A leitura social passa pelas mudanças socioculturais de uma sociedade. A religião está nesse bojo e faz a sua parte enquanto sistema organizado de bens simbólicos.
Como pastor de uma igreja histórica, sou crítico das igrejas que adotam uma teologia “church”. Não é apenas a estética do templo e o nome em inglês para chamar atenção. Antes, é a mensagem que é proferida com uma carga emocional pesada aliada ao agudo do teclado e a linguagem adotada pelo pastor-coach com o fim de provocar a subjetividade e alcançar os anseios da intimidade que está permeada pelo status neoliberal de conceber a vida e suas relações. Tudo isso torna o encontro nas igrejas-churches individualista, ainda que a pessoa esteja cercada por uma multidão.
Como cientista da religião, entendo o movimento e sei apontar suas causas e bases.
Com o esvaziamento da hegemonia legitimadora da religião a partir da modernidade, a pluralidade de sentidos e significações, valores e critérios, modelos e padrões, linguagens e discursos, símbolos e signos, ganhou força. A tradição e a autoridade não conferem mais organização e os ajuntamentos se dão a partir de consensos entre grupos. É nesse terreno que as igrejas históricas operam, por ainda tatearem a “doutrina e a liturgia” como ordenamento do seu mundo religioso.
Por outro lado, com a crise da modernidade esgotou-se algumas tendências, abrindo espaço para uma reação nem sempre racionalista. Assim, há um desencanto com a razão, a aceitação da perda do que era antes um fundamento, a rejeição de grandes narrativas globais e o surgimento do ser humano que se constrói a partir da estetização e do apelo político-ideológico.
É nesse terreno que as igrejas-churches caminham muito bem.
Como as igrejas no Brasil não cumprem um papel social (algo que até mesmo a Igreja Católica já deixou de fazer), o indivíduo se encontra no ambiente evangélico como alguém que procura anestesiar suas angústias e acalentar seus sentimentos. Quando a boa música toca sua subjetividade, ele está pronto para receber a mensagem que irá resolver os seus problemas e suas necessidades que estão no mais particular das suas relações sociais (há valor terapêutico nisso, é preciso dar o crédito). O pastor-coach sabe disso e por essa razão ele precisa ostentar seu Rolex de R$ 800 mil e usar personagens bíblicos como pontes para deixar claro como esses personagens alcançaram a vitória na vida quando decidiram tomar uma decisão de mudança de pensamento.Alguns vão dizer que isso é uma releitura da “teologia da prosperidade”. Não necessariamente. Aquela ainda tinha o elemento “conquista de Deus para a sua vida”. Na “teologia coach”, o elemento deixa de ser “conquista de Deus para a sua vida” e passa a ter o slogan: “a mudança começa em você, agora!”.
O resultado disso para as igrejas históricas é mais complexo que essa simplificação aqui, mas de maneira prática há um impasse interessante.
Há pastores que não sabem se continuam vivendo suas tradições teológicas (se é que ainda há alguma) e, ao mesmo tempo, vão modificando suas liturgias para “alcançar” esse público “church”; ou, se migram direto para esse “universo church” e passam a pregar cada vez mais mensagens como essa de Davi e Golias no seu nível coach: “Você nasceu para enfrentar os seus gigantes. Seja como Davi, corte a cabeça do Golias”.