósito etc. Acontece que as pessoas estão cada vez mais desesperadas precisando de esperança, e a Igreja parece que não consegue fazer esta leitura de forma adequada.
Pluralismo religioso: os tempos mudaram, as pessoas aderem a uma religião, seita ou movimento não mais pela sua doutrina, mas pelo preenchimento existencial. Dado interessante é que na cidade de São Paulo o Budismo tem crescido assustadoramente, principalmente entre a classe média. No Brasil a hegemonia cultural-religiosa já deixou de ser católica. Existem outras vertentes que estão conquistando espaço. Parece que não estamos preparados para discutir o que chamo de “democratização religiosa”. Não há mais espaço para o proselitismo baseado no medo e na dor (embora esse imaginário ainda reine no interior do país). As pessoas são instruídas; as empresas hoje oferecem palestras de filosofia; as pessoas estão mais informadas e ao mesmo tempo necessitadas de sentido, uma vez que para muitos a visão da história é pessimista. Não é por acaso que a tevê Globo esta promovendo a Série “Sagrado”, um diálogo aberto com todas as versões religiosas do país. Representando o protestantismo esta o pr. Israel Belo (IB Itacuruçá/RJ). E como não poderia ser diferente, as críticas surgiram, mas, inegavelmente, é este o caminho para os próximos anos, o diálogo. O ecumenismo, rejeitado pelos batistas com tanto fervor, será pauta obrigatória. Como um dos princípios batistas é a liberdade religiosa e de consciência, poderemos contribuir com os nossos quatrocentos anos de história para o diálogo respeitoso e fraterno, algo que os católicos perceberam há muito tempo e realizam um diálogo fraterno e respeitoso com os luteranos, metodistas e presbiterianos independentes.
Teologia latino-americana: a formação teológica dos pastores hoje ainda é norte-americana. É só olhar a proliferação de teologias sistemáticas traduzidas no mercado editorial brasileiro. Os livros que abarrotam as livrarias são, na sua esmagadora maioria, traduções de autores que fizeram sucesso lá fora. No meio acadêmico (seminários ou faculdades teológicas da denominação) não se privilegia a leitura de autores da América Latina. Há uma repulsa pelos pensadores católicos, mas são eles que fazem teologia latina hoje. A Missão Integral (evangélica) e a Teologia da Libertação (católica) podem dar as mãos em termos de metodologia, mas os batistas continuam ignorando isso. É necessária uma formação contextualizada; uma leitura a partir da realidade brasileira; uma teologia com calor e pimenta. Enquanto reproduzirmos tendências, métodos, modelos eclesiológicos, livros e teologias importadas, nosso povo irá continuar sendo indecifrável para nós.
Continuo no próximo texto, até lá...
6 comentários:
Parabéns pelo texto. Eu li o artigo que você mencionou no OJB. Não acredito em crise de identidade batista. Acredito que o humano contemporâneo não se encaixa mais nos moldes do passado, e como os membros das igrejas batistas são homens e mulheres desse tempo, também têm dificuldades de se amoldar ao que não lhes dão mais sentido. Usando uma linguagem biblica, não se coloca vinho novo em odres velhos. É urgentissimo a necessidade de pensar teologia para nossas comunidades, para nossa latinidade, para nosso povo. A educação teológica precisa ser revista, a abertura para o diálogo ecumênico deve ser aceita, além de uma compreensão melhor do mundo 'pós moderno' que vivemos. Nossa pregação precisa ser desenvolvida a partir de um eixo hermenêutico mais relevante, que aliás precisa ser construído aos poucos. Excelente texto! Um abraço
Seus comentários enriquecem o debate.
Obrigado!
Muito bom texto, na verdade, já era hora de percebermos que se continuarmos parados no tempo vamos sofrer uma drástica queda, pois, não se vive com uma Teologia fria em terra quente, digo isso pela frieza americana e o calor latino, a verdade é que esquecemos que precisamos de contextualização, quanto ao temor com relação a uma crise denominacional, só mostra a necessidade de mudança em vários seguimentos da nossa denominação, pois, enquanto estivermos pensando no modelo de nossos amados anciãos, perdemos o jovem e perdendo o jovem diminuimos. É um fato preocupante, mas nada que, ao pensarmos um pouquinho, não posamos resolver.
Olá Dionei, que bacana a sua colaboração.
De fato nossa denominação, da qual amo e preservo, esta tendo o desafio de apontar outros caminhos e caminhar em outras trilhas.
Obrigado!
Ótima reflexão Alonso. Penso que estamos diante de um beco sem saida, e temos duas opções enfrentar ou recuar. Que não estejamos entre os que retrocedem mas entre aqueles que querem avançar.
Parabéns!!
Uma das possbilidades de diálogo é esta que aconteceu na última reunião da Ordem. Vamos refeltir, sem preconceito, mas com coerência e seriedade. Acredito que estamos nos aproximando para um tempo em que os assuntos relevantes entrarão em pauta.
Obrigado pela colaboração, seja tbm um seguidor, assim poderemos trocar mais ideias.
Bom final de semana.
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